quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Hospital que realiza transfusão de sangue observando todas as cautelas exigidas não é responsável pela contaminação do paciente



Imagine a seguinte situação adaptada:
Roberto realizou uma cirurgia e, após o procedimento, precisou receber uma transfusão de sangue.
Algum tempo depois, foi diagnosticado que ele contraiu o vírus HCV (hepatite C) por conta da referida transfusão de sangue.
Diante disso, Roberto ajuizou ação de indenização por danos morais contra o hospital, afirmando que houve fato do serviço (o serviço foi defeituoso), nos termos do art. 14 do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Doador de sangue não tinha hepatite
Durante a instrução probatória, ficou comprovado que o doador do sangue utilizado na transfusão não tinha hepatite C e que o hospital adotou todas as cautelas exigidas pelos protocolos médicos e hospitalares.

Janela imunológica
Como os exames do doador, na época, deram negativo, chegou-se a conclusão de que, quando ele foi fazer a doação do sangue, estava em um período de “janela imunológica”.
Janela imunológica é um período em que a pessoa já está contaminada pelo vírus e pode transmiti-lo a outras pessoas, mas, apesar disso, os exames feitos ainda não conseguem detectar a doença.
Assim, se a pessoa está no período da janela imunológica, o resultado do exame será um falso negativo.

Nesse caso concreto, houve defeito na prestação dos serviços por parte do hospital?
NÃO. A 4ª Turma do STJ entendeu que o hospital, para permitir a transfusão de sangue, adotou todas as cautelas razoáveis e possíveis, de modo a garantir a segurança do paciente.
Não se pode dizer que o hospital tenha incorrido em defeito na prestação dos serviços se a contaminação ocorreu em virtude da “janela imunológica”.

A doutrina especializada esclarece que mesmo que se adotem todos os testes adequados à análise sanguínea, ainda assim não é possível a eliminação total dos riscos de transfusão de sangue contaminado.

Desse modo, o consumidor, ao fazer um procedimento de transfusão de sangue, deve saber que não há absoluta segurança no procedimento por conta de limitações técnicas. Não se pode responsabilizar o hospital caso ele adote todos os procedimentos recomendados e, mesmo assim, haja a contaminação, uma vez que, segundo o estado atual da técnica, não existe possibilidade de se eliminar por completo os riscos na transfusão.

Em seu voto, o Min. Luis Felipe Salomão traz a opinião de doutrina abalizada sobre o tema, valendo a pena fazer aqui duas transcrições:
“(...) Não se pode eliminar, aqui, o risco de transfundir sangue contaminado a um paciente mesmo com a adoção das medidas adequadas à análise do sangue. Para minimizar essa possibilidade, adotam-se medidas de triagem do doador, que não são todas infalíveis, eis que dependentes da veracidade e precisão das informações por este prestadas.
Trata-se, como se vê, de um risco reduzido, porém não eliminável. Parece correto sustentar, assim, que aquilo que o consumidor pode legitimamente esperar não é, infelizmente, que sangue contaminado jamais seja utilizado em transfusões sanguíneas, mas sim que todas as medidas necessárias à redução desse risco ao menor patamar possível sejam tomadas pelas pessoas ou entidades responsáveis pelo processamento do sangue.” (FERRAZ, Octávio Luiz Motta Ferraz. Responsabilidade civil da atividade médica no código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 156).

“(...) embora haja especificidade e evolução da técnica, como vimos raramente será o ato transfusional 100% seguro, em face do nível do conhecimento científico atual não afastar a existência de riscos como aqueles produzidos pela chamada ‘janela imunológica’ que produz falsos resultados negativos nos testes a que é submetido o sangue. Ademais, o médico ao receitar uma transfusão de sangue compromete-se a utilizar todos seus conhecimentos e meios disponíveis para obtenção de um resultado: a preservação da vida e saúde do paciente. Não se obriga ele a alcançar o resultado em si, mesmo porque não lhe é dado o poder de garantir o sucesso do ato. Assim, ensejando a transfusão de sangue uma obrigação de meio, cumpre, em princípio àquele que busca indenização à prova da culpa ou o dolo do demandado.” (MURIEL, Christine Santini. Aspectos juridicos das transfusões de sangue. São Paulo: Revista dos Tribunais. Vol. 706. p. 30. Ago, 1994).


Em suma, o STJ afirmou que o hospital que realiza transfusão de sangue observando todas as cautelas exigidas por lei não é responsável pelo fato de o paciente ter sido contaminado com hepatite C, ainda que se considere que essa contaminação ocorreu por conta do fenômeno da janela imunológica.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.322.387-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/8/2013 (Info 532).


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