quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Não cabe rescisória contra acórdão que, à época de sua prolação, estava de acordo com o STF



Conceito
Ação rescisória é uma ação que tem por objetivo desconstituir uma decisão judicial transitada em julgado.

Natureza jurídica
A ação rescisória é uma espécie de ação autônoma de impugnação (sucedâneo recursal externo).
Atenção: a ação rescisória NÃO é um recurso. O recurso é uma forma de impugnar a decisão na pendência do processo (este ainda não acabou). A ação rescisória, por sua vez, somente pode ser proposta quando há trânsito em julgado, ou seja, quando o processo já se encerrou.

Competência
A ação rescisória é sempre julgada por um tribunal (nunca por um juiz singular).
Quem julga a rescisória é sempre o próprio tribunal que proferiu a decisão rescindenda.

Prazo
A ação rescisória possui prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
CPC/Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.

Hipóteses
O CPC prevê as hipóteses em que a ação rescisória é cabível:
Art. 485.  A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
§ 1º Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2º É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.

Análise do inciso V
O inciso V do art. 485 prevê que é cabível a ação rescisória quando a sentença de mérito transitada em julgado “violar literal disposição de lei”.
Importante ressaltar que, para incidir essa hipótese, a violação deve se mostrar aberrante, cristalina, observada primo ictu oculi (STJ. 1ª Turma. REsp 1458607/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2014).

Quando o inciso fala em “lei” abrange também as normas constitucionais?
SIM. A palavra “lei” nesse caso deverá ser interpretada em sentido amplo, abrangendo lei ordinária, lei complementar, medida provisória, norma constitucional, decreto, resolução e qualquer outro ato normativo.
Assim, se a sentença violar literal disposição de lei, de norma constitucional ou de qualquer outra norma jurídica, caberá, em tese, ação rescisória.

Se a sentença violar um princípio, caberá ação rescisória?
SIM. A jurisprudência do STJ possui precedentes reconhecendo o cabimento de ação rescisória por conta de violação a princípios. Vale lembrar que a doutrina atual considera que o princípio é uma espécie de norma jurídica. Nesse sentido: STJ. 1ª Turma. REsp 1458607/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2014.

Se a sentença violar literal disposição de súmula (comum ou vinculante), caberá ação rescisória?
NÃO. Não cabe ação rescisória contra violação de súmula. O inciso V não abrange a contrariedade à súmula porque não se trata de ato normativo.
Conforme prevê o art. 485, V, do CPC, a sentença pode ser rescindida quando violar literal disposição de lei, hipótese que não abrange a contrariedade à súmula. Logo, não há previsão legislativa para o ajuizamento de ação rescisória sob o argumento de violação de súmula (STJ. 3ª Seção. AR 4.112-SC, Min. Rel. Marco Aurélio Bellizze, julgada em 28/11/2012).

Súmula 343 do STF
Não é raro que uma mesma lei gere interpretações completamente diferentes, inclusive dentro de um único Tribunal.
Imaginemos, por exemplo, que a 1ª Turma do STJ afirme que o art. XX da Lei n.° 8.112/90 confere determinado direito ao servidor. A 2ª Turma do STJ, por sua vez, interpreta o dispositivo de forma oposta e entende que a Lei não confere esse direito.
O juiz “A” decidiu com base na intepretação dada pela 1ª Turma do STJ e esta sentença transitou em julgado. Ocorre que, um ano depois, a 1ª Turma modificou seu entendimento, curvando-se à posição da 2ª Turma.
Nesse caso, seria possível ajuizar ação rescisória contra a sentença proferida pelo juiz “A” alegando que ela violou literal disposição do art. XX Lei n.° 8.112/90?
NÃO. A jurisprudência entende que, se na época em que a sentença rescindenda transitou em julgado havia divergência jurisprudencial a respeito da interpretação da lei, não se pode dizer que a decisão proferida tenha tido um vício. Logo, não caberá ação rescisória. Isso está expresso na súmula 343 do STF:
Súmula 343-STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

O raciocínio que inspirou essa súmula é o seguinte: se há nos tribunais divergência sobre um mesmo preceito normativo, é porque ele comporta mais de uma interpretação, significando que não se pode qualificar qualquer dessas interpretações, mesmo a que não seja a melhor, como ofensiva ao teor literal da norma interpretada. Trata-se da chamada “doutrina da tolerância da razoável interpretação da norma” (Voto do Ministro Teoria Zavascki no RE 590809/RS).

Aplica-se a Súmula 343 do STF em caso de violação à norma constitucional?
O STF dizia que não. Existem vários precedentes do STF afirmando que não se aplica a Súmula 343 do STF quando o pedido de rescisão invoca ofensa a preceito constitucional. Nesse sentido: 1ª Turma. RE 567765 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 16/04/2013.

Ex: na sentença, o juiz decidiu que o art. XX da CF/88 assegurava uma imunidade tributária. Na época, o tema era controvertido, mas esse era o entendimento majoritário. Houve trânsito em julgado. Um ano depois, o STF pacifica que o art. XX não garante imunidade tributária. O STF possuía julgados dizendo que seria possível sim ação rescisória contra essa sentença considerando que ela viola o atual entendimento do STF sobre a matéria. Logo, essa decisão deveria ser rescindida porque não se poderia admitir que ela permanecesse hígida, já que afrontaria a supremacia da CF/88.

Em outras palavras, pelo entendimento que vigorava no STF, não se aplicava a vedação imposta pela súmula 343-STF quando o tema tratado envolvia violação de norma constitucional.

O argumento para afastar a súmula e permitir a ação rescisória nesses casos era o de que violar a CF é muito mais grave que ofender uma lei infraconstitucional. Assim, se a sentença transitada em julgado está em confronto com a interpretação atual da CF, ela deve ser rescindida, mesmo que, na época em que prolatada, aquele fosse o entendimento majoritário. Isso porque não se pode admitir interpretações erradas sobre normas constitucional, ainda que razoáveis.

O STF ainda mantém o mesmo entendimento em relação ao tema?
NÃO. O STF, em recente julgado, decidiu aplicar a Súmula 343 em um caso que envolvia ação rescisória tratando sobre matéria constitucional.
O Min. Relator Marco Aurélio afirmou que, mesmo estando em jogo matéria constitucional deve prevalecer, em tese, a regra da súmula 343-STF.

O caso concreto foi o seguinte (com adaptações):
Em 2007, o TRF4, interpretando determinado o artigo da CF/88, decidiu que o contribuinte tinha direito de se creditar de IPI. Na época, esse tema era controvertido, mas o entendimento do STF era de que existia direito ao creditamento. Assim, o TRF4 adotou a posição do STF.
Em 2009, o STF mudou seu próprio entendimento e passou a proibir o creditamento de IPI. Logo, significa que o Supremo disse que esse artigo da CF/88 não dá direito ao creditamento.
Desse modo, o acórdão proferido em 2007 pelo TRF4 está em confronto com a interpretação dada atualmente pelo STF ao artigo da CF/88 que fala sobre o credimento.

Cabe ação rescisória nesse caso? Podemos dizer que o acórdão do TRF4 violou literal disposição de lei?
NÃO. Mesmo que a sentença transitada em julgado esteja em confronto com o atual entendimento do STF, não caberá ação rescisória se, na época em que foi prolatada, ela estava em conformidade com a jurisprudência predominante do próprio STF.
Aplicou-se, no caso, a Súmula 343 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”
A súmula 343 do STF aplica-se quando a sentença transitada em julgado e que está sendo atacada foi proferida na época com base no entendimento do próprio STF. Nesse caso, não se deve relativizar o alcance do enunciado.
O Min. Marco Aurélio afirmou que, em regra, aplica-se a súmula 343-STF mesmo em caso de violação à norma constitucional. No entanto, ele mencionou uma exceção: se a sentença transitada em julgado baseou-se em uma lei e esta foi, posteriormente, declarada inconstitucional pelo STF com eficácia erga omnes e sem modulação de efeitos, nesse caso caberia ação rescisória, afastando-se a súmula 343-STF.

Aplica-se a súmula 343 do STF em caso de violação à norma constitucional? É vedada ação rescisória se a sentença foi proferida com base em interpretação controvertida sobre matéria constitucional, mas atualmente é contrária ao posicionamento do STF?
• Entendimento até então vigente: NÃO
• Entendimento atual: SIM (se na época em que a decisão rescindenda foi prolatada, ela seguiu a jurisprudência do STF).

Assim, o que o STF decidiu foi o seguinte:
Se a sentença foi proferida com base na jurisprudência do STF vigente à época e, posteriormente, esse entendimento foi alterado, não se pode dizer que essa decisão impugnada tenha violado literal disposição de lei.
Desse modo, não cabe ação rescisória em face de acórdão que, à época de sua prolação, estava em conformidade com a jurisprudência predominante do STF.
STF. Plenário. RE 590809/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/10/2014 (Info 764).



Print Friendly and PDF