quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Adulterar o sistema de medição da energia elétrica para pagar menos que o devido: estelionato (não é furto)



Imagine a seguinte situação hipotética:
João estava pagando muito pela energia elétrica e, olhando cuidadosamente o medidor, teve uma ideia. Ele resolveu isolar as fases “A” e “B” do medidor com um material transparente (uma substância gelatinosa, tipo um “slime”). Isso fez com que o relógio passasse a correr mais devagar do que o normal, registrando menos energia do que a efetivamente consumida.
A companhia de energia elétrica passou a desconfiar de erro na medição do relógio a partir da queda brusca ocorrida a partir de determinado dia. Diante disso, os fiscais da empresa foram até o local e constataram a fraude.

Qual foi o crime praticado por João: FURTO ou ESTELIONATO?
Estelionato.
A alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo de energia elétrica configura estelionato.
STJ. 5ª Turma. AREsp 1.418.119-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/05/2019 (Info 648).

No furto, a fraude tem por objetivo diminuir a vigilância da vítima e possibilitar a subtração da coisa (inversão da posse). O bem é retirado sem que a vítima perceba que está sendo despojada de sua posse. No estelionato, por sua vez, a fraude tem por finalidade fazer com que a vítima incida em erro e voluntariamente entregue o objeto ao agente criminoso, baseada em uma falsa percepção da realidade.
No exemplo acima, não se trata da figura do “gato” de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Estamos a falar em serviço lícito, prestado de forma regular e com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo – fraude – por induzimento em erro, da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no tipo elencado no art. 171, do Código Penal (estelionato).

Conforme ensina Rogério Greco:
“Aquele que desvia a corrente elétrica antes que ela passe pelo registro comete o delito de furto. É o que ocorre, normalmente, naquelas hipóteses em que o agente traz a energia para sua casa diretamente do poste, fazendo aquilo que popularmente é chamado de “gato”. A fiação é puxada, diretamente, do poste de energia elétrica para o lugar onde se quer usá-la, sem que passe por qualquer medidor.
Ao contrário, se a ação do agente consiste, como adverte Noronha (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, v. 2, p. 232), ‘em modificar o medidor, para acusar um resultado menor do que o consumido, há fraude, e o crime é estelionato, subentendido, naturalmente, o caso em que o agente está autorizado, por via de contrato, a gastar energia elétrica. Usa ele, então, de artifício que induzirá a vítima a erro ou engano, com o resultado fictício, do que lhe advém vantagem ilícita’” (GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 6ª ed., Niterói: Impetus, p. 557).

Tabela comparativa:
“Gato”
Alteração do sistema de medição
O agente desvia a energia elétrica de sua fonte natural por meio de ligação clandestina, sem passar pelo medidor.
O agente altera o sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo.
Trata-se de FURTO.
Trata-se de ESTELIONATO.
No furto, a fraude tem por objetivo diminuir a vigilância da vítima e possibilitar a subtração da coisa (inversão da posse).
O bem é retirado sem que a vítima perceba que está sendo despojada de sua posse.
A concessionária não sabe que está fornecendo energia elétrica para aquele indivíduo. Ele está desviando (subtraindo) a energia da rede.
A fraude tem por finalidade fazer com que a vítima incida em erro e voluntariamente entregue o objeto ao agente criminoso, baseada em uma falsa percepção da realidade.
A concessionária sabe que está fornecendo energia elétrica para aquele consumidor, mas a fraude faz com que ela não perceba que ele está pagando menos do que deveria.




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