terça-feira, 9 de maio de 2017

O autor da ação de usucapião especial urbana goza de presunção absoluta de hipossuficiência para fins de gratuidade da justiça?



Usucapião especial urbana
Existem várias modalidades de usucapião.
A CF/88 prevê duas espécies:
a) a usucapião especial urbana (pro misero) (ou pro moradia) (art. 183);
b) a usucapião especial rural (pro labore) (art. 191).

O julgado ora analisado diz respeito à usucapião especial urbana.

Requisitos da usucapião especial urbana
A usucapião especial urbana é prevista no art. 183 da CF/88, sendo também reproduzida no art. 1.240 do CC e no art. 9º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).
Para se ter direito à usucapião especial urbana, é necessário preencher os seguintes requisitos:
a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família;
d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).

Algumas observações:
• Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé;
• Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez;
• É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel é menor que 250m2 não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas tão somente a parte privativa);
• O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

Feitos os esclarecimentos acima, imagine a seguinte situação hipotética:
João é possuidor, há mais de 5 anos, de uma área urbana de 250m2, que utiliza para a sua própria moradia.
Ele ingressou, então, com uma ação de usucapião especial urbana.
Na petição inicial o autor pediu a concessão dos benefícios da gratuidade da Justiça.
O proprietário do imóvel, ao apresentar contestação, impugnou a concessão da gratuidade da justiça demonstrando que João goza de boa condição financeira.
João afirmou que, no caso de ação de usucapião especial urbana, o art. 12, § 2º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) assegura, de forma absoluta, a gratuidade da Justiça, independentemente da condição financeira do autor. Veja o dispositivo invocado:
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
(...)
§ 2º O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

A tese de João (autor) foi acolhida pelo STJ? O autor da ação de usucapião especial urbana goza de presunção absoluta de hipossuficiência para fins de gratuidade da justiça?
NÃO.
O art. 12, § 2º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião especial urbana é hipossuficiente. Isso significa que essa presunção pode ser ilidida (refutada) a partir da comprovação inequívoca de que o autor não é considerado "necessitado".
STJ. 3ª Turma. REsp 1.517.822-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2017 (Info 599).

Por que se diz que o art. 12, § 2º do Estatuto da Cidade prevê apenas uma presunção relativa?
Porque, segundo o STJ, o art. 12, §2º, da Lei nº 10.257/2001 não pode ser lido isoladamente, devendo ser interpretado em conjunto e harmonia com as regras sobre gratuidade da justiça, que estão previstas nos arts. 98 a 102 do CPC/2015.
A intenção do § 2º do art. 12 do Estatuto da Cidade foi a de amparar a população de baixa renda, que normalmente é aquela a quem a ação de usucapião especial urbana visa proteger, além de criar uma espécie de presunção inicial da hipossuficiência do autor.
Apesar de a redação da norma não ser muito clara, é possível concluir que a presunção de hipossuficiência prevista no § 2º do art. 12 é relativa.
Assim, o juiz, ao receber a inicial da usucapião urbana, deverá deferir a gratuidade da justiça pelo simples fato de ter sido requerida. No entanto, por outro lado, deverá negar o benefício se houver comprovação inequívoca de que o autor não poderia ser considerado "necessitado", ou seja, se não preencher os requisitos do art. 98 do CPC/2015:
Art. 98.  A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

Dessa forma, o art. 12, § 2º, da Lei nº 10.257/2001 não criou uma hipótese de concessão de benefícios da justiça gratuita completamente dissociada das normas processuais que regem o tema. O referido dispositivo legal, portanto, deve ser interpretado em conjunto e em harmonia com as disposições dos arts. art. 98 a 102 do CPC/2015.



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