quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O STF não admite a teoria da transcendência dos motivos determinantes



A Constituição Federal, em seu art. 102, § 2º, estabelece os efeitos da decisão proferida pelo STF no controle abstrato de constitucionalidade:
Art. 102 (...)
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Vamos explicar melhor esses efeitos:

1) Quanto ao aspecto SUBJETIVO (quem é atingido pela decisão?)
• Eficácia contra todos (erga omnes)
• Efeito vinculante

2) Quanto ao aspecto OBJETIVO
(que partes da decisão produzem eficácia erga omnes e efeito vinculante?)

1ª corrente: teoria restritiva
Somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante.
Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.

2ª corrente: teoria extensiva
Além do dispositivo, os motivos determinantes (ratio decidendi) da decisão também são vinculantes.
Admite-se a transcendência dos motivos que embasaram a decisão.

Em suma, pela teoria da transcendência dos motivos determinantes, a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos determinantes da decisão também teriam efeito vinculante.

Ocorre que o STF NÃO adota a teoria da transcendência dos motivos determinantes (teoria extensiva).

O STF já chegou a manifestar apreço pela teoria da transcendência dos motivos determinantes, mas atualmente, a posição da Corte é no sentido de que não pode ser acolhida.

Para melhor explicar o tema, veja o seguinte exemplo:
“A”, Prefeito de uma cidade do interior do Ceará, teve suas contas aprovadas pela Câmara Municipal, mas rejeitadas pelo Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas tomou essa decisão porque a Constituição do Estado do Ceará prevê que o Tribunal de Contas irá julgar as contas dos prefeitos.
“A” afirma que a decisão do Tribunal de Contas foi errada e que a Constituição do Ceará, nesse ponto, viola a CF/88, considerando que, no caso dos chefes do Poder Executivo, o Tribunal de Contas apenas emite parecer prévio, não devendo julgar as contas.
“A” defende que o STF já acolheu essa tese, ou seja, a de que as contas dos Prefeitos não são julgadas pelo Tribunal de Contas, mas sim pela Câmara Municipal. Cita como precedentes do STF as ADIs 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT.
Desse modo, “A”, inconformado com a decisão do Tribunal de Contas, ajuiza reclamação no STF alegando que o entendimento do Supremo foi desrespeitado pelo Tribunal de Contas.

Essa reclamação do Prefeito pode ser julgada procedente?
NÃO.

Quando o STF julgou as ADIs 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT, ele realmente decidiu que:
• As contas dos chefes do Poder Executivo são julgadas pelo Poder Legislativo (no caso dos Governadores, pelas Assembleias e se for Prefeito, pelas Câmaras Municipais);
• No caso das contas dos chefes do Poder Executivo, o Tribunal de Contas apenas emite um parecer prévio, que poderá ser acolhido ou não pelo Poder Legislativo.

No entanto, o STF mencionou essas duas conclusões acima expostas apenas na fundamentação do julgado. O dispositivo da decisão foi a declaração de inconstitucionalidade de normas das Constituições do Estado de Tocantins (ADI 3715), de Pernambuco (ADI 1779) e de Mato Grosso (ADI 849).

O dispositivo das ADIs 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT possui eficácia vinculante e erma omnes?
SIM. Logo, a decisão do STF de que são inconstitucionais esses artigos das Constituições do TO, PE e MT deve ser respeitada por todos e, em caso de descumprimento, pode-se ajuizar reclamação no STF.

A fundamentação utilizada pelo STF ao julgar essas ADI’s 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT possui eficácia vinculante e erma omnes?
NÃO. Porque o STF não adota a teoria da transcendência dos motivos determinantes.

O Supremo acolhe a teoria restritiva, de forma que somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.

Assim, ainda que a Constituição do Ceará tenha um artigo com redação idêntica ao da Constituição do Tocantins (que foi declarado inconstitucional), não se poderá ajuizar reclamação diretamente no STF caso o Tribunal de Contas aplique normalmente esse artigo da Carta cearense. Teria que ser proposta uma nova ADI impugnando a Constituição cearense ou então valer-se o interessado dos instrumentos processuais para a defesa do seu direito e a declaração difusa de inconstitucionalidade.

Resumindo:
O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”.
Segundo a teoria restritiva, adotada pelo STF, somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.
A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato:
• usurpou competência do STF; ou
• desrespeitou decisão proferida pelo STF.
Não cabe reclamação sob o argumento de que a decisão impugnada violou os motivos (fundamentos) expostos no acórdão do STF, ainda que este tenha caráter vinculante. Isso porque apenas o dispositivo do acórdão é que é vinculante.
Assim, diz-se que a jurisprudência do STF é firme quanto ao não cabimento de reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante
STF. Plenário. Rcl 8168/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 19/11/2015 (Info 808).



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