sexta-feira, 21 de junho de 2013

Fraude contra credores


Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar sobre a FRAUDE CONTRA CREDORES.

Princípio da responsabilidade patrimonial
No processo de execução vigora, em regra, o princípio da responsabilidade patrimonial, segundo o qual o débito será quitado com o patrimônio do devedor.
Assim, com exceção da prestação alimentícia, o devedor não responde com seu corpo ou sua liberdade pelas dívidas que tenha. Esses débitos são adimplidos com o patrimônio que o devedor possua ou venha a possuir. Se não tiver patrimônio, o débito não é pago.
Tal princípio encontra-se previsto no CPC:
Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Alienações fraudulentas feitas pelo devedor para fugir da responsabilidade patrimonial
Se o débito somente pode ser quitado com o patrimônio do devedor, podemos imaginar que, em alguns casos, a pessoa se desfaça de seus bens (verdadeiramente ou de maneira simulada) apenas para não pagar a dívida.
Alienando seu patrimônio, o devedor torna-se insolvente e não terá mais como os credores obterem a satisfação do crédito. Obs: devedor insolvente é aquele cujo patrimônio passivo (dívidas) é maior que o ativo (bens).

A legislação prevê três formas de se combater essa prática.

Fraude do devedor (alienação fraudulenta):
Existem três espécies de fraude do devedor (alienações fraudulentas):
a)      Fraude contra credores;
b)      Fraude à execução;
c)       Atos de disposição de bem já penhorado.

Vamos tratar aqui apenas da primeira espécie: fraude contra credores.

FRAUDE CONTRA CREDORES (ou FRAUDE PAULIANA)

Em que consiste:
Ocorre quando o devedor insolvente ou próximo da insolvência aliena (gratuita ou onerosamente) seus bens, com o objetivo de impedir que seu patrimônio seja utilizado pelos credores para saldar as dívidas.
É classificado como sendo um “vício social”.

Exemplo:
Honofre contraiu um empréstimo e não mais conseguiu pagar as parcelas. Antes que o mutuante buscasse judicialmente o cumprimento da obrigação, ele transferiu o seu carro (único bem que possuía em seu nome) ao irmão, que sabia de toda a situação.

Previsão:
A fraude contra credores é um instituto de direito material e encontra-se previsto nos arts. 158 a 165 do CC.

Natureza da alienação fraudulenta:
Se for reconhecida a ocorrência de fraude contra credores, a alienação realizada será considerada válida, anulável ou nula?

1ª corrente:
ANULÁVEL
2ª corrente:
VÁLIDA, mas INEFICAZ perante o credor
Foi a corrente adotada pelo CC-2002 se considerarmos a sua redação literal. Veja:

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.

Nesse sentido: Nelson Nery, Sílvio Rodrigues, Luiz Guilherme Marinoni.
Para esta outra corrente, a alienação é válida, mas ineficaz perante o credor.







Na doutrina, é defendida por Yussef Cahali, Dinamarco, Teori Zawascki.

Em provas objetivas, deve-se adotar a 1ª corrente.

Quais são os pressupostos que devem ser provados pelo credor:

a) Eventus damni (dano): é o prejuízo provocado ao credor. Deverá ser demonstrado que a alienação acarretou prejuízo ao credor porque esta disposição dos bens levou o devedor à insolvência ou agravou ainda mais esse estado. É classificado como pressuposto objetivo.

b) Consilium fraudis: é o conluio fraudulento entre o alienante e o adquirente. Para que haja a anulação, o adquirente precisa estar de má-fé. É o pressuposto subjetivo.

Obs1: o art. 159 do CC presume a má-fé do adquirente (presume o consilium fraudis) em duas hipóteses:
• Quando a insolvência do devedor/alienante for notória. Ex: Varig.
• Quando houver motivo para que a insolvência do devedor/alienante seja conhecida do outro contratante. Ex: se o negócio jurídico for celebrado entre dois irmãos ou entre sogro e genro.

Obs2: não é necessário provar o consilium fraudis caso a alienação tenha sido gratuita ou caso o devedor tenha perdoado a dívida de alguém. Veja:
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

Pressupostos da fraude contra credores
No caso de alienação onerosa:
Eventus damni + consilium fraudis
Na alienação gratuita ou remissão de dívida:
Exige-se apenas o eventus damni.

c) Anterioridade do crédito:
Além do eventus damni e do consilium fraudis, para reste configurada a fraude contra credores exige-se que o crédito seja anterior à alienação.
Assim, em regra, somente quem já era credor no momento da alienação fraudulenta é que poderá pedir a anulação do negócio jurídico.
Excepcionalmente, contudo, o STJ afirma que este requisito da anterioridade pode ser dispensado se for verificado que houve uma fraude predeterminada em detrimento de credores futuros (REsp 1092134/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/08/2010). Em outras palavras, a pessoa, já sabendo que iria ter dívidas em um futuro próximo, aliena seus bens para evitar que os credores tenham como cobrá-lo.

Como é reconhecida a fraude contra credores?
Para que seja reconhecida a fraude, é necessária a prolação de sentença em uma ação proposta pelo credor, chamada de “ação pauliana” (ou “ação revocatória”).
Curiosidade: a ação pauliana (pauliana actio) é assim denominada por ter sido idealizada no direito romano, pelo conhecido “Pretor Paulo”.

Legitimidade para a ação:
Polo ativo:
Em regra, a ação deverá ser proposta pelo credor quirografário.
O credor que possua uma garantia contra o devedor/alienante, em tese, não teria interesse de ajuizar a ação, mas poderá fazê-lo caso demonstre que a sua garantia se tornou insuficiente em razão da alienação promovida pelo devedor.

Polo passivo:
Em regra, a ação é proposta contra o devedor insolvente e contra a pessoa que com ele celebrou o negócio fraudulento (há um litisconsórcio passivo necessário).
Se a pessoa que celebrou o negócio fraudulento já repassou o bem para uma terceira pessoa, a ação será intentada contra o devedor insolvente, contra a pessoa que celebrou o negócio com o devedor e contra o terceiro adquirente (deverá ser provado que o terceiro agiu de má-fé). Veja o que diz o CC:
Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Prazo:
A ação pauliana possui prazo decadencial de 4 anos, contados da data em que foi realizada a alienação:
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

É possível reconhecer a fraude contra credores, de forma incidental, em um outro processo que não seja originado por conta de uma ação pauliana?
NÃO. Nesse sentido:
Súmula 195-STJ: Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores.

Fraude não ultimada:
Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real.

Outros dispositivos legais sobre a fraude contra credores:
Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.

Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.

Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.

Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.
Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.

Diferenças entre a fraude contra credores e a fraude à execução:
Este é um tema muito importante, mas ficará para um próximo post.


Vejamos agora se você acertará as seguintes questões recentes sobre fraude contra credores:

1) (Cartório PE 2013 – FCC) Em face do entendimento sumulado, em embargos de terceiro não se anula ato jurídico por fraude contra credores. (    )

2) (DPE/AM 2013 – FCC) São nulos os atos praticados sob coação ou em fraude contra credores. (    )

3) (Juiz TJGO 2012 – FCC) Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de cinco anos, no caso de fraude contra credores. (    )

4) (OAB VIII 2012 – FGV) O objetivo da ação pauliana é anular o negócio praticado em fraude contra credores. (    )

5) (PGE/SP 2012 – FCC) Celebrado negócio jurídico não oneroso pelo devedor, que o reduza à insolvência, será ele considerado
A) nulo por fraude contra credores, por revelar ato atentatório contra a dignidade da justiça.
B) anulável por fraude contra credores, por iniciativa do credor quirografário com crédito anterior à alienação.
C) ineficaz por fraude contra credores, por se tratar de ato gratuito.
D) nulo por fraude à execução, por presunção absoluta de consilium fraudis.
E) anulável por fraude à execução, ante a clara intenção de frustrar o cumprimento das suas obrigações.

6) (MPE/SE 2010 – CESPE) O consilium fraudis ou scientia fraudis não é requisito essencial para a anulação de negócio jurídico gratuito sob o fundamento de fraude contra credores. (    )


Gabarito:
1. C
2. E
3. E
4. C
5. Letra B
6. C

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