quarta-feira, 8 de abril de 2020

Lei 13.985/2020: institui pensão especial destinada a crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, nascidas entre 2015 a 2019, beneficiárias do BPC



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje uma importante novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 13.985/2020, que institui pensão especial destinada a crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, nascidas entre 2015 a 2019, beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada.

A Lei é fruto da aprovação da Medida Provisória 894, de 4 de setembro de 2019.

Vamos entender em que consiste essa pensão especial dividindo nosso estudo em três partes:
1) o que é o benefício de prestação continuada?
2) o que previu o art. 18 da Lei nº 13.301/2016?
3) como funciona a pensão especial disciplinada pela MP 894/2019?

1) BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC)
Benefício mensal de um salário mínimo para pessoa com deficiência ou idoso
A CF/88 estabelece, em seu art. 203, V:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A fim de dar cumprimento a esse comando constitucional, foi editada a Lei nº 8.742/93 que, em seus arts. 20 a 21-A, disciplinou como seria pago esse benefício.

Nomenclatura
O art. 20 da Lei nº 8.742/93 denomina esse direito de “Benefício de Prestação Continuada”. Ele também pode ser chamado pelos seguintes sinônimos: “Amparo Assistencial”, “Benefício Assistencial” ou “LOAS”.

Em que consiste esse benefício:
Pagamento de um salário-mínimo por mês
• à pessoa com deficiência; ou
Desde que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
• ao idoso com 65 anos ou mais.

Para receber esse benefício, é necessário que a pessoa contribua ou tenha contribuído para a seguridade social?
NÃO. Trata-se de um benefício de assistência social que será prestado a quem dele necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. A assistência social é caracterizada por ser um sistema não-contributivo, ou seja, é prestada independentemente de contribuição.

Quem administra e concede esse benefício?
Apesar de o LOAS não ser um benefício previdenciário, mas sim assistencial, ele é concedido e administrado pelo INSS. Vale ressaltar, no entanto, que os recursos necessários ao seu pagamento são fornecidos pela União (art. 29, parágrafo único, da Lei nº 8.742/93).
Assim, a competência para julgar ações que discutam esse benefício é da Justiça Federal.

Renda que a lei considera como sendo insuficiente para subsistência
Pela redação da Lei nº 8.742/93, considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Exceção: a Lei nº 13.982/2020 acrescentou o art. 20-A à Lei nº 8.742/93 prevendo a possibilidade de se ampliar o máximo de renda mensal per capita para concessão do BPC. Em outras palavras, esse novo artigo afirma que, durante o período de pandemia do Covid-19, o INSS poderá conceder o BPC mesmo que fique demonstrado que a renda mensal per capita é superior a 1/4 do salário-mínimo, desde que seja de até 1/2 salário-mínimo e se cumpram determinados requisitos. Veja o dispositivo inserido:
Art. 20-A. Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo.
(...)

Critério não é absoluto
Vale ressaltar, no entanto, que o critério de 1/4, acima mencionado como regra geral, não é absoluto.
O Plenário do STF declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (sem pronúncia de nulidade) por considerar que o referido critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. O STF afirmou que, para aferir que o idoso ou deficiente não tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo previsto no § 3º do art. 20.
STF. Plenário. RE 567985/MT e RE 580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18/4/2013 (Info 702).

Desse modo, como a declaração de inconstitucionalidade foi sem pronúncia de nulidade, o critério definido pelo art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 continua existindo no mundo jurídico, mas devendo agora ser interpretado como um indicativo objetivo que não exclui a possibilidade de o juiz verificar a hipossuficiência econômica do postulante do benefício por outros meios de prova (STF. 1ª Turma. ARE 834476 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 03/03/2015).

É como o STJ também vem decidindo:
(...) O limite legal estabelecido no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 não é critério absoluto, de modo que a necessidade/miserabilidade do postulante pode ser comprovada de outras maneiras. (...)
STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1341655/SP, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 06/08/2013.

(...) A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo. Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC).
STJ. 2ª Turma. AgRg no AgRg no AREsp 617.901/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 05/05/2015.

§ 11 do art. 20 da Lei nº 8.742/93
O legislador, de forma acertada, encampou o entendimento jurisprudencial acima explicado e, por meio da Lei nº 13.146/2015, inseriu o § 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93 prevendo o seguinte:
Art. 20 (...)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

O que se entende por renda familiar mensal per capita? Como isso é calculado?
Normalmente, um assistente social vai até a residência da pessoa que está requerendo o benefício e faz entrevistas com ela e os demais moradores da casa, indagando sobre as fontes de renda de cada um, verificando as condições estruturais do lar, os móveis e eletrodomésticos existentes no local etc.
Após isso, é elaborado um laudo social.
A renda familiar mensal per capita é calculada da seguinte forma: soma-se todos os rendimentos dos membros da família que moram na mesma casa que o requerente do benefício e depois divide-se esse valor pelo número de familiares (incluindo o requerente). Ex.: Carla (pessoa com deficiência) mora com seus pais (João e Maria) e mais um irmão (Lucas). João e Maria trabalham e ganham um salário mínimo, cada. Cálculo da renda mensal per capita: 2 salários mínimos divididos por 4 pessoas = 2:4. Logo, a renda mensal per capita será igual a 1/2 do salário mínimo. Neste exemplo, a renda familiar mensal per capita será maior do que o teto imposto pelo art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Mesmo assim, o juiz poderá conceder o benefício, desde que existam outras provas que atestem a miserabilidade da requerente. Não havendo, contudo, tal comprovação, o benefício será negado.

O que se entende por família?
Para os fins da renda familiar do LOAS, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º).

2) BPC E A LEI 13.301/2016
Sabemos que um dos grandes e tristes males causados pelo vírus da zika é que, se uma gestante for infectada, existe o risco de que a criança, ao nascer, apresente problemas neurológicos, dentre eles a chamada microcefalia. Pensando nisso, o que fez a Lei nº 13.301/2016?
A Lei nº 13.301/2016 previu que a criança vítima de microcefalia decorrente de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti possuiria direito de receber, pelo prazo de 3 anos, o benefício de prestação continuada (BPC) que estudamos acima.
Veja qual era a redação do art. 18 da Lei nº 13.301/2016:
Art. 18. Fará jus ao benefício de prestação continuada temporário, a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, pelo prazo máximo de três anos, na condição de pessoa com deficiência, a criança vítima de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.
(...)
§ 2º O benefício será concedido após a cessação do gozo do salário-maternidade originado pelo nascimento da criança vítima de microcefalia.

Assim, o art. 18 da Lei nº 13.301/2016 previu um benefício temporário para as crianças vítimas de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.

PENSÃO MENSAL DA LEI 13.985/2020 (MP 894/2019)
O que fez a Lei nº 13.985/2020 (decorrente da MP 894/2019)?
Instituiu uma pensão especial...
- mensal, vitalícia e intransferível
- a ser paga para as crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus,
- nascidas entre 01/01/2015 a 31/12/2019,
- e que já sejam beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada.

E o benefício do art. 18 da Lei nº 13.301/2016?
Foi revogado. Assim, o benefício do art. 18 da Lei nº 13.301/2016 foi, na prática, “substituído” pela pensão especial trazida pela Lei nº 13.985/2020. O beneficiário não receberá os dois. Quando passar a receber a pensão especial, o BPC cessará.

Essa substituição é vantajosa para os beneficiários?
Sim, por duas razões:
1) o BPC do art. 18 da Lei nº 13.301/2016 era temporário (3 anos, no máximo); já a pensão especial da Lei nº 13.985/2020 é vitalícia.
2) o beneficiário só tinha direito de continuar recebendo o BPC do art. 18 da Lei nº 13.301/2016 se ficasse demonstrado que a família da criança com microcefalia não possuía meios de prover a sua manutenção (a família da criança tinha que se enquadrar no conceito jurídico de economicamente “miserável”); a pensão mensal não faz essa exigência. Assim, por exemplo, mesmo que os pais da criança consigam um bom emprego ou uma outra fonte de renda, ela continuará tendo direito à pensão mensal.

Características da pensão especial
Essa pensão especial é...
• mensal;
• vitalícia (deverá ser paga até a pessoa com Síndrome Congênita do Zika Vírus falecer);
• intransferível (depois que ela falecer, a pensão não se transfere para os herdeiros do beneficiário).

Valor
A pensão especial tem o valor de um salário mínimo.

Inacumulável
A pensão especial não poderá ser acumulada:
• com indenizações pagas pela União em razão de decisão judicial sobre os mesmos fatos; ou
• com o Benefício de Prestação Continuada.

Desistência da ação
O reconhecimento da pensão especial ficará condicionado à desistência de ação judicial que tenha por objeto pedido idêntico sobre o qual versa o processo administrativo.

Termo inicial
A pensão especial será devida a partir do dia posterior à cessação do Benefício de Prestação Continuada ou das indenizações pagas pela União em razão de decisão judicial sobre os mesmos fatos, que não poderão ser acumulados com a pensão.

Não dá direito a abono ou pensão por morte
A pensão especial não gerará direito a:
abono (quando se fala em abono, no Direito Previdenciário, é como se fosse o “13º salário”; assim, em dezembro, não se recebe duas vezes esse valor da pensão; só se recebe o valor normal mensal) ou
pensão por morte (isso porque é um benefício intransferível; assim, quando a vítima da microcefalia morre, a pensão especial cessa e não se transfere aos seus herdeiros).

Quem administra e concede esse benefício?
Essa pensão especial não é um benefício previdenciário, mas sim assistencial. Apesar disso, ele é concedido e administrado pelo INSS.
Assim, o requerimento da pensão especial será realizado no INSS.
De igual forma, a competência para julgar ações que discutam esse benefício é, em regra, da Justiça Federal (art. 109, I, da CF/88).

Exame médico
A Lei prevê que deverá ser realizado exame pericial por perito médico federal para constatar a relação entre a síndrome congênita adquirida e a contaminação pelo vírus da zika.

Origem dos recursos para pagamento das pensões
As despesas necessárias para o pagamento das pensões correrão à conta da programação orçamentária “Indenizações e Pensões Especiais de Responsabilidade da União”.

Benefícios para as mães das crianças
No caso de mães de crianças nascidas até 31 de dezembro de 2019 acometidas por sequelas neurológicas decorrentes da Síndrome Congênita do Zika Vírus, será observado o seguinte:
I - a licença-maternidade de que trata o art. 392 da CLT será de 180 dias;
II - o salário-maternidade de que trata o art. 71 da Lei nº 8.213/91, será devido por 180 dias.

Revogação do art. 18 da Lei nº 13.301/2016
A Lei nº 13.985/2020 revogou o art. 18 da Lei nº 13.301/2016.





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