sábado, 9 de outubro de 2021

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira

 

O que é o chamado “auxílio emergencial”

O Auxílio Emergencial é um benefício financeiro, instituído pela Lei nº 13.982/2020, pago pela União a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e que foi criado com o objetivo de fornecer proteção emergencial, pelo prazo de poucos meses, às pessoas que perderam sua renda em virtude da crise causada pela Covid-19.

 

O valor do auxílio emergencial pode ser penhorado?

Em regra, não. Isso porque se trata de verba de natureza alimentar, sendo impenhorável, nos termos do art. 833, IV, do CPC:

Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

 

O CNJ expediu, inclusive, a Resolução nº 318/2020, na qual recomenda que os magistrados não efetuem a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas:

Art. 5º Recomenda-se que os magistrados zelem para que os valores recebidos a título de auxílio emergencial previsto na Lei no 13.982/2020 não sejam objeto de penhora, inclusive pelo sistema BacenJud, por se tratar de bem impenhorável nos termos do art. 833, IV e X, do CPC.

Parágrafo único. Em havendo bloqueio de valores posteriormente identificados como oriundos de auxílio emergencial, recomenda-se que seja promovido, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, seu desbloqueio, diante de seu caráter alimentar.

 

Vale ressaltar que esta recomendação tem um caráter mais orientativo do que compulsório, considerando que a decisão sobre o enquadramento ou não da referida parcela como impenhorável está dentro do livre convencimento judicial, não podendo ser punido disciplinarmente o magistrado que, de forma fundamentada, decida em sentido contrário à orientação do CNJ que, como se sabe, é um órgão administrativo.

 

A hipótese de impenhorabilidade do inciso IV do art. 833 do CPC é absoluta ou admite exceções?

Há duas exceções previstas no § 2º do art. 833:

Art. 833 (...)

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º .

 

Desse modo, é possível a penhora de verbas salariais em duas hipóteses:

1) para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um ato ilícito).

 

Observação: essa primeira exceção é plenamente aplicável para o caso do auxílio emergencial. Assim, se o sujeito recebeu os R$ 600,00 do auxílio emergencial, mas está devendo pensão alimentícia, é possível, de acordo com o CPC, que o juiz determine a penhora de até metade desse valor para pagamento da dívida.

 

2) sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos.

 

Observação: essa segunda hipótese não se aplica para o caso do auxílio emergencial, considerando que seu valor era, inicialmente, de apenas R$ 600,00 e com duração inicial de 3 meses. Mesmo com as prorrogações, ainda que a pessoa acumulasse no banco o valor das parcelas do auxílio, isso não superaria 50 salários-mínimos.

 

Vale ressaltar que nessas duas hipóteses excepcionais de penhora, o valor penhorado não poderá exceder 50% dos ganhos líquidos do devedor:

Art. 529 (...)

§ 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos.

 

Resumindo:

Em regra, o valor recebido a título de auxílio emergencial é impenhorável, por se enquadrar como verba de natureza alimentar.

Excepcionalmente, é possível a penhora de 50% desse valor para pagamento de prestação alimentícia, nos termos do art. 833, § 2º c/c art. 529, § 3º, do CPC.

Ex: Pedro recebeu o auxílio emergencial de R$ 600,00; ocorre que ele está devendo a pensão alimentícia a seu filho menor; o magistrado poderá penhorar até 50% desse valor (R$ 300,00) para pagamento da prestação alimentícia.

 

É possível a penhora do auxílio emergencial para pagamento de dívidas com bancos?

NÃO.

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.935.102-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/06/2021 (Info 703).

 

As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2º), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade.

A verba emergencial da covid-19 foi pensada e destinada a salvaguardar pessoas que, em razão da pandemia, presume-se estejam com restrições em sua subsistência, cerceadas de itens de primeira necessidade; por conseguinte, é intuitivo que a constrição judicial sobre qualquer percentual do benefício, salvo para pagamento de prestação alimentícia, acabará por vulnerar o mínimo existencial e a dignidade humana dos devedores.

 

Impossibilidade de o banco efetuar descontos ou compensações envolvendo o valor do auxílio emergencial

Imagine a seguinte situação hipotética:

João fez um mútuo bancário e autorizou que as parcelas a serem pagas deste empréstimo fossem descontadas diretamente de sua conta todas as vezes em que fosse depositado algum dinheiro.

Ocorre que João perdeu seu emprego e passou a não mais receber qualquer valor na conta bancária.

Neste período de pandemia, foi aprovado para receber o auxílio emergencial do governo.

 

Quando o valor do auxílio emergencial for depositado na conta de João, o banco poderá reter esse valor, no todo ou, pelo menos, em parte, para pagamento da dívida?

NÃO. Essa proibição consta expressamente no § 13 do art. 2º da Lei nº 13.982/2020, incluído pela Lei nº 13.998/2020:

Art. 2º (...)

§ 13. Fica vedado às instituições financeiras efetuar descontos ou compensações que impliquem a redução do valor do auxílio emergencial, a pretexto de recompor saldos negativos ou de saldar dívidas preexistentes do beneficiário, sendo válido o mesmo critério para qualquer tipo de conta bancária em que houver opção de transferência pelo beneficiário.


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