sábado, 6 de junho de 2015

É crime prestar serviço de provedor de acesso à internet sem autorização da ANATEL via rádio?



Imagine a seguinte situação hipotética:
João mora em um edifício e determinado dia teve uma ideia que ele pensou ser genial.
Decidiu contratar um serviço de internet de alta velocidade para seu apartamento e revender o acesso ao serviço para outras unidades do mesmo prédio.
Assim, a internet chegava em sua casa e de lá, João gerava, por meio de radiofrequência, o serviço para outros moradores que podiam acessar a internet, pagando uma mensalidade a ele.
Ocorre que, alguns meses depois, por iniciativa de uma denúncia anônima, houve fiscalização da ANATEL em sua residência e João foi autuado por estar comercializando internet sem autorização da agência.

Além da infração administrativa, João cometeu algum delito? É crime prestar serviço de provedor de acesso à internet sem autorização da ANATEL via rádio?
SIM. A conduta de prestar, sem autorização da ANATEL, serviço de provedor de acesso à internet a terceiros por meio de instalação e funcionamento de equipamentos de radiofrequência configura o crime previsto no art. 183 da Lei n.° 9.472/97:
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.

Mas o art. 183 fala em desenvolver “atividades de telecomunicação”. O serviço de internet via radiofrequência pode ser considerada atividade de telecomunicação?
SIM. Segundo entende a ANATEL (opinião seguida pelo STJ), o provimento de acesso à Internet via radiofrequência, na verdade compreende dois serviços: um serviço de telecomunicações (Serviço de Comunicação Multimídia) e um Serviço de Valor Adicionado (Serviço de Conexão à Internet). Portanto, a atividade popularmente conhecida como "Internet via rádio" compreende também um serviço de telecomunicações (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1349103/PB, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 06/08/2013).
O fato de o art. 61, § 1º, da Lei n.° 9.472/97 disciplinar que serviço de valor adicionado “não constitui serviço de telecomunicações” não implica o reconhecimento, por si só, da atipicidade da conduta em análise. Isso porque, segundo a ANATEL, o provimento de acesso à Internet via radiofrequência engloba tanto um serviço de telecomunicações (Serviço de Comunicação Multimídia) quanto um serviço de valor adicionado (Serviço de Conexão à Internet).

Segundo a jurisprudência do STJ, João teria sucesso se invocasse o princípio da insignificância?
NÃO. Segundo a jurisprudência do STJ, é inaplicável o princípio da insignificância ao delito previsto no art. 183 da Lei n.° 9.472⁄97, pois o desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação é crime formal, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a segurança dos meios de comunicação (STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 383.884/PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 07/10/2014).

Assim, prevalece no STJ o entendimento no sentido de não ser possível a incidência do principio da insignificância nos casos de prática do delito descrito no art. 183 da Lei nº 9.472/97. Isso porque se considera que a instalação de estação clandestina de radiofrequência sem autorização dos órgãos e entes com atribuições para tanto - Ministério da Comunicações e ANATEL - já é, por si, suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não podendo, portanto, ser vista como uma lesão inexpressiva (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1323865/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/10/2013).

Obs: o STF, em regra, também nega a aplicação do princípio da insignificância ao crime do art. 183 da Lei n.° 9.472/97. No entanto, possui alguns precedentes admitindo, em casos excepcionais, o reconhecimento do postulado em caso de rádios clandestinas que operem em baixa frequência e em localidades afastadas dos grandes centros. Nesse sentido: HC 104530 e RHC 118014.

De quem é a competência para julgar o delito do art. 183?

Justiça Federal (art. 109, IV, da CF/88) porque afeta diretamente serviço regulado pela União.

Resumindo:
A conduta de prestar, sem autorização da ANATEL, serviço de provedor de acesso à internet a terceiros por meio de instalação e funcionamento de equipamentos de radiofrequência configura o crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/97.
Vale ressaltar que, segundo a jurisprudência do STJ, é inaplicável o princípio da insignificância ao delito previsto no art. 183 da Lei 9.472⁄97, pois o desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação é crime formal, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a segurança dos meios de comunicação. A exploração clandestina de sinal de internet, sem autorização do órgão regulador (ANATEL), já é suficiente a comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações, razão pela qual o princípio da insignificância deve ser afastado. Sendo assim, ainda que constatada a baixa potência do equipamento operacionalizado, tal conduta não pode ser considerada de per si, um irrelevante penal.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.304.262-PB, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/4/2015 (Info 560).
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 599.005-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 14/4/2015 (Info 560).



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