quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Incide a causa de aumento de pena do art. 40, III, da LD se o crime foi praticado nas proximidades de escola fechada em razão da COVID-19?

 

Tráfico cometido nas dependências ou imediações de estabelecimentos de ensino

O art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 prevê uma causa de aumento de pena para o caso de o tráfico de drogas ser cometido nas dependências ou imediações de estabelecimentos de ensino:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

(...)

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

 

Qual é a razão da existência dessa causa de aumento de pena?

A aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006, tem como objetivo punir com mais rigor a comercialização de drogas em determinados locais onde se verifique uma maior aglomeração de pessoas, de modo a facilitar a disseminação da mercancia, tais como escolas, hospitais, teatros, unidades de tratamento de dependentes, entre outros (STF. 1ª Turma. HC 118676, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 11/03/2014).

Essa é a lição da doutrina:

“a justificativa para a existência desta majorante diz respeito à enorme facilidade de disseminação do consumo de drogas nesses locais em virtude da maior concentração de pessoas, o que acaba por representar maior risco à saúde pública.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 793)

 

Vamos agora verificar três situações enfrentadas pela jurisprudência:

 

Situação 1 (discutir se precisa examinar quem é o público-alvo):

Ricardo é preso vendendo droga em um beco que fica a 240m da escola pública do bairro.

O Ministério Público denuncia Ricardo pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração foi cometida nas imediações de uma escola.

A defesa questionou a incidência da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que não houve comprovação de que o réu se utilizou daquele local com maior concentração de pessoas para potencializar a disseminação da droga. Além disso, a venda não foi feita para nenhum aluno, funcionário ou frequentador da escola.

 

A tese da defesa foi acolhida na situação 1?

NÃO.

A prática do delito de tráfico de drogas nas proximidades de estabelecimentos de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/06) enseja a aplicação da majorante, sendo desnecessária a prova de que o ilícito visava atingir os frequentadores desse local.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1558551/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 12/09/2017.

 

Para a incidência da majorante prevista no art. 40, inciso III, da Lei nº 11.343/2006 é desnecessária a efetiva comprovação de que a mercancia tinha por objetivo atingir os estudantes, sendo suficiente que a prática ilícita tenha ocorrido em locais próximos, ou seja, nas imediações de tais estabelecimentos, diante da exposição de pessoas ao risco inerente à atividade criminosa da narcotraficância.

STJ. 6ª Turma. HC 359.088/SP. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 04/10/2016.

 

Justamente por essa razão, o STJ entende que esta causa de aumento de pena tem natureza objetiva, de forma que não importa a intenção do agente:

Em relação à causa de aumento do art. 40, inciso III, da Lei de Drogas, cumpre destacar que a respectiva majorante tem caráter objetivo, prescindindo da análise da intenção do acusado em comercializar drogas com alunos das instituições de ensino.

STJ. 5ª Turma. HC 359.467/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 18/08/2016.

 

Situação 2 (discutir se existe a majorante em caso de a escola estar fechada naquele horário):

João, viciado em droga, liga para Pedro, traficante, pedindo para comprar cocaína.

Eles combinam de se encontrar no domingo, às 2h da madrugada, em frente à escola pública existente no bairro.

No momento em que o traficante está entregando o entorpecente, aparece a viatura da polícia e efetua a prisão em flagrante do agente.

O Ministério Público denuncia Pedro pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração foi cometida nas imediações de uma escola.

A defesa questionou a incidência da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que a mera proximidade da escola não basta para configurar a referida majorante, mesmo porque, pelo dia e horário do crime, o estabelecimento de ensino encontrava-se fechado.

 

A questão chegou até o STJ. Afinal de contas, neste caso concreto, deve incidir ou não a causa de aumento de pena do art. 40, III?

NÃO.

Não incide a causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso III, da Lei nº 11.343/2006, se a prática de narcotraficância ocorrer em dia e horário em que não facilite a prática criminosa e a disseminação de drogas em área de maior aglomeração de pessoas.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.719.792-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 13/03/2018 (Info 622).

 

No caso concreto, o crime foi praticado durante a madrugada, em um domingo, ou seja, em horário em que obviamente a escola não estava em funcionamento. Assim, a proximidade da escola foi um elemento meramente circunstancial, sem qualquer relação real e efetiva com a traficância realizada pelo acusado.

Ainda que se trate de majorante de cunho precipuamente objetivo - ou seja, não é necessário demonstrar que o acusado pretendesse atingir as pessoas (notadamente alunos) do estabelecimento de ensino, mas apenas beneficiar-se de sua proximidade - também não se pode, por outro lado, esquecer de uma interpretação teleológica da norma em tela. Ora, o aumento de pena imposto àquele que trafica nas dependências ou imediações de estabelecimento de ensino justifica-se nos benefícios advindos ao agente com a mercancia nas proximidades de tal estabelecimento, diante da maior circulação de pessoas e da possibilidade de se atingir os frequentadores do local.

Essa conclusão não retira o caráter objetivo da majorante, pois continua sendo desnecessária a demonstração de que o acusado tivesse o dolo de atingir aquele público específico. Mas é preciso que o cometimento do tráfico naquele local (ou seja, nas proximidades da escola) represente um proveito ilícito maior ao agente, maximizando o risco exposto àqueles que frequentam a escola (alunos, pais, professores, funcionários etc).

 

Situação 3 (discutir se existe a majorante em caso de a escola estar fechada por conta da Covid-19):

No dia 28/4/2020, auge da pandemia da Convid-19, João, viciado em droga, liga para Pedro, traficante, pedindo para comprar cocaína.

Eles combinam de se encontrar no segunda, às 14h, em frente à escola pública existente no bairro.

No momento em que o traficante está entregando o entorpecente, aparece a viatura da polícia e efetua a prisão em flagrante do agente.

O Ministério Público denuncia Pedro pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração foi cometida nas imediações de uma escola.

A defesa questionou a incidência da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que a mera proximidade da escola não basta para configurar a referida majorante, mesmo porque, pelo dia e horário do crime, o estabelecimento de ensino encontrava-se fechado em razão da Covid-19.

 

A questão chegou até o STJ. Afinal de contas, neste caso concreto, deve incidir ou não a causa de aumento de pena do art. 40, III?

NÃO.

Como vimos acima, para o reconhecimento da majorante prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas, não é necessária a comprovação da efetiva mercancia nos locais elencados na lei, tampouco que a substância entorpecente atinja, diretamente, os trabalhadores, os estudantes, as pessoas hospitalizadas etc., sendo suficiente que a prática ilícita ocorra nas dependências, em locais próximos ou nas imediações de tais localidades.

Contudo, no caso concreto, verificou a presença de uma particularidade que, à luz da mens legis da referida majorante, justifica sua não incidência em desfavor do acusado.

No caso em exame, o tráfico foi cometido 28/4/2020, momento em que as escolas de ensino do Distrito Federal estavam fechadas por conta das medidas restritivas de combate à Covid-19, situação que perdurou entre março de 2020 e agosto de 2021, quando as aulas presenciais foram retomadas.

A proximidade do comércio ilícito de drogas com os estabelecimentos de ensino e esporte foi, na verdade, um elemento meramente acidental, sem nenhuma relação real e efetiva com a traficância por ele realizada.

Não há nenhum dado concreto de que haja o réu se aproveitado das facilidades de eventual aglomeração de estudantes, de professores ou mesmo de casual hipossuficiência dos alunos da escola para, a partir delas, implementar o seu negócio ilícito e propagar, com maior facilidade, a venda, a aquisição, a exposição à venda etc. de drogas. Também não se observa que tenha sido incrementado o risco a que se poderiam expor os alunos da escola e frequentadores do conjunto poliesportivo em razão da conduta em apreço.

Nesse contexto, por mais que tanto a jurisprudência quanto a doutrina entendam ser a majorante descrita no inciso III do art. 40 de caráter precipuamente objetivo (não é, pois, em regra, necessário que se comprove a efetiva mercancia nos locais elencados na lei, tampouco que a substância entorpecente atinja, diretamente, os trabalhadores, os estudantes, as pessoas hospitalizadas etc.), não há como perder de vista a razão de ser da causa especial de aumento de pena em questão.

Se, no caso, não ficou evidenciado nenhum benefício advindo ao recorrido com a prática do delito nas proximidades ou nas imediações dos referidos estabelecimentos de ensino e complexo poliesportivo e se também não houve uma maximização do risco exposto àqueles que frequentam tais locais, não há, absolutamente, como reconhecer a incidência da referida majorante em desfavor do réu.

 

Em suma:

 

Resumindo. Causa de aumento de pena do inciso III do art. 40 da LD:

• INCIDE mesmo que o tráfico não tivesse como objetivo atingir os frequentadores da escola. Isso porque esta majorante tem caráter objetivo, dispensando a análise da intenção do acusado em comercializar drogas com alunos ou frequentadores das instituições de ensino;

• NÃO INCIDE se a prática de narcotraficância ocorrer em dia e horário em que a escola esteja fechada, de forma que não facilite a prática criminosa e a disseminação de drogas em área de maior aglomeração de pessoas.

• NÃO INCIDE se o crime foi praticado nas proximidades de escola fechada em razão da Covid-19.


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