quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Homologação de sentença eclesiástica de anulação de matrimônio



Noções gerais
A decisão proferida pelo Poder Judiciário de um país produz efeitos em outro Estado soberano?
A princípio não, porque uma das manifestações da soberania é o fato do Poder Judiciário do próprio país ser o responsável pela resolução dos seus conflitos de interesses.
Assim, a princípio, uma decisão proferida pela Justiça dos EUA ou de Portugal, por exemplo, não tem força obrigatória no Brasil, considerando que, por sermos um país soberano, a função de dizer o direito é atribuída ao Poder Judiciário brasileiro.

Pode ser necessário, no entanto, que uma decisão no exterior tenha que ter eficácia no Brasil. Como proceder para que isso ocorra?
Em regra, para que uma decisão proferida pelo Poder Judiciário de outro país possa ser executada no Brasil é necessário que passe por um processo de “reconhecimento” ou “ratificação” feito pela Justiça brasileira. A isso chamamos de homologação de sentença estrangeira.

Veja o que diz o CP 2015 sobre o tema:
Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.

Assim, a lei ou tratado internacional poderá facilitar ou dispensar a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur. Ex: a sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo STJ (§ 5º do art. 961 do CPC 2015).

Segundo a doutrina:
“O processo de homologação de sentença estrangeira visa aferir a possibilidade de decisões estrangeiras produzirem efeitos dentro da ordem jurídica nacional” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 489).

“Uma vez homologada, a sentença poderá produzir os mesmos efeitos de uma sentença nacional” (PORTELA, Paulo. Direito internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 562).

Como é feita a homologação de sentença estrangeira?
Em regra, a homologação de decisão estrangeira será requerida pela parte interessada por meio de ação de homologação de decisão estrangeira.
Exceção: o Brasil poderá firmar tratado internacional dispensando a propositura desta ação.

CPC 2015. Art. 960. A homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado.

No Brasil, quem é o órgão competente para análise e homologação de sentenças estrangeiras?
O Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i”, da CF/88).

Onde estão previstas as regras para a homologação de sentenças estrangeiras?
• em tratados internacionais firmados pelo Brasil;
• nos arts. 960 a 965 do CPC 2015; e
• nos arts. 216-A a 216-X do Regimento Interno do STJ.

Algumas observações sobre o tema:
• Para que a decisão estrangeira seja homologada no Brasil é preciso que ela seja definitiva (não pode estar pendente de recurso) (§ 1º do art. 961 do CPC 2015);
• Uma decisão que no estrangeiro não é considerada judicial, ou seja, uma decisão que no estrangeiro não foi proferida pelo Poder Judiciário no exercício de sua função típica, pode, mesmo assim, ser homologada no Brasil se aqui, em nosso país, ela for considerada decisão judicial. É o que prevê o § 1º do art. 961 do CPC 2015: "É passível de homologação (...) a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional.";
• A decisão estrangeira poderá ser homologada parcialmente (§ 2º do art. 961);
• A autoridade judiciária brasileira poderá deferir pedidos de urgência e realizar atos de execução provisória no processo de homologação de decisão estrangeira (§ 3º do art. 961).
• Haverá homologação de decisão estrangeira para fins de execução fiscal quando prevista em tratado ou em promessa de reciprocidade apresentada à autoridade brasileira (§ 4º do art. 961).

A sentença estrangeira de divórcio consensual, para produzir efeitos no Brasil, precisa de homologação pelo STJ?
NÃO. A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo STJ (§ 5º do art. 961 do CPC 2015).
No caso de sentença estrangeira de divórcio consensual o próprio juiz possui competência para examinar a validade da decisão, em caráter principal ou incidental, quando essa questão for suscitada em processo de sua competência (§ 6º do art. 961).

Peculiaridades envolvendo decisão estrangeira concessiva de medida de urgência
• É passível de execução a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência (art. 962).
• A execução no Brasil de decisão interlocutória estrangeira concessiva de medida de urgência é feita por meio de carta rogatória.
• A medida de urgência concedida sem audiência do réu poderá ser executada, desde que garantido o contraditório em momento posterior.
• O juízo sobre a urgência da medida compete exclusivamente à autoridade jurisdicional prolatora da decisão estrangeira. Em outras palavras, não cabe à autoridade jurisdicional brasileira reavaliar a presença ou não da urgência.
• Vimos acima que, em alguns casos pode ser dispensada a homologação para que a sentença estrangeira produza efeitos no Brasil. Nesta situação, a decisão concessiva de medida de urgência dependerá, para produzir efeitos, de ter sua validade expressamente reconhecida pelo juiz competente para dar-lhe cumprimento, dispensada a homologação pelo STJ.

Quais são os requisitos indispensáveis à homologação da decisão estrangeira?
Segundo o art. 963 do CPC 2015, para que a decisão estrangeira seja homologada, é necessário que:
I - tenha sido proferida no exterior por autoridade competente;
II - as partes tenham sido citadas ou que tenha havido legalmente a revelia;
III - seja eficaz no país em que foi proferida;
IV - não ofenda a coisa julgada brasileira;
V - esteja acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado;
VI - não contenha manifesta ofensa à ordem pública.

Além disso, para ser homologada a sentença estrangeira deverá ter transitado em julgado no país de origem (art. 216-D do RISTJ e art. 961, § 1º do CPC 2015). Este sempre foi o entendimento consolidado da jurisprudência:
Súmula 420-STF: Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado.


Homologação de sentença eclesiástica de anulação do matrimônio
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Maria celebraram casamento religioso (na Igreja Católica), com efeitos civis, conforme autoriza o art. 1.515 do Código Civil:
Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.

Após alguns meses, o casal desentendeu-se e passou a viver em casas separadas.
João percebeu que o relacionamento não daria mais certo, no entanto, ele ficou com muito medo de não poder mais casar no religioso e, por isso, iniciou um processo junto à Igreja Católica pedindo a declaração de nulidade do casamento realizado.
O casamento foi anulado por decisão final do Supremo Tribunal Apostólico (localizado no Vaticano).
Após conseguir a anulação, João pediu no STJ que a decisão do Tribunal eclesiástico católico fosse homologada no Brasil.

O pedido de João pode ser aceito? É possível a homologação pelo STJ de sentença eclesiástica de anulação de matrimônio?
SIM. É possível a homologação pelo STJ de sentença eclesiástica de anulação de matrimônio, confirmada pelo órgão de controle superior da Santa Sé.
Obs: do ponto de vista legal, a pessoa jurídica de público internacional não é chamada de Vaticano, mas sim de Santa Sé.

Mas uma decisão eclesiástica da Santa Sé pode ser considerada "sentença estrangeira"?
SIM. As sentenças eclesiásticas que tratem sobre matrimônio e que forem confirmadas pelo órgão superior de controle da Santa Sé podem ser consideradas sentenças estrangeiras conforme prevê o § 1º do art. 12 do Decreto federal nº 7.107/2010 (que homologou o acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, aprovado pelo Decreto Legislativo n. 698/2009). Confira:
Artigo 12 (...)
§ 1º A homologação das sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial, confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé, será efetuada nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras.

O Estado brasileiro é laico, ou seja, não tem uma religião oficial. Com base nisso, indaga-se: esse dispositivo é compatível com a CF/88?
SIM. Não há nada de inconstitucional neste dispositivo. Isso porque ele apenas prevê que, em matéria matrimonial, a homologação de sentenças eclesiásticas, confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé será realizada de acordo com a legislação brasileira. Trata-se de algo perfeitamente natural porque a Santa Sé detém personalidade jurídica de direito internacional público, podendo, portanto, sua sentença ser equiparada a uma sentença estrangeira.
Vale salientar que o Código de Direito Canônico assegura o direito de defesa e os princípios da igualdade e do contraditório nos processos de anulação de matrimônio de forma que não haveria qualquer prejuízo às partes envolvidas.

Resumindo:
É possível a homologação pelo STJ de sentença eclesiástica de anulação de matrimônio, confirmada pelo órgão de controle superior da Santa Sé.
STJ. Corte Especial. SEC 11.962-EX, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 4/11/2015 (Info 574).



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