quarta-feira, 16 de maio de 2012

Natureza do vício no caso de desrespeito à regra de competência delegada da Justiça Federal (Info 496 STJ)



Vamos comentar hoje um interessantíssimo julgado do STJ noticiado no Informativo 496. Trata-se do REsp 1.272.414-SC (2ª Turma), Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/4/2012.

Medida cautelar fiscal
Vamos fazer inicialmente um rápido esclarecimento sobre o que seja medida cautelar fiscal:
A medida cautelar fiscal é uma ação cautelar, proposta pela Fazenda Pública contra o sujeito passivo do crédito fiscal, com o objetivo de garantir que o provimento da execução fiscal seja útil quando chegar ao seu final.
A medida cautelar fiscal é regulamentada pela Lei n.° 8.397/92.
Por meio da ação cautelar fiscal a Fazenda Pública pleiteia que o Judiciário decrete a indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação, fazendo com que a execução fiscal fique garantida.
O juízo competente para conhecer a medida cautelar fiscal é o mesmo juízo competente para julgar a execução fiscal (art. 5º, da Lei n.° 8.397/92).

Situação fática no caso julgado pelo STJ
A situação fática, de forma resumida e adaptada, é a seguinte:
A União ajuizou uma medida cautelar fiscal contra o contribuinte “X” na Vara Federal de Jaraguá do Sul (SC).
Ressalte-se que o contribuinte “X” possuía domicílio na cidade de Guaramirim (SC), município que não é sede de Justiça Federal.
Deve-se explicar também que a Vara Federal de Jaraguá do Sul (SC), cidade limítrofe à Guaramirim, possui competência para julgar as causas federais que envolvam a cidade de Guaramirim.
Explique-se melhor: como a Justiça Federal não existe fisicamente em todos os Municípios do país, os Municípios que são sede de Justiça Federal possuem competência para julgar as causas federais envolvendo vários municípios que são próximos. Assim, por exemplo, a Subseção Judiciária de Jaraguá do Sul (SC) possui competência sobre as causas federais que envolvam pessoas domiciliadas em Jaraguá do Sul e em municípios próximos (Guaramirim, Corupá, Massaranduba e Schoereder).

Desse modo, em princípio, não haveria qualquer problema no fato da União ter proposto a ação na Vara Federal de Jaraguá do Sul (SC) mesmo o contribuinte morando em Guaramirim. Isso porque, como já explicado, a Vara Federal de Jaraguá do Sul possui competência sobre Guaramirim.

Existe, contudo, no caso concreto, uma peculiaridade. Qual é?

A CF estabelece, em seu art. 109, § 3º, uma regra de delegação de competência:
§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

Assim, em determinados casos, juízes de direito (“juízes estaduais”) podem julgar causas federais.

Requisitos para que uma causa federal será julgada pelo juízo estadual:
a)      A comarca não ser sede de vara da Justiça Federal;
b)      A lei autorizar expressamente esta delegação.

A própria CF já deu uma autorização expressa: nas causas envolvendo instituição de previdência social (INSS) e segurado ou beneficiário. Estas demandas tramitarão na justiça estadual, desde que no domicílio do segurado ou beneficiário não exista justiça federal.

A Lei n.° 5.010/1966 (Lei de organização da Justiça Federal) prevê alguns casos de delegação de competência para a Justiça Estadual.
Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar:
I - os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas Comarcas;

Desse modo, no caso de execução fiscal proposta pela União se, no domicílio do devedor não houver vara da Justiça Federal, esta execução fiscal deve ser julgada pelo Juiz Estadual.

Esta regra do art. 15, I, da Lei n.° 5.010/1966, apesar de falar apenas em “executivos fiscais” abrange também a medida cautelar fiscal considerando que esta é acessória à execução fiscal e tendo em vista que a Lei n.° 8.397/92 determina que a ação cautelar fiscal seja ajuizada no mesmo juízo da execução fiscal.

No caso concreto que estamos analisando, estavam presentes os requisitos para a delegação de competência, senão vejamos:
a) A cidade de Guaramirim não é sede de Justiça Federal.
b) A Lei n.° 5.010/1966 (art. 15, I) autoriza expressamente que a competência para a execução fiscal da União seja delegada aos juízes estaduais.

Logo, a União deveria ter proposto a cautelar fiscal no juízo da comarca de Guaramirim a ser julgada pelo juiz estadual.

Ocorre que a União propôs a cautelar fiscal na Vara Federal de Jaraguá do Sul (SC) e o contribuinte “X” somente alegou a incompetência na apelação que interpôs contra a sentença.

Diante disso, indaga-se:
O contribuinte “X” poderia ter suscitado esta incompetência somente na apelação ou deveria ter feito em momento anterior?
Esta incompetência da Vara Federal de Jaraguá do Sul é absoluta ou relativa?

R: Esta incompetência é RELATIVA (incompetência TERRITORIAL).
Sendo incompetência relativa, o réu deveria tê-la alegado no prazo de resposta por meio de exceção de incompetência (art. 112 do CPC).
Como não ofereceu exceção, houve prorrogação da competência, isto é, a Vara Federal de Jaraguá do Sul que, originalmente, era incompetente, tornou-se competente para o caso concreto.

E por que se trata de incompetência territorial?
Porque no caso de delegação de competência (art. 109, § 3º, CF), o Juízo de Direito Estadual atua como integrante da Justiça Federal, tanto que os recursos interpostos de suas decisões serão julgados pelo respectivo Tribunal Regional Federal e não pelo Tribunal de Justiça local (art. 109, § 4º, CF).

Assim, a competência era do Juízo Estadual da Comarca de Guaramirim por não haver ali sede de Vara Federal e pelo fato de a lei autorizar a delegação. No entanto, nesta caso concreto, o Juízo Estadual da Comarca de Guaramirim estaria atuando como se fosse Juízo Federal.

Como bem ressaltou o excelente Min. Mauro Campbell:
“Sendo assim, em outras palavras, o que se discute é qual o "juízo federal" competente: o Juízo da Vara Federal de Jaraguá do Sul - SC ou o Juiz Estadual da comarca onde tem domicílio o devedor, no exercício de competência federal delegada.

A discussão sobre o juízo competente à luz desse enfoque é sobre competência territorial e não sobre competência material, funcional ou pessoal, visto que ambos os juízos são absolutamente competentes para tratar do tema, posto que ambos exercem jurisdição federal.”

Obs: trata-se de um tema difícil de ser entendido, mas essencial para os concursos federais. Não temos dúvida que este julgado será cobrado, em breve, em uma prova discursiva ou mesmo de sentença.

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Bons estudos a todos. Fiquem com Deus.

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