terça-feira, 9 de outubro de 2018

Comentários à Lei 13.726/2018 (Lei da Desburocratização)



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei nº 13.726/2018 com o objetivo de racionalizar (desburocratizar/simplificar) atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Veja abaixo um resumo dos principais pontos da Lei:

Racionalização dos atos e procedimentos administrativos
O objetivo da Lei nº 13.726/2018 foi o de racionalizar atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Para fazer isso, a Lei suprimiu ou simplificou formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas.
Existem determinadas formalidades e exigências que não justificam seu custo/benefício. Em outras palavras, o custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, é maior do que eventual risco de fraude.

Formalidades e exigências que foram dispensadas
Art. 3º Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de:

Apesar de a lei falar em “cidadão”, o art. 3º deve ser interpretado em sentido amplo, abrangendo:
• todas as pessoas físicas (mesmo que não tenham direitos políticos, como, por exemplo, menores de 16 anos, estrangeiros, pessoas condenadas com trânsito em julgado etc.);
• as pessoas jurídicas (ex: uma empresa que formula pedido de alvará);
•  os entes despersonalizados (ex: condomínio, massa falida etc.).

Atenção. Essa lista de dispensas vale apenas para as relações do particular com o Poder Público, ou seja, a Administração Pública não poderá exigir tais providências dos administrados. Entre os particulares, é possível que se continue exigindo todas essas formalidades. Ex: em um contrato de compra e venda entre dois particulares, a parte pode continuar exigindo o reconhecimento de firma no cartório.

I - reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento;

Firma = assinatura.
Reconhecimento de firma é o ato do tabelião de notas por meio do qual ele analisa a assinatura e declara que ela é autêntica, ou seja, que pertence àquela pessoa que assinou. Esse reconhecimento pode ser feito por três métodos:
a) por autenticidade;
b) por semelhança;
c) por abono.

O reconhecimento de firma é uma atividade exclusiva do tabelião de notas, conforme previsto no art. 7º, IV, da Lei nº 8.935/94.
Trata-se de um serviço pago, o que acaba gerando um custo extra para os interessados.
A Lei nº 13.726/2018 afirma que, nas relações entre o cidadão e o Poder Público, não se pode mais exigir reconhecimento de firma. Assim, se você tiver que apresentar um documento assinado para a Administração Pública, não se pode exigir que ele tenha a “firma reconhecida”, ou seja, você não precisará mais ir até o cartório para autenticar sua assinatura.

Qual é o procedimento?
• Quando o documento já for levado assinado para a Administração Pública: o agente administrativo deverá comparar a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário. Se forem semelhantes (aparentemente iguais), ele irá atestar isso no próprio documento (a lei chama de “lavrar a sua autenticidade”).
• Outra situação possível é o interessado assinar o documento na frente do agente administrativo. Neste caso, o servidor também irá lavrar a autenticidade da assinatura.

II - autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade;

Autenticação de cópia: é o ato do tabelião de notas por meio do qual ele analisa a cópia de um documento e declara que ela corresponde (é idêntica) ao original do qual foi extraída.
O art. 7º, IV, da Lei nº 8.935/95 afirma que a autenticação de cópia é uma atividade exclusiva do tabelião de notas.
A autenticação de cópia reprográfica feita em tabelionato de notas é reconhecida como prova pelo Código Civil:
Art. 223. A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original.
Parágrafo único. A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição.

O art. 3º, II, da Lei nº 13.726/2018 prevê que a “autenticação de cópia de documento” realizada por tabelião de notas é dispensada para a Administração Pública.
Se o documento for destinado à Administração Pública, o próprio agente administrativo é quem irá atestar a autenticidade da cópia, ou seja, o servidor público irá comparar a cópia com o original e carimbar/assinar ou fazer uma certidão dizendo: “confere com o original”.
Vale ressaltar que esse atestado de autenticidade firmado pelo agente administrativo tem força probatória apenas no âmbito da Administração Pública, não vinculando, por exemplo, particulares.

III - juntada de documento pessoal do usuário, que poderá ser substituído por cópia autenticada pelo próprio agente administrativo;

O que esse inciso pretende dizer é o seguinte: em requerimentos ou processos administrativos, não é necessário que o interessado junte (entregue) o original dos seus documentos pessoais, bastando uma cópia que será autenticada pelo próprio agente administrativo.

IV - apresentação de certidão de nascimento, que poderá ser substituída por cédula de identidade, título de eleitor, identidade expedida por conselho regional de fiscalização profissional, carteira de trabalho, certificado de prestação ou de isenção do serviço militar, passaporte ou identidade funcional expedida por órgão público;

Em requerimentos ou processos administrativos, o interessado, em vez da certidão de nascimento, poderá apresentar:
• cédula de identidade;
• título de eleitor;
• identidade expedida pelos conselhos profissionais (ex: CREA, CRM, CRC, OAB);
• carteira de trabalho;
• certificado de prestação ou de isenção do serviço militar;
• passaporte
• identidade funcional expedida por órgão público (ex: carteira funcional de Procurador do Estado).

V - apresentação de título de eleitor, exceto para votar ou para registrar candidatura;

Não se pode exigir a apresentação de título de eleitor, exceto para votar ou para registrar candidatura.
O objetivo deste inciso foi o de evitar cadastramento indevido de cidadãos com objetivos eleitoreiros. Ex: determinado posto de saúde faz o atendimento das pessoas e exige a apresentação do título de eleitor para coletar dados referentes à seção eleitoral. Nas proximidades da eleição, o Secretário de Saúde, Vereador ou Prefeito que tem ingerência política sobre aquele posto procura esses usuários e pede votos relembrando a prestação desses serviços como se tivesse sido um favor realizado.

Obs: apesar de o inciso falar apenas nessas duas hipóteses, entendo que também é possível exigir a apresentação de título de eleitor em outros assuntos relacionados com alistamento eleitoral. Ex: não há qualquer abusividade no fato de o TRE exigir a apresentação do título de eleitor para que o cidadão faça seu recadastramento biométrico ou para que mude a sua seção eleitoral.

VI - apresentação de autorização com firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.

O Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina, em seus arts. 83 a 85, as regras que envolvem a viagem de crianças e adolescentes. Veja abaixo o resumo das situações:

                                                                 Viagem NACIONAL
Situação
Necessária autorização?
Criança viajar com o pai e a mãe.
NÃO
Criança viajar só com o pai ou só com a mãe.
NÃO
Criança viajar com algum ascendente (avô, bisavô).
NÃO
(nem dos pais nem do juiz)
Criança viajar com algum colateral, maior de idade, até 3º grau (irmão, tio e sobrinho).
NÃO
(nem dos pais nem do juiz)
Criança viajar acompanhada de uma pessoa maior de idade, mas que não seja nenhum dos parentes acima listados (ex: amigo da família, chefe de excursão, treinador de time).
SIM
Será necessária uma autorização expressa do pai, mãe ou responsável (ex: tutor) pela criança.
Criança viajar sem estar acompanhada por uma pessoa maior de idade.
SIM
Será necessária uma autorização do juiz da infância e juventude.
Criança viajar desacompanhada de parentes para comarca vizinha, localizada dentro do mesmo Estado, ou para comarca que pertença à mesma região metropolitana.
NÃO
(nem dos pais nem do juiz)
Adolescente viajar desacompanhado de pais, responsável, parente ou qualquer outra pessoa.
NÃO
Adolescentes podem viajar pelo Brasil sem autorização.

Viagem ao EXTERIOR
Situação
Necessária autorização?
Criança ou adolescente viajar acompanhado do pai e da mãe.
NÃO
Criança ou adolescente viajar com o seu responsável (ex: guardião, tutor ou curador).
NÃO
Criança ou adolescente viajar só com o pai ou só com a mãe.
SIM
Nesse caso, será necessária:
1) autorização judicial; OU
2) autorização expressa do pai ou mãe que não for viajar, através de documento com firma reconhecida.
Obs: não será necessária autorização com firma reconhecida se os pais estiverem presentes no embarque (NOVIDADE).
Criança ou adolescente viajar desacompanhado
SIM
Nesse caso, será necessária:
1) autorização judicial; OU
2) autorização expressa do pai e da mãe, com firma reconhecida.
Obs: não será necessária autorização com firma reconhecida se os pais estiverem presentes no embarque (NOVIDADE).
Criança ou adolescente viajar em companhia de terceiros maiores e capazes, designados pelos genitores.
Em todos os outros casos (ex: avô, tio, irmão, chefe de excursão, treinador de time etc.).
Criança ou adolescente nascido no Brasil viajar em companhia de residente ou domiciliado no exterior.
SIM
Necessária prévia e expressa autorização judicial.

A não-observância das regras acima poderá ensejar a prática da infração administrativa prevista no art. 251 do ECA:
Art. 251. Transportar criança ou adolescente, por qualquer meio, com inobservância do disposto nos arts. 83, 84 e 85 desta Lei:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

A previsão do inciso VI do art. 3º da Lei nº 13.726/2018 é salutar. Isso porque já houve casos de viagens ao exterior que tiveram que ser remarcadas por conta do excesso de burocracia. A criança viajaria só com a mãe, o pai estava presente no momento do embarque, mas eles não sabiam que precisavam de uma autorização por escrito com firma reconhecida. Como era noite de sábado, não se tinha como conseguir as formalidades naquele momento, razão pela qual a criança não pode embarcar e a viagem restou frustrada.

O CNJ possui uma normatização sobre o tema, qual seja, a Resolução nº 131/2011. Veja o que diz o art. 1º da Resolução:
Art. 1º É dispensável autorização judicial para que crianças ou adolescentes brasileiros residentes no Brasil viajem ao exterior, nas seguintes situações:
I) em companhia de ambos os genitores;
II) em companhia de um dos genitores, desde que haja autorização do outro, com firma reconhecida;
III) desacompanhado ou em companhia de terceiros maiores e capazes, designados pelos genitores, desde que haja autorização de ambos os pais, com firma reconhecida.

A parte final dos incisos II e III da Resolução do CNJ tornou-se ilegal e deverá ser modificada para se adequar à dispensa prevista no art. 3º, VI, da Lei nº 13.726/2018.

QUADRO-RESUMO:
Lei nº 13.726/2018
Na relação dos órgãos e entidades com o cidadão, é DISPENSADA a exigência de:
1) Reconhecimento de firma
O agente administrativo que receber o documento irá lavrar a autenticidade da assinatura no próprio documento.
Para isso, ele irá confrontar a assinatura presente no documento com aquela que está na cédula de identidade do signatário. Ou então, o signatário irá assinar o documento na presença do agente administrativo.
2) Autenticação de cópia de documento
O agente administrativo que receber o documento irá comparar o original e a cópia e atestar a autenticidade.
3) Juntada de documento pessoal do usuário
O documento pessoal do usuário poderá ser substituído por cópia autenticada pelo próprio agente administrativo.
4) Apresentação de certidão de nascimento
A certidão de nascimento poderá ser substituída por cédula de identidade, título de eleitor, identidade expedida por conselho regional de fiscalização profissional, carteira de trabalho, certificado de prestação ou de isenção do serviço militar, passaporte ou identidade funcional expedida por órgão público.
5) Apresentação de título de eleitor
O título de eleitor somente poderá ser exigido para votar ou para registrar candidatura.
6) Autorização com firma reconhecida para viagem de menor
Poderá ser dispensada a apresentação de autorização com firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.


§ 1º É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido.

Ex: se na certidão de casamento já consta a averbação do divórcio, não pode a Administração Pública exigir a sentença de divórcio se o objetivo é unicamente comprovar este fato (dissolução do vínculo conjugal).

§ 2º Quando, por motivo não imputável ao solicitante, não for possível obter diretamente do órgão ou entidade responsável documento comprobatório de regularidade, os fatos poderão ser comprovados mediante declaração escrita e assinada pelo cidadão, que, em caso de declaração falsa, ficará sujeito às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis.

Ex: determinado candidato aprovado no concurso público de Juiz de Direito precisa apresentar certidão de antecedentes criminais da Polícia Civil. Ocorre que o sistema informatizado encontra-se instável e sem previsão de retorno. Diante disso, é possível que o interessado faça a declaração por escrito de que nunca foi indiciado em nenhum inquérito policial, apresentando esta documentação ao Tribunal de Justiça a fim de garantir a sua inscrição definitiva ou posse.

Ainda no mesmo exemplo, se este candidato sabe que foi indiciado em um inquérito policial e, mesmo assim, apresentou declaração falsa, ele poderá ficar sujeito às seguintes sanções:
• sanção administrativa: eliminação do concurso, anulação do ato de posse ou demissão.
• sanção cível: ressarcimento pelos prejuízos causados.
• sanção penal: processo penal pela prática de falsidade ideológica (art. 299 do CP).

§ 3º Os órgãos e entidades integrantes de Poder da União, de Estado, do Distrito Federal ou de Município não poderão exigir do cidadão a apresentação de certidão ou documento expedido por outro órgão ou entidade do mesmo Poder, ressalvadas as seguintes hipóteses:
I - certidão de antecedentes criminais;
II - informações sobre pessoa jurídica;
III - outras expressamente previstas em lei.

Ex: a Secretaria Municipal de Urbanismo exige que o requerimento de alvará de funcionamento seja instruído com a certidão negativa de tributos municipais. Esta exigência não mais poderá ser feita porque viola o § 3º do art. 3º da Lei nº 13.726/2018. A certidão negativa de tributos é expedida pela Secretaria de Fazenda do Município, órgão também integrante do Poder Executivo municipal, assim como a Secretaria de Urbanismo.
A lógica desse dispositivo é a seguinte: os órgãos e entidades integrantes do mesmo Poder devem possuir um sistema de comunicação interna e de intercâmbio de informações, não sendo razoável exigir do administrado que busque certidões e documentos que podem ser acessados facilmente pelos servidores daquele órgão ou entidade.

Comunicação entre o Poder Público e o cidadão
REGRA: a comunicação entre o Poder Público e o cidadão poderá ser feita por qualquer meio. Exs: comunicação verbal direta, comunicação verbal telefônica, comunicação por e-mail (correio eletrônico).
Essa circunstância deverá ser registrada quando necessário. Ex: servidor pode fazer uma certidão dizendo que forneceu, verbalmente, determinada informação ao interessado que veio saber sobre determinado processo administrativo, sendo isso juntado aos autos.

EXCEÇÃO: em caso de imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades, a comunicação não pode ser feita de modo informal, devendo observar as formalidades necessárias para registro adequado do ato.

Vigência
O art. 10 previa que a Lei nº 13.726/2018 deveria entrar em vigor na data de sua publicação.
Ocorre que esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República sob o argumento de que a Lei nº 13.726/2018 possui grande repercussão e, por essa razão, deverá ter um prazo maior de vacatio legis a fim de que permita que os órgãos e entidades possam se adaptar a ela.
Com o veto do art. 10, a Lei ficou sem previsão expressa sobre o início de sua vigência.
Quando uma lei não traz a previsão do início de sua vigência, em qual data ela entrará em vigor?
45 dias após a sua publicação.
É o que prevê o art. 1º da LINDB:
Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

Logo, como a Lei nº 13.726/2018 não tem disposição expressa acerca de sua vigência, ela entrará em vigor 45 dias após a sua publicação, ou seja, em 23/11/2018.

Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal. Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.





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