quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O art. 100, I, do CPC é constitucional?





O Código de Processo Civil, que é de 1973, estabelece:
Art. 100.  É competente o foro:
I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento;

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, prevê:
Art. 226 (...)
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Diante dessas duas previsões, indaga-se: o art. 100, I, do CPC foi recepcionado pela CF/88?

A doutrina é dividida:
Há, ainda, algumas posições intermediárias afirmando que o dispositivo, em tese, é ainda constitucional, no entanto, havendo efetiva igualdade entre homem e mulher tem que ser afastado, no caso concreto, por inconstitucional (Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero).

O que entende o STF?
A 2ª Turma do STF decidiu que o art. 100, I, do CPC foi recepcionado pela CF/88, não havendo incompatibilidade com o princípio da igualdade:
O art. 100, I, do CPC (...) não afronta o princípio da igualdade entre homens e mulheres (CF, art.5º, I), tampouco a isonomia entre os cônjuges (CF, art. 226, § 5º).
Com base nesse entendimento, a 2ª Turma desproveu recurso extraordinário por reputar que a norma processual fora recepcionada pela Constituição.
(...) Destacou-se que a Constituição seria marco histórico no processo de proteção dos direitos e garantias individuais e, por extensão, dos direitos das mulheres.
Ressaltou-se que, ao longo de mais de 2 décadas de vigência da Constituição, a doutrina e a jurisprudência alinhar-se-iam segundo 3 concepções distintas acerca do dispositivo em discussão, que preconizariam:
a) a sua não-recepção;
b) a sua recepção; e
c) a recepção condicionada às circunstâncias específicas do caso, em especial levando-se em conta o fato de a mulher se encontrar em posição efetivamente desvantajosa em relação ao marido.
Asseverou-se não se cuidar de privilégio estabelecido em favor das mulheres, mas de norma que visaria a dar tratamento menos gravoso à parte que, em regra, se encontrava e, ainda hoje se encontraria, em situação menos favorável do ponto de vista econômico e financeiro. Assim, a propositura da ação de separação judicial no foro do domicílio da mulher seria medida que melhor atenderia ao princípio da isonomia, consistente em “tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam”.
Ademais, a competência prevista no inciso I do art. 100 do CPC seria relativa, ou seja, se a mulher não apresentasse exceção de incompetência em tempo hábil, a competência prorrogar-se-ia; ou, a própria mulher poderia ajuizar a ação no foro do domicílio do ex-marido, de forma a inexistir óbice legal a que a ação prosseguisse.
RE 227114/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.11.2011
Outra polêmica:
O art. 100, I, do CPC fala em:
•    ação de separação dos cônjuges;
•    conversão da separação em divórcio; e
•    ação de anulação de casamento.

Esse foro privativo da mulher aplica-se também aos casos de divórcio direto?
Vale lembrar que, segundo entendimento majoritário, a separação judicial acabou por força da a EC 66/2010. Logo, não mais existiria ação de separação judicial, mas tão somente a ação de conversão da separação em divórcio e a ação de divórcio direto.

Terceira questão importante:
Esse foro privativo aplica-se também aos casos de ação de dissolução de união estável?
Deve-se ressaltar que o art. 100, I, do CPC é regra de competência relativa.
Em virtude disso, pode-se chegar às seguintes conclusões:
a) Trata-se de regra criada para atender ao interesse da mulher;
b) Somente a mulher pode alegar a incompetência (por meio de exceção de incompetência, no prazo da resposta). O MP não pode suscitar nem o juiz pode conhecer de ofício;
c) A competência pode ser alterada pela vontade da mulher. Assim, a mulher poderá abrir mão do foro de seu domicílio e propor a ação no foro de domicílio do marido. Ou ainda, poderá permitir a prorrogação de competência ao não ingressar com exceção de incompetência caso o marido tenha proposto a ação no foro de seu próprio domicílio.

Casamento homoafetivo
Por fim, uma última observação:
Se a ação de divórcio ou de anulação for relativa a um casamento homoafetivo (envolvendo duas mulheres, por exemplo), não haverá foro privativo para nenhuma das partes, devendo a ação ser proposta no foro do domicílio da requerida (art. 94, I, do CPC).


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