segunda-feira, 2 de março de 2015

Análise da impenhorabilidade prevista nos incisos IV e X do art. 649 do CPC (atualizado)


Todo e qualquer bem pode ser penhorado?
NÃO. O art. 649 do CPC estabelece um rol de bens que não podem ser objeto de penhora.
Dentre eles, veja o que diz o inciso IV:
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
IV — os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;

Se a pessoa recebe seu salário na conta bancária, mas não o utiliza no mês e lá o deixa depositado, tal quantia continuará sendo impenhorável?
NÃO. Os valores somente podem ser considerados como verbas alimentares, e protegidos pelo art. 649, IV do CPC, enquanto estiverem destinados ao sustento do devedor e sua família, ou seja, enquanto se prestarem ao atendimento das necessidades básicas do devedor e seus dependentes.
Para o STJ, na hipótese de qualquer quantia salarial se mostrar, ao final do período (isto é, até o recebimento de novo provento de igual natureza), superior ao custo necessário ao sustento do titular e de seus familiares, essa sobra perde o caráter alimentício e passa a ser uma reserva ou economia, tornando-se, em princípio, penhorável. Explicando melhor com um exemplo: a pessoa recebe R$ 10 mil de salário por mês; gasta R$ 7 mil e mantém os R$ 3 mil restantes na conta corrente; se, no mês seguinte, receber o novo salário (mais R$ 10 mil), totalizando R$ 13 mil na conta, estes R$ 3 mil “excedentes” poderão, em tese, ser penhorados.
Em suma, o STJ confere interpretação restritiva ao inciso IV do art. 649 e afirma que a remuneração a que se refere o dispositivo é a última percebida, perdendo esta natureza a sobra respectiva, após o recebimento do salário ou vencimento seguinte.
Não é razoável, como regra, admitir que verbas alimentares não utilizadas no período para a própria subsistência sejam transformadas em aplicações ou investimentos financeiros e continuem a gozar do benefício da impenhorabilidade (Min. Nancy Andrighi, REsp 1.330.567-RS).
Essa posição adotada pelo STJ é defendida há muito tempo pela doutrina majoritária. Por todos, confira o genial Leonardo Greco:
“Até a percepção da remuneração do mês seguinte, toda a remuneração mensal é impenhorável e pode ser consumida pelo devedor, para manter padrão de vida compatível com o produto do seu trabalho. Mas a parte da remuneração que não for utilizada em cada mês, por exceder as necessidades de sustento suas e de sua família, será penhorável como qualquer outro bem do seu patrimônio.” (O Processo de Execução. Vol. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 21).


Inciso X do art. 649 do CPC

Outra importante previsão de impenhorabilidade é trazida pelo inciso X do art. 649 do CPC:
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
X — até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.

É possível aplicar a proteção desse inciso X, por intepretação extensiva, para outras formas de investimento?
SIM. É possível estender a proteção do inciso X do art. 649 do CPC para a quantia de até 40 salários mínimos depositada em fundo de investimento, desde que não haja indícios de má-fé, abuso, fraude, ocultação de valores ou sinais exteriores de riqueza.
A regra de impenhorabilidade estatuída no inciso X do art. 649 do CPC merece interpretação extensiva para alcançar pequenas reservas de capital poupadas em outros investimentos, e não apenas os depósitos em caderneta de poupança.
Não há sentido em restringir o alcance da regra apenas às cadernetas de poupança assim rotuladas, sobretudo no contexto atual em que diversas outras opções de aplicação financeira se abrem ao pequeno investidor, eventualmente mais lucrativas, e contando com facilidades como o resgate automático.
(STJ. 2ª Seção. REsp 1230060/PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 13/08/2014)


Caso concreto

Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi demitido sem justa causa e recebeu, na Justiça do Trabalho, suas verbas rescisórias.

As verbas rescisórias trabalhistas são consideradas impenhoráveis, nos termos do inciso IV do art. 649?
SIM. As quantias referentes à rescisão trabalhista são consideradas verbas alimentares e podem ser equiparadas a “salário”. Logo, em princípio, as verbas rescisórias trabalhistas são absolutamente impenhoráveis.

Verba rescisória foi depositada em fundo de investimento
Suponhamos que João tenha depositado o valor recebido em três fundos de investimento, tendo essa quantia ficado lá aplicada por dois anos.
Fundo de investimento “A”: João lá possui 30 salários mínimos; Fundo “B”: mantém 20 salários mínimos; Fundo “C”: 10 salários mínimos. Total: 60 salários mínimos depositados nos três fundos.
Ocorre que João teve uma experiência empresarial mal sucedida e tornou-se réu em um processo de execução.
O juiz determinou a penhora on line da quantia depositada por João nos dois fundos de investimento.

João poderá invocar que essa quantia é impenhorável com base no inciso IV do art. 649?
NÃO. De acordo com a interpretação restritiva adotada pelo STJ, a regra de impenhorabilidade prevista no inciso IV do art. 649 do CPC não protege a quantia recebida como indenização trabalhista, mas que foi aplicada por longo período em fundo de investimento, considerando que esse dinheiro não foi nem está sendo utilizado para suprimento das necessidades básicas do devedor e sua família.
A princípio, as verbas rescisórias recebidas por meio de reclamação trabalhista são impenhoráveis com base no inciso IV do art. 649 do CPC. Isso porque possuem natureza salarial e, mesmo sendo superiores ao valor do salário mensal, elas não podem ser consideradas como “sobras” ou “excedentes” de salário tendo em vista que o trabalhador não estava guardando esse dinheiro por vontade própria. Era uma verdadeira “poupança” forçada, uma vez que o empregador já deveria ter pago essa quantia, mas por ato ilícito não o fez, somente realizando após ser acionado na Justiça. Por conta do não pagamento desses valores, pode ser que o trabalhador tenha adiado despesas que precisaria fazer, como, por exemplo, um tratamento de saúde. Assim, quando o trabalhador recebe a rescisão, tal verba, em sua integralidade, é impenhorável.
Todavia, a partir do momento em que a quantia foi posta à sua disposição e ele pagou suas despesas e necessidades imediatas, investindo o restante do dinheiro, esse valor perde a natureza salarial e passa a ser considerado como aplicação financeira. Isso faz com que ele não possa ser mais enquadrado no inciso IV do art. 649 do CPC.

João poderá, então, invocar que essa quantia aplicada no fundo de investimento é impenhorável com base no inciso X do art. 649?
SIM. Como visto, o STJ confere interpretação extensiva ao inciso X do art. 649 do CPC, permitindo que essa impenhorabilidade abranja outras aplicações financeiras, além da poupança, como é o caso do fundo de investimento.

Será impenhorável apenas a quantia depositada em um fundo de investimento ou em todos eles?
Caso o devedor possua mais de um fundo de investimento, todas as respectivas contas devem ser consideradas impenhoráveis, até o limite global de 40 salários mínimos.
Assim, a quantia depositada em todos os fundos de investimento estará protegida pela impenhorabilidade, mas até o limite máximo de 40 salários-mínimos somados.
Voltando ao nosso exemplo:
João possui três fundos de investimento, com os seguintes valores nele depositados:
Fundo “A”: 30 salários mínimos; Fundo “B”: 20 salários mínimos; Fundo “C”: 10 salários mínimos. Total: 60 salários mínimos depositados nos três fundos. Se João for executado, somente será impenhorável a quantia de 40 salários mínimos. Os 20 salários mínimos que ultrapassam esse limite legal poderão ser penhorados.
STJ. 2ª Seção. EREsp 1.330.567-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2014 (Info 554).

Resumindo:
O art. 649 do CPC estabelece um rol de bens que não podem ser objeto de penhora.
O inciso IV do art. 649 prevê que as verbas salariais são absolutamente impenhoráveis. O STJ, no entanto, confere interpretação restritiva a esse inciso e afirma que a remuneração a que se refere o dispositivo é a última percebida, perdendo esta natureza a sobra respectiva, após o recebimento do salário ou vencimento seguinte. Assim, se a pessoa recebe seu salário na conta bancária, mas não o utiliza no mês e o deixa lá depositado, tal quantia perderá o caráter de impenhorabilidade.
O inciso X do art. 649 estabelece que é impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários mínimos. O STJ decidiu que é possível aplicar a proteção desse inciso, por intepretação extensiva, para outras formas de investimento. Desse modo, é impenhorável a quantia de até 40 salários mínimos depositada em fundo de investimento, desde que não haja indícios de má-fé, abuso, fraude, ocultação de valores ou sinais exteriores de riqueza.
As verbas rescisórias trabalhistas são consideradas impenhoráveis, nos termos do inciso IV, por terem a natureza de verba salarial (alimentar). No entanto, se a pessoa recebe a verba trabalhista e deposita esse dinheiro em mais de um fundo de investimento, por longo período, a quantia perderá o caráter de impenhorabilidade do IV já que não foi utilizada para suprimento de necessidades básicas do devedor e sua família. Por outro lado, essa verba poderá ser considerada impenhorável com base no inciso X, até o limite de 40 salários mínimos.
É impenhorável a quantia oriunda do recebimento, pelo devedor, de verba rescisória trabalhista posteriormente poupada em mais de um fundo de investimento, desde que a soma dos valores não seja superior a 40 salários mínimos.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.230.060-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 13/8/2014 (Info 547).
STJ. 2ª Seção. EREsp 1.330.567-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2014 (Info 554).


Mudança de entendimento
O novo precedente do STJ EREsp 1.330.567-RS (Info 554) adota em quase tudo as conclusões já expostas no REsp 1.230.060-PR (Info 547). Houve, no entanto, mudança de entendimento em um ponto, que deve ser destacado:

• No REsp 1.230.060-PR (Info 547), o STJ afirmou que os 40 salários mínimos deveriam estar depositados em uma só conta de investimento (não poderia haver mais de uma);

• No EREsp 1.330.567-RS (Info 554), o STJ decidiu que será considerado impenhorável a quantia de 40 salários mínimos mesmo que elas estejam depositadas em mais de um fundo de investimento. Em outras palavras, caso o devedor possua mais de um fundo de investimento, todas as respectivas contas devem ser consideradas impenhoráveis, até o limite global de 40 salários mínimos (soma-se todas os fundos de investimento e o máximo protegido é 40 salários mínimos). Esse é o novo entendimento que vale e que deverá ser adotado na sua prova. Atualize, portanto, o Info 547 e todos os seus materiais de estudo, inclusive os Livros.


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