quinta-feira, 3 de julho de 2014

Na alienação fiduciária em garantia do DL 911/69, o devedor não tem mais direito de purgar a mora (ATUALIZAR OS LIVROS)



Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar sobre um importantíssimo julgado do STJ a respeito de alienação fiduciária em garantia.

O tema é de extrema relevância na prática forense e será também cobrado nas provas de concurso. Aguardem.

Antes de verificarmos o que o STJ decidiu, convém fazermos uma breve revisão sobre a alienação fiduciária em garantia.

Conceito
“A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 565).

Regramento
O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-A. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema:
• alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;
• alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.

Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC-2002 aplicam-se apenas de forma subsidiária:
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

Resumindo:
Alienação fiduciária de
bens MÓVEIS fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeira
Alienação fiduciária de
bens MÓVEIS infungíveis quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica (sem ser banco)
Alienação fiduciária de
bens IMÓVEIS
Lei nº 4.728/65
Decreto-Lei nº 911/69
Código Civil de 2002
(arts. 1.361 a 1.368-A)
Lei nº 9.514/97


ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS NO ÂMBITO DO MERCADO FINANCEIRO E DE CAPITAIS

Imagine a seguinte situação hipotética:
Antônio quer comprar um carro de R$ 30.000,00, mas somente possui R$ 10.000,00. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.
Assim, o Banco “X” empresta R$ 20.000,00 a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio.
Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio.

O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?
Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69):

1) Protesto do título ou notificação do credor:
O credor (mutuante) deverá fazer o protesto do título ou a notificação extrajudicial do devedor, por meio do Cartório de Registro de Títulos e Documentos, de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora.

Súmula 72 do STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

Obs: a notificação não precisa ser pessoal, bastando que seja entregue no endereço do devedor:
Na alienação fiduciária, a mora do devedor deve ser comprovada pelo protesto do título ou pela notificação extrajudicial feita por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos, entregue no endereço do domicílio do devedor, sendo dispensada a sua notificação pessoal.
STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 418.617/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 06/02/2014.


2) Ajuizamento da ação:
Após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69).Essa busca e apreensão prevista no L 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior.

3) Concessão da liminar:
O juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69).

4) Apreensão do bem:
O bem é apreendido e entregue ao credor.

5) Possibilidade de pagamento integral da dívida:
No prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:

Art. 3º (...)
§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)
§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

O que se entende por “integralidade da dívida pendente”? Para que o devedor possa ter de volta o bem, ele deverá pagar todo o valor do financiamento ou somente as parcelas já vencidas e não pagas (purgação da mora)?
Ex: Antônio financiou o veículo em 60 parcelas. A partir da 20ª prestação ele começou a não mais pagar. Estão vencidas 5 parcelas.
Para ter de volta o bem ele terá que pagar somente as 5 parcelas vencidas (purgação mora) ou todo o financiamento restante (40 parcelas)?

Todo o débito.
Segundo decidiu o STJ, a Lei n.° 10.931/2004, que alterou o DL 911/69, não mais faculta ao devedor a possibilidade de purgação de mora, ou seja, não mais permite que ele pague somente as prestações vencidas.
Para que o devedor fiduciante consiga ter o bem de volta ele terá que pagar a integralidade da dívida, ou seja, tanto as parcelas vencidas e vincendas (mais os encargos), no prazo de 5 dias após a execução da liminar.
Em nosso exemplo, Antônio terá que pagar, em 5 dias, as 40 parcelas restantes.

O devedor purga a mora quando ele oferece ao credor as prestações que estão vencidas e mais o valor dos prejuízos que este sofreu (art. 401, I, do CC). Nesse caso, purgando a mora, o devedor consegue evitar as consequências do inadimplemento. Ocorre que na alienação fiduciária em garantia, a Lei n.° 10.931/2004 passou a não mais permitir a purgação da mora.

Vale ressaltar que o tema acima foi decidido em sede de recurso repetitivo, tendo o STJ firmado a seguinte conclusão, que será aplicado em todos os processos semelhantes:
Nos contratos firmados na vigência da Lei n.° 10.931/2004, que alterou o art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei 911/1969, compete ao devedor, no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014 (recurso repetitivo).

Nos contratos anteriores à vigência da Lei n.° 10.931/2004 é permitida a purgação da mora?
SIM. Antes da Lei n.° 10.931/2004 era permitida a purgação da mora desde que o devedor já tivesse pago no mínimo 40% do valor financiado. Tal entendimento estava, inclusive, consagrado em um enunciado do STJ:
Súmula 284-STJ: A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado.

A súmula 284-STJ ainda é válida?
• Para contratos anteriores à Lei 10.931/2004: SIM.
• Para contratos posteriores à Lei 10.931/2004: NÃO.

6) Contestação:
No prazo de 15 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante apresentará resposta (uma espécie de contestação).
Obs1: a resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha decidido pagar a integralidade da dívida, caso entenda ter havido pagamento a maior e deseje a restituição.
Obs2: nesta defesa apresentada pelo devedor, é possível que ele invoque a ilegalidade das cláusulas contratuais (ex: juros remuneratórios abusivos). Se ficar provado que o contrato era abusivo, isso justificaria o inadimplemento e descaracterizaria a mora.

7) Sentença: da sentença proferida cabe apelação, apenas no efeito devolutivo.


ATUALIZAÇÃO DOS LIVROS (ATENÇÃO)

Clique aqui para atualizar seu livro dos Principais Julgados de 2012 com esse novo recurso especial repetitivo.

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