terça-feira, 13 de agosto de 2013

Competência para julgar exceção da verdade e foro por prerrogativa de função




Olá amigos do Dizer o Direito,

Imaginem que vocês se deparem com a seguinte afirmativa em uma prova de concurso:

A exceção da verdade oposta em face de autoridade que possua prerrogativa de foro pode ser inadmitida pelo juízo da ação penal de origem caso verificada a ausência dos requisitos de admissibilidade para o processamento do referido incidente.

E, então, esta alternativa estaria errada ou certa?

Vejamos:

Calúnia
O art. 138 do Código Penal prevê o delito de calúnia:
Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Ex: Pedro afirma que João (desembargador) “vendeu” decisão favorável no processo “X”. Se esta afirmação for falsa e Pedro souber disso, ele comete calúnia.

Exceção da verdade
Só existe calúnia se o fato que o autor imputou a alguém for falso.
Se o fato criminoso imputado for verdadeiro, não há calúnia.
Assim, se João realmente “vendeu” a decisão, não há calúnia na declaração prestada por Pedro.
Justamente por conta disso, uma das defesas que a pessoa acusada de calúnia pode formular é a exceção (= defesa) da verdade, ou seja, o réu defende-se da acusação de calúnia provando que sua declaração não é falsa.

Ação penal
Em regra, no caso de calúnia, a ação penal é privada.
Em outras palavras, se o agente praticar calúnia contra determinada pessoa, esta terá que ajuizar uma queixa-crime contra o ofensor. Em regra, o MP não será o autor desta ação penal.

No caso da calúnia praticada contra funcionário público, em razão de suas funções (art. 141, II, do CP), a ação será:
• Ação penal privada; ou
• Ação penal pública condicionada à representação.

Trata-se de uma hipótese de legitimação concorrente, ou seja, a vítima poderá optar entre oferecer queixa-crime (ação penal privada) ou, então, oferecer uma representação para que o MP denuncie o acusado (ação penal pública condicionada). Veja o que diz a Súmula 714 do STF:
Súmula 714-STF: É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.

Voltemos ao nosso exemplo
Pedro afirma que João (desembargador) “vendeu” decisão favorável no processo “X”.
Inconformado, João decide tomar providências penais contra Pedro.
João poderá oferecer uma representação ao Ministério Público, narrando o que Pedro declarou e pedindo que o Parquet ofereça denúncia contra este. Como outra opção, João poderá, ele próprio, por intermédio de advogado, ajuizar queixa-crime contra Pedro.

Competência para julgar a eventual calúnia praticada por Pedro
Imaginemos que João tenha ajuizado uma queixa-crime.
A ação penal privada proposta por João (desembargador) contra Pedro deverá ser julgada pelo juízo de 1ª instância, considerando que o réu não tem foro por prerrogativa de função. Em nosso exemplo, quem tem foro por prerrogativa de função é João, mas ele não é réu e sim autor.

Pedro deseja provar que suas declarações são verdadeiras
O querelado (Pedro) quer se defender provando que as declarações por ele proferidas são verdadeiras. Logo, ele deverá oferecer uma defesa chamada de “exceção da verdade” (exceptio veritatis). A exceção da verdade é um incidente processual.
Provando que João, de fato, “vendeu” a decisão, não haverá crime contra a honra, considerando que só existe calúnia se o fato imputado for falso.

Personagens e nomenclatura
João: autor da ação penal (querelante) / demandado na exceção da verdade (excepto);
Pedro: réu na ação penal (querelado) / demandante na exceção da verdade (excipiente).

Quem deverá julgar a exceção da verdade?
Em regra, quem julga a exceção da verdade é o próprio juiz competente para a ação penal privada. No entanto, se o excepto for uma autoridade que possua foro por prerrogativa de função, a competência para julgar a exceção será do Tribunal competente para julgar o excepto.
Ex: como João é desembargador, caso ele pratique algum crime, deverá ser julgado pelo STJ (seu foro privativo é no STJ). Logo, a exceção da verdade contra ele proposta deverá ser também julgada pelo STJ.

Por que a exceção da verdade deverá ser julgada pelo mesmo Tribunal que for competente para julgar criminalmente o excepto?
Porque se a exceção da verdade for julgada procedente, isso significa que ficou provado que o fato imputado é verdadeiro, ou seja, restou demonstrado, indiretamente, que aquela autoridade praticou um crime. E só quem pode reconhecer que a autoridade praticou um delito é o Tribunal competente. O juiz de 1ª instância não tem competência para reconhecer, ainda que indiretamente, que um Desembargador cometeu um crime.

Previsão legal
Apesar da redação do dispositivo não ser muito clara, o que foi explicado acima está previsto no art. 85 do CPP:
Art. 85.  Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade.

Juízo de admissibilidade, processamento e instrução da exceção são feitos pelo juízo de 1ª instância
Vale ressaltar que apenas o julgamento da exceção será de competência do Tribunal. Assim, a admissão da exceção, o processamento e os atos de instrução são realizados em 1ª instância. Somente depois que a exceção estiver recebida e instruída pelo juízo de 1ª instância é que ela será encaminhada ao Tribunal competente apenas para julgamento do mérito da exceção.
Desse modo, em nosso exemplo, Pedro deverá oferecer a exceção da verdade perante o juízo de 1ª instância. Este irá fazer um juízo de admissibilidade, ou seja, verificar se, naquele caso específico, a legislação permite a exceção da verdade. Se o juízo de admissibilidade for positivo, o juiz irá colher toda a prova produzida e remeter ao STJ.

Então o juízo de 1ª instância poderá fazer um juízo negativo de admissibilidade da exceção?
SIM. O juízo de 1ª instância pode realizar um juízo negativo de admissibilidade da exceptio veritatis, sem adentrar, obviamente, no mérito.
A competência por prerrogativa de foro é só para o julgamento do mérito da exceção, cabendo ao juízo de origem a admissibilidade e a instrução do feito.

Ex1: o juízo de 1ª instância poderá negar admissibilidade à exceção por esta ser intempestiva.

Ex2: o juízo de 1ª instância poderá negar admissibilidade em razão dos fatos que o excipiente almeja provar serem diferentes daqueles pelos quais ele está sendo acusado na ação penal privada.

Desse modo, a afirmativa que abriu este post está CORRETA.

A exceção da verdade oposta em face de autoridade que possua prerrogativa de foro pode ser inadmitida pelo juízo da ação penal de origem caso verificada a ausência dos requisitos de admissibilidade para o processamento do referido incidente.

Este tema foi recentemente decidido na Rcl 7.391-MT, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/6/2013.

Uma excelente terça-feira a todos.

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