quinta-feira, 14 de outubro de 2021

A impossibilidade da prestação de alimentos não está configurada pelo simples fato de o genitor se encontrar preso

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Mariana, 6 anos de idade, representada por sua mãe Gabriela, ajuizou ação de alimentos contra Antônio, pai da criança.

Na ação, a autora pede que o réu seja condenado a pagar alimentos no valor mensal de 40% do salário-mínimo.

O juiz julgou o pedido improcedente argumentando que Antônio está preso – cumprindo pena pela prática de um crime – e, portanto, não tem condições de trabalhar. Como ele não tem outra fonte de renda, não é possível que seja condenado a pagar prestação alimentícia.

 

Agiu corretamente o magistrado? O simples fato de o pai estar preso impede que ele seja condenado ao pagamento de pensão alimentícia?

NÃO.

O dever dos genitores em assistir materialmente seus filhos é previsto na CF/88 (arts. 227 e 229) e na legislação infraconstitucional (art. 1.634 do Código Civil e art. 22 do ECA). Os alimentos estão relacionados com o direito à vida digna, o que é protegido, inclusive, por tratados internacionais.

O pai, mesmo estando preso, pode trabalhar.

A legislação permite o desempenho de atividade remunerada na prisão ou fora dela, a depender do regime prisional de cumprimento de pena. O trabalho do condenado, seja ele interno ou externo, é, inclusive, incentivado pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84):

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

 

Em razão da importância do trabalho para a ressocialização, a LEP prevê, inclusive, que o condenado à pena privativa de liberdade é obrigado a trabalhar. Veja:

Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

 

Art. 39. Constituem deveres do condenado:

(...)

V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

 

Se o preso trabalhar, ele tem direito de receber remuneração por isso?

SIM. Confira o que diz o art. 29 da LEP:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

§ 1º O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) a pequenas despesas pessoais;

d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

 

Esse dispositivo da LEP foi recepcionado pela CF/88, conforme decidiu o STF:

O patamar mínimo diferenciado de remuneração aos presos previsto no art. 29, caput, da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP) não representa violação aos princípios da dignidade humana e da isonomia, sendo inaplicável à hipótese a garantia de salário-mínimo prevista no art. 7º, IV, da Constituição Federal.

STF. Plenário. ADPF 336/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2021 (Info 1007).

 

Desse modo, a prisão, por si só, não é motivo suficiente para uma improcedência total do pedido de alimentos.

A impossibilidade da prestação de alimentos não está configurada apenas pelo fato de o genitor se encontrar preso, pois ele pode exercer atividade laborativa remunerada mesmo enquanto estiver recolhido em sistema prisional em regime fechado.

Mesmo que de forma limitada o réu pode exercer atividade remunerada e com isso cumprir com suas obrigações alimentares. O que não pode é a alimentante deixar de ter seu direito resguardado apenas pelo fato de seu genitor, neste momento, se encontrar preso.

Vale ressaltar que se o réu estiver cumprindo pena em regime semiaberto, por exemplo, poderá trabalhar normalmente durante o dia e ser recolhido à prisão apenas no horário noturno.

Ademais, mesmo preso, nada impede que o réu possa ter bens (imóvel, automóveis etc.) e valores (conta bancária, FGTS etc.), podendo contribuir para o sustento da filha.

Logo, a prisão, por si só, não demonstra a incapacidade financeira do réu que impossibilite a fixação de alimentos.

 

Em suma:

O fato de o devedor de alimentos estar recolhido à prisão pela prática de crime não afasta a sua obrigação alimentar, tendo em vista a possibilidade de desempenho de atividade remunerada na prisão ou fora dela a depender do regime prisional do cumprimento da pena.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.882.798-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/08/2021 (Info 704).

 

Vale a pena, por fim, transcrever esse trecho do voto do Min. Ricardo Villas Boas Cueva no qual ele afirma que o ônus de provar a eventual capacidade econômica do genitor não é nem mesmo da autora:

“Ora, a mera condição de presidiário não é um alvará para exonerar o devedor da obrigação alimentar, especialmente em virtude da independência das instâncias cível e criminal.

Indispensável identificar se o preso possui bens, valores em conta bancária ou se é beneficiário do auxílio-reclusão, benefício previdenciário previsto no art. 201 da Constituição Federal, destinado aos dependentes dos segurados de baixa renda presos, direito regulamentado pela Lei nº 8.213/1991, o que pode ser aferido com o encaminhamento de ofícios a cartórios, à unidade prisional e ao INSS.

Ademais, incumbe ao Estado informar qual a condição carcerária do recorrido, a pena fixada, o regime prisional a que se sujeita, se aufere renda com trabalho ou se o utiliza para remição de pena, e, ainda, se percebe auxílio-reclusão, não incumbindo à autora tal ônus probatório, por versarem informações oficiais.”

 


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