segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Breves comentários à EC 97/2017: fim das coligações nas eleições proporcionais e cláusula de barreira



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada no último dia 05/10, a EC 97/2017, que altera a Constituição Federal para:
• vedar as coligações partidárias nas eleições proporcionais;
• estabelecer normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e TV.

PROIBIÇÃO DE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS NAS ELEIÇÕES PROPORCIONAIS

Sistema eleitoral
Sistema eleitoral é o conjunto de regras e técnicas previstas pela CF e pela lei para disciplinar a forma como os candidatos ao mandato eletivo serão escolhidos e eleitos.
No Brasil, atualmente, existem dois sistemas eleitorais:
a) MAJORITÁRIO
b) PROPORCIONAL

O mandato eletivo fica com o candidato ou partido político que obteve a maioria dos votos.

Ganha o candidato mais votado, independentemente dos votos de seu partido.



Terminada a votação, divide-se o total de votos válidos pelo número de cargos em disputa, obtendo-se assim o quociente eleitoral. Ex: na eleição para vereador houve 100 mil votos válidos e eram 20 vagas. Logo, o quociente eleitoral será 5 mil (100.000 : 20 = 5.000).

Em seguida, pega-se os votos de cada partido ou coligação* e divide-se pelo quociente eleitoral, obtendo-se assim o número de eleitos de cada partido (quociente partidário). Ex: o Partido X e seus candidatos tiveram 20 mil votos. Esses 20 mil serão divididos pelo quociente eleitoral (5 mil). Logo, esse partido terá direito a 4 vagas de Vereador (20.000 : 5.000 = 4).

Os candidatos mais bem votados desse partido irão ocupar tais vagas.

No Brasil, é o sistema adotado para a eleição de Prefeito, Governador, Senador e Presidente.
No Brasil, é o sistema adotado para a escolha de Vereador, Deputado Estadual e Deputado Federal.

* antes da EC 97/2017.

Eleições proporcionais
Quando se fala em “eleições proporcionais” está se referindo às eleições que adotam o sistema proporcional acima explicado. É o caso das eleições para Vereador, Deputado Estadual e Deputado Federal.

Coligações partidárias
Coligação partidária consiste na aliança (acordo) feita entre dois ou mais partidos para que eles trabalhem juntos em uma eleição apresentando o mesmo candidato.
Ex: nas eleições presidenciais de 2014, foi feita uma coligação denominada “Coligação com a força do povo” para apresentar a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República. Esta coligação era formada por 9 partidos (PT, PMDB, PSD, PP, PR, PROS, PDT, PC do B e PRB).

É possível a realização de coligações partidárias tanto para eleições majoritárias como também proporcionais?
Antes da EC 97/2017
Depois da EC 97/2017 (ATUALMENTE)
SIM. Era permitida a realização de coligações partidárias tanto para eleições majoritárias como também proporcionais.
NÃO. Atualmente só se permite coligação partidária para eleições majoritárias.
Essa era a redação vigente da Lei nº 9.504/97:
Art. 6º É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário.
O § 1º do art. 17 da CF/88 foi alterado pela EC 97/2017 e passou a prever que é vedada a celebração de coligações nas eleições proporcionais.
Com isso, o art. 6º da Lei nº 9.504/97 não foi recepcionado pela EC 97/2017. Em linguagem comum, mas atécnica, diz-se que o referido art. 6º foi “revogado” pela EC 97/2017.

Qual foi o grande objetivo por trás dessa mudança?
A intenção foi a de fortalecer os grandes partidos. Isso porque não sendo permitida a coligação em eleições proporcionais, dificilmente partidos muito pequenos irão conseguir atingir um quociente partidário que supere o quociente eleitoral. Significa dizer que, sozinhos, ou seja, sem coligações, partidos pequenos terão muito dificuldade de eleger Vereadores e Deputados.
Além da dificuldade de atingir o quociente eleitoral, os partidos pequenos terão poucos segundos no horário eleitoral, diminuindo sua visibilidade.

Essa proibição de coligações para eleições proporcionais já irá valer no próximo pleito (2018)?
NÃO. A EC 97/2017 adiou a produção dos efeitos para as eleições de 2020. Veja:
Art. 2º A vedação à celebração de coligações nas eleições proporcionais, prevista no § 1º do art. 17 da Constituição Federal, aplicar-se-á a partir das eleições de 2020.

Dessa forma, em 2018 ainda serão permitidas coligações para eleições proporcionais.

Houve alguma mudança no regime das coligações para eleições majoritárias?
NÃO. As coligações para eleições majoritárias continuam sendo permitidas sem qualquer alteração.

Compare as mudanças operadas pela EC 97/2017 no texto constitucional:
Redação anterior
Redação ATUAL (dada pela EC 97/2017)
Art. 17. (...)
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.
Art. 17 (...)
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Repare que, além de proibir a realização de coligações em eleições proporcionais, o novo § 1º do art. 17 prevê expressamente que os partidos políticos gozam de autonomia para estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios.


FUNDO PARTIDÁRIO E ACESSO GRATUITO AO RÁDIO E À TELEVISÃO

O que é o fundo partidário?
Trata-se de um Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos que tenham seu estatuto registrado no Tribunal Superior Eleitoral e prestação de contas regular perante a Justiça Eleitoral.
O “Fundo Partidário” é constituído por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades, doações e outros recursos financeiros previstos no art. 38 da Lei nº 9.096/95.
Os valores contidos no Fundo Partidário são repassados aos partidos políticos por meio de um cálculo previsto no art. 41-A, da Lei nº 9.096/95.
Consiste na principal fonte de verbas dos partidos.

Para que serve o dinheiro do fundo partidário?
Segundo o art. 44 da Lei nº 9.096/95, os recursos oriundos do Fundo Partidário serão utilizados pelos partidos políticos para:
I - manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, observado neste último caso o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do total recebido;
II - a propaganda doutrinária e política;
III - o alistamento e campanhas eleitorais;
IV - a criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido.
V - a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total.

Direito dos partidos políticos de acesso gratuito ao rádio e à TV (“direito de antena”)
Direito de antena consiste no direito dos partidos políticos de terem acesso gratuito aos meios de comunicação. Encontra-se previsto constitucionalmente no § 3º do art. 17 da CF/88.

Cláusula de barreira imposta pela EC 97/2017
A EC 97/2017 criou uma cláusula de barreira (ou de desempenho) prevendo que os partidos somente terão acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão se atingirem um patamar mínimo de candidatos eleitos. Confira:
Redação anterior
Redação ATUAL (dada pela EC 97/2017)
Art. 17. (...)
§ 3º - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.
Art. 17 (...)
§ 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.

Os requisitos acima são muito rigorosos e praticamente asfixiam partidos pequenos. No caso do inciso II, a grande maioria dos partidos atualmente não possui 15 Deputados Federais. É o caso, por exemplo, do Solidariedade, do PC do B, do PSC, do PPS, PHS, PV, PSOL, REDE e PEN. Logo, em tese, eles terão que se valer do inciso I.
Chamo a atenção para o fato de que os requisitos são alternativos.

Mudança de partido do candidato eleito por uma agremiação que não atingiu os requisitos
A EC 97/2017 trouxe, ainda, uma regra peculiar dizendo que se um candidato for eleito por um partido que não preencher os requisitos para obter o fundo partidário e o tempo de rádio e TV, este candidato tem o direito de mudar de partido, sem perder o mandato por infidelidade partidária:
Art. 17 (...)
§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão.

Ex: João é eleito Deputado Federal pelo PNCO (Partido Nanico). Ocorre que o PNCO não elegeu 15 Deputados Federais. Logo, João poderá mudar para o PMDB, por exemplo, não levando consigo essa filiação para fins de aumentar os recursos do fundo partidário e do tempo de rádio e TV para o partido de destino.

Regra de transição
Vale ressaltar que essa restrição do novo § 3º do art. 17 somente vai produzir todos os seus efeitos a partir das eleições de 2030.
Enquanto isso, a Emenda previu uma regra de transição de forma que, a cada eleição, os requisitos vão se tornando mais rigorosos até que atinja os critérios do § 3º do art. 17 em 2030.
Veja:

Na legislatura seguinte às eleições de 2018:
Terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação;

Na legislatura seguinte às eleições de 2022:
Terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% (dois por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos onze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação;

Na legislatura seguinte às eleições de 2026:
Terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2,5% (dois e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos treze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.

Na legislatura seguinte às eleições de 2030:
Terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que:
I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.


Márcio André Lopes Cavalcante
Professor e Juiz Federal

Ainda esta semana irei comentar as alterações promovidas pelas Leis nº 13.487 e 13.488, publicadas no último dia 06/10 e que representam uma verdadeira minirreforma eleitoral.


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