sexta-feira, 8 de novembro de 2019

STF decide que o cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos (é proibida a execução provisória da pena)



Condenação definitiva e execução da pena
Se um indivíduo é condenado por um crime e contra esta decisão não cabe mais nenhum recurso, dizemos que a decisão transitou em julgado. Logo, a condenação é definitiva.
Se o indivíduo é condenado definitivamente a uma pena e passa a cumprir essa pena, dizemos que está havendo a execução da pena.

Condenação provisória
Se um indivíduo é condenado por um crime e contra esta decisão ainda cabem recursos, dizemos que a decisão não transitou em julgado. Logo, a condenação é provisória.
Imagine que um indivíduo está condenado, mas ainda falta julgar algum recurso que ele interpôs.
Se esse indivíduo inicia o cumprimento da pena imposta, dizemos que está havendo aí uma execução provisória da pena. Isso porque a condenação ainda é provisória.

Execução provisória da pena
Desse modo, execução provisória da pena significa o réu cumprir a pena imposta na decisão condenatória mesmo sendo ainda uma decisão provisória (ainda sujeita a recursos).
Execução provisória da pena é, portanto, o início do cumprimento da pena imposta, mesmo que a decisão condenatória ainda não tenha transitado em julgado.

Argumento contrário à execução provisória da pena
O principal argumento daqueles que são contrários à execução provisória da pena é a alegação de que ela violaria o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88 e que diz:
Art. 5º (...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João estava respondendo a um processo penal em liberdade.
Ele foi, então, condenado a uma pena de 8 anos de reclusão.
O réu interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação.
Contra esse acórdão, João interpôs, simultaneamente, recursos especial e extraordinário.

João, que passou todo o processo em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e extraordinário preso? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena pelo simples fato de os recursos especial e extraordinário – que ainda estão pendentes – não terem efeito suspensivo?
A resposta do STF para essa pergunta pode ser dividida em quatro momentos históricos:

Para o STF, é possível o início do cumprimento da pena caso somente reste o julgamento de recurso sem efeito suspensivo (ex: só falta julgar Resp ou RE)? É possível a execução provisória da pena?
1ª Período

Até fev/2009:

SIM

É possível a execução provisória da pena
Até fevereiro de 2009, o STF entendia que era possível a execução provisória da pena.
Desse modo, se o réu estivesse condenado e interpusesse recurso especial ou recurso extraordinário, teria que iniciar o cumprimento provisório da pena enquanto aguardava o julgamento.
Os recursos extraordinário e especial são recebidos no efeito devolutivo. Assim, exauridas estão as instâncias ordinárias criminais é possível que o órgão julgador de segundo grau expeça mandado de prisão contra o réu (STF. Plenário. HC 68726, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 28/06/1991).
2ª Período

De fev/2009 a fev/2016:

NÃO

NÃO é possível a execução provisória da pena
No dia 05/02/2009, o STF, ao julgar o HC 84078 (Rel.  Min. Eros Grau), mudou de posição e passou a entender que não era possível a execução provisória da pena.
Obs: o condenado poderia até aguardar o julgamento do REsp ou do RE preso, mas desde que estivessem previstos os pressupostos necessários para a prisão preventiva (art. 312 do CPP).
Dessa forma, ele poderia ficar preso, mas cautelarmente (preventivamente) e não como execução provisória da pena.
Principais argumentos:
• A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.
• A execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa restrição do direito de defesa.
• A antecipação da execução penal é incompatível com o texto da Constituição.
Esse entendimento durou até fevereiro de 2016.
3º Período:

De fev/2016 a nov/2019:

SIM

É possível a execução provisória da pena
No dia 17/02/2016, o STF, ao julgar o HC 126292 (Rel. Min. Teori Zavascki), retornou para a sua primeira posição e voltou a dizer que era possível a execução provisória da pena.
Principais argumentos:
• É possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau e isso não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência.
• O recurso especial e o recurso extraordinário não possuem efeito suspensivo (art. 637 do CPP). Isso significa que, mesmo a parte tendo interposto algum desses recursos, a decisão recorrida continua produzindo efeitos. Logo, é possível a execução provisória da decisão recorrida enquanto se aguarda o julgamento do recurso.
• Até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em 2º grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.
• É possível o estabelecimento de determinados limites ao princípio da presunção de não culpabilidade. Assim, a presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado.
• A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, desde que o acusado tenha sido tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual.
• É necessário equilibrar o princípio da presunção de inocência com a efetividade da função jurisdicional penal. Neste equilíbrio, deve-se atender não apenas os interesses dos acusados, como também da sociedade, diante da realidade do intrincado e complexo sistema de justiça criminal brasileiro.
• “Em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.
4º Período:

Entendimento atual:

NÃO

NÃO é possível a execução provisória da pena
No dia 07/11/2019, o STF, ao julgar as ADCs 43, 44 e 54 (Rel. Min. Marco Aurélio), retornou para a sua segunda posição e afirmou que o cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos.
Assim, é proibida a execução provisória da pena.
Vale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP.
Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena.
Principais argumentos:
• O art. 283 do CPP, com redação dada pela Lei nº 12.403/2011, prevê que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”. Esse artigo é plenamente compatível com a Constituição em vigor.
• O inciso LVII do art. 5º da CF/88, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, não deixa margem a dúvidas ou a controvérsias de interpretação.
• É infundada a interpretação de que a defesa do princípio da presunção de inocência pode obstruir as atividades investigatórias e persecutórias do Estado. A repressão a crimes não pode desrespeitar e transgredir a ordem jurídica e os direitos e garantias fundamentais dos investigados.
• A Constituição não pode se submeter à vontade dos poderes constituídos nem o Poder Judiciário embasar suas decisões no clamor público.

Voltando à pergunta formulada:
João, que passou todo o processo em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e extraordinário preso ou solto? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena mesmo sem ter havido ainda o trânsito em julgado?
Não é possível a execução provisória da pena.
Se o Tribunal de 2ª instância (TJ ou TRF) condenou o réu ou manteve a condenação imposta pelo juiz na sentença e o condenado interpôs recurso especial ou extraordinário, isso significa que, enquanto tais recursos não forem apreciados, não houve trânsito em julgado. Se não houve ainda trânsito em julgado, não se pode determinar que o réu inicie o cumprimento provisório da pena. Não importa que os recursos pendentes possuam efeito meramente devolutivo (sem efeito suspensivo). Não existe cumprimento provisório da pena no Brasil porque ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado (art. 5º, LVII, da CF/88).

Mas o réu que já foi condenado e recorreu, pode ser preso?
Até pode, mas não como um efeito automático da condenação.
Se o juiz ou o Tribunal for decretar a prisão do condenado, ele terá que demonstrar que, naquele caso concreto, estão presentes os requisitos da prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).

TJ ou TRF condena o réu ou mantém uma condenação de 1ª instância
Este réu, que foi condenado a pena privativa de liberdade, deve ser preso mesmo que recorra?
Segundo o entendimento que vigorou de fev/2016 a nov/2019: SIM.
A prisão, neste caso, era automática.
Passados eventuais embargos de declaração contra o acórdão, o TJ ou TRF determinava a prisão do condenado com uma simples decisão, invocando a execução provisória da pena.
Segundo o entendimento atual: depende.
A prisão, neste caso, não é mais automática.
O TJ ou TRF deverá decidir, de forma individualizada, sobre a liberdade do réu, podendo até decretar a prisão, desde que demonstre que isso é indispensável para a garantia da ordem pública ou econômica, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Se a prisão não for imprescindível para assegurar esses valores, ele deverá aguardar em liberdade.
Não se analisava a necessidade da prisão porque esta decorria do cumprimento provisório da condenação. Aqui, era prisão-pena.
É indispensável que seja analisada a necessidade ou não da prisão.
Trata-se de prisão cautelar (não é prisão-pena).

Os réus que estavam presos por força da execução provisória da pena deverão ser soltos com essa nova decisão?
Deverá ser analisada a situação individual de cada um desses réus.
Se eles estavam presos unicamente por força da execução provisória da pena, é provável que sejam soltos.
Se eles estavam presos porque presentes os requisitos da prisão cautelar (art. 312 do CPP), a decisão do STF não altera a sua situação.
Por isso, os Tribunais deverão analisar cada um dos casos.

A nova decisão do STF é vinculante?
SIM. A decisão do STF foi proferida em ADC, que declarou a constitucionalidade do art. 283 do CPP:
Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Apesar de haver certa divergência doutrinária, prevalece que as decisões proferidas pelo STF em ação declaratória de constitucionalidade possuem efeitos vinculantes e erga omnes.

O cenário acima está consolidado?
Por enquanto, sim. No entanto, não é possível afirmar, com segurança, que irá prevalecer por muito tempo. Isso porque a decisão do STF foi construída com um placar apertado (6x5). Um dos Ministros que votou pela proibição da execução provisória da pena foi Celso de Mello. O Ministro Celso de Mello se aposenta em novembro de 2020. Se o novo Ministro que tomar posse defender a possibilidade da execução provisória da pena, o cenário acima poderá ser, novamente, alterado.
Por enquanto, contudo, o que foi explicado acima é o que vale.



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