sábado, 9 de fevereiro de 2019

STF acolhe pedido do Ministério Público para retificar a ementa do acórdão deixando expresso o entendimento de que, em regra, não é necessária a transcrição integral das interceptações



Imagine a seguinte situação:
Estava ocorrendo uma investigação criminal de autoridade com foro por prerrogativa de função no STF.
O Ministro Relator autorizou a interceptação telefônica dos investigados.
Essa interceptação durou alguns meses e depois a operação foi deflagrada.
A requerimento da defesa, o Ministro Relator determinou que todas as conversas fossem transcritas, ou seja, elas estavam em áudio e ele determinou que a Polícia “passasse para o papel” os diálogos.
O Ministério Público não concordou com a decisão do Ministro e recorreu para o Plenário (interpôs agravo regimental) dizendo o seguinte: a jurisprudência do STF não exige que os diálogos interceptados sejam transcritos na íntegra.

O que decidiu o Plenário? As interceptações telefônicas precisam ser transcritas na sua integralidade? Todos os diálogos captados precisam ser transcritos?
REGRA: NÃO.
Em regra, é desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas, pois basta que se tenham degravados os trechos necessários ao embasamento da denúncia oferecida.
Assim, o fato de não ter sido realizada a transcrição integral das interceptações NÃO ofende o princípio do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF/88).
Desse modo, de acordo com a jurisprudência do STF e do STJ, não há nulidade caso não seja realizada a transcrição integral das conversas telefônicas interceptadas, sendo necessário apenas que sejam transcritos os trechos necessários ao embasamento da denúncia oferecida e que seja disponibilizada à defesa a mídia (CD, DVD, arquivo digital etc.) para que esta possa ter acesso a todos os diálogos captados.

EXCEÇÃO:
A degravação integral será obrigatória se o magistrado entenda que essa providência é necessária para que ele possa, no caso concreto, julgar a ação penal.
Em outras palavras, se o magistrado indeferir a transcrição integral das conversas, a defesa não pode alegar nulidade.
Por outro lado, se o magistrado entender que, naquele caso concreto, essa medida é necessária, o Ministério Público também não pode invocar nulidade.

Foi isso que decidiu o Plenário do STF na AP 508 AgR/AP, julgada em 7/2/2013:
Não é necessária a transcrição integral dos diálogos captados por meio de interceptação telefônica. Basta que sejam transcritos os trechos necessários ao embasamento da denúncia oferecida e que seja entregue à defesa todo o conteúdo das gravações em mídia eletrônica.
No entanto, não haverá, em princípio, qualquer irregularidade caso o juiz da causa entenda pertinente a degravação de todas as conversas e determine a sua juntada aos autos.

Em uma frase: não é imprescindível que a transcrição de interceptações telefônicas seja feita integralmente, salvo nos casos em que esta for determinada pelo relator do processo.

Qual foi, no entanto, o “problema”?
O Ministro Relator Marco Aurélio possui a posição pessoal de que a transcrição integral das conversas é SEMPRE obrigatória.
Assim, se a defesa pedir a degravação integral, o magistrado seria obrigado a determinar, em todo e qualquer processo criminal.
Diante disso, o Ministro Marco Aurélio, ao elaborar a ementa da AP 508 AgR/AP, fez constar essa sua posição pessoal. A ementa ficou assim redigida:
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – MÍDIA – DEGRAVAÇÃO.
A degravação consubstancia formalidade essencial a que os dados alvo da interceptação sejam considerados como prova – artigo 6º, § 1º, da Lei nº 9.296/96.
(AP 508 AgR, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 07/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 16-08-2013 PUBLIC 19-08-2013 RTJ VOL-00227-01 PP-00011)

Ocorre que, conforme já explicado, os demais Ministros que julgaram a AP 508 AgR/AP, não concordaram com essa tese. O que a maioria dos Ministros disse é que, em regra, não é necessária a degravação integral, mas que, naquele caso concreto, essa providência deveria ser mantida já que o Ministro Relator entendeu que era necessária para ele julgar. Em outras palavras, os Ministros acompanharam o Ministro Marco Aurélio naquele julgamento, mas apenas por conta das particularidades do caso concreto (e não por que concordem com a tese absoluta da indispensabilidade da transcrição integral).

Diante desse cenário, o que fez o Ministério Público?
Pediu para que o Ministro Marco Aurélio retificasse a ementa para deixar claro que houve uma peculiaridade no caso concreto e que nem sempre será necessária a transcrição integral.
O Ministro entendeu que não havia erro na ementa e, portanto, indeferiu o pedido do Parquet.
O MP interpôs agravo regimental.

O que decidiu o Plenário do STF? A ementa deve ser corrigida?
SIM.
O Plenário do STF reafirmou o entendimento de que não é imprescindível que a transcrição de interceptações telefônicas seja feita integralmente, salvo nos casos em que esta for determinada pelo relator do processo.
Além disso, o Plenário acolheu o pedido do MP para que a redação da ementa do acórdão seja revista com o objetivo de ser mais clara sobre o entendimento do STF e afastar a ambiguidade.
Essa decisão do STF foi proferida no dia 06/02/2019.




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