segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Você sabe o que o instituto da "candidatura nata"? Ela existe no Brasil?

 

Filiação partidária

No Brasil, a pessoa somente pode concorrer a um cargo eletivo se estiver filiada a um partido político. Isso porque a Constituição Federal exige, como um dos requisitos de elegibilidade, a filiação partidária:

Art. 14 (...)

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

(...)

V - a filiação partidária;

 

No mesmo sentido é o Código Eleitoral:

Art. 87. Somente podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos.

 

 O partido pode registrar quantos candidatos quiser para concorrer à eleição ou existe um limite?

Existe um limite estipulado pelo art. 10 da Lei nº 9.504/97:

Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um). (Redação dada pela Lei nº 14.211/2021)

                                                                                                                          

Assim, por exemplo, se a Câmara do Município “X” é composta por 9 Vereadores, cada partido poderá registrar, no máximo, 10 candidatos daquela agremiação ao cargo de Vereador.

 

No partido, geralmente, existem mais pessoas interessadas em concorrer do que a quantidade de vagas que são disponíveis. Ex: são 10 vagas para o cargo de Vereador e existem 20 interessados. Como o partido escolhe, dentre os filiados interessados, quais serão aqueles que irão concorrer representando o partido na eleição?

O partido faz essa escolha com base em critérios definidos em seu estatuto. É o que diz o art. 7º da Lei nº 9.504/97:

Art. 7º As normas para a escolha e substituição dos candidatos e para a formação de coligações serão estabelecidas no estatuto do partido, observadas as disposições desta Lei.

 

Formalmente, essa escolha é feita em um ato denominado convenção partidária, que deve ocorrer no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano da eleição (art. 8º, da Lei nº 9.504/97).

Na prática, esses candidatos são escolhidos antes e a convenção partidária serve apenas para formalizar isso e anunciar os nomes para a imprensa e público em geral.

 

O indivíduo que já ocupa o cargo eletivo e vai em busca da reeleição possui o direito subjetivo de ser escolhido pelo partido como candidato? Ex: João, filiado ao Partido “X”, já é vereador; ele deseja concorrer à reeleição; pelo fato de já ser vereador, o Partido “X” é obrigado a escolher João como sendo um dos candidatos da agremiação?

NÃO.

O legislador tentou impor essa obrigatoriedade no § 1º do art. 8º da Lei nº 9.504/97:

Art. 8º A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação. (Redação dada pela Lei nº 13.165/2015)

§ 1º Aos detentores de mandato de Deputado Federal, Estadual ou Distrital, ou de Vereador, e aos que tenham exercido esses cargos em qualquer período da legislatura que estiver em curso, é assegurado o registro de candidatura para o mesmo cargo pelo partido a que estejam filiados.

(...)

 

Isso foi denominado pela doutrina e jurisprudência de “candidatura nata”.

Assim, “candidatura nata” é o direito que o titular do mandato eletivo possui de, obrigatoriamente, ser escolhido e registrado pelo partido político como candidato à reeleição.

 

A previsão do § 1º do art. 8º da Lei nº 9.504/97 é constitucional? O instituto da candidatura nata é compatível com a CF/88?

NÃO.

O instituto da “candidatura nata” é incompatível com a Constituição Federal de 1988, tanto por violar a isonomia entre os postulantes a cargos eletivos como, sobretudo, por atingir a autonomia partidária (art. 5º, “caput” e art. 17 da CF/88).

STF. Plenário. ADI 2530/DF, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 18/8/2021 (Info 1026).

 

A denominada “candidatura nata” — entendida como um direito potestativo de detentor de mandato eletivo à indicação pelo partido para as próximas eleições, independentemente de aprovação em convenção partidária — é absolutamente incompatível com a atual atmosfera de liberdade de ação partidária.

A imunização pura e simples do detentor de mandato eletivo contra a vontade colegiada do partido acaba sendo um privilégio completamente injustificado, que contribui tão só para a perpetuação de ocupantes de cargos eletivos, em detrimento de outros pré-candidatos, sem qualquer justificativa plausível para o funcionamento do sistema democrático, e sem que haja meios para que o partido possa fazer imperar os objetivos fundamentais inscritos no seu estatuto.

Num contexto em que a fidelidade partidária é um princípio fundamental da dinâmica dos partidos políticos, especialmente no que diz respeito aos titulares de cargos eletivos obtidos pelo sistema proporcional, cabe ao candidato submeter-se à vontade coletiva do partido, e não o contrário.

A “candidatura nata” contrasta profundamente com esse postulado e, por esse aspecto, esvazia toda a ideia de fidelidade partidária em favor de um suposto “direito adquirido” à candidatura dos detentores de mandato eletivo pelo sistema proporcional.

Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 8º da Lei 9.504/1997, com modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

                                                   

Essa decisão consiste em uma novidade?

NÃO.

Essa ADI foi proposta em setembro de 2001 e, em abril de 2002, o STF concedeu medida cautelar para suspender a eficácia do § 1º do art. 8º da Lei nº 9.504/97.

Assim, desde essa data, esse dispositivo não estava produzindo efeitos e não existia o instituto da candidatura nata no Brasil.

STF. Plenário. ADI 2530 MC, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 24/04/2002.

 

Uma última curiosidade que pode estar afligindo alguns leitores: se o detentor do mandato souber que não será escolhido pelo partido, ele poderá migrar para outra agremiação sem perder o mandato acusado de infidelidade partidária?

Em se tratando de ocupante de cargo do sistema majoritário (Prefeito, Governador, Senador ou Presidente), a situação é mais simples. Isso porque não se exige fidelidade partidária no caso do sistema majoritário (art. 17, § 6º da CF/88) (Súmula 67-TSE). Logo, é possível que ele troque de partido sem perder o mandato, desde que o faça até 6 meses antes do pleito, pois esse é o período mínimo de filiação exigido para registro de candidatura.

Já para o ocupante de cargo do sistema proporcional (Vereador, Deputado Estadual e Deputado Federal), a lei faculta ao parlamentar trocar de partido sem perda de mandato dentro do período denominado “janela partidária”.

Como já mencionado anteriormente, a lei exige um prazo mínimo de 6 meses de filiação para que alguém possa concorrer a cargo público. Nos 30 dias imediatamente anteriores a esse prazo mínimo de filiação, abre-se aos detentores de mandato a possibilidade de mudança de partido sem consequências jurídicas (perda de mandato).

A esse período dá-se o nome de “janela partidária”. Trata-se de uma hipótese em que a justa causa para desfiliação é presumida. Ela está expressamente prevista no art. 22-A, parágrafo único, III, da Lei nº 9.096/95:

Art. 22-A.  Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

Parágrafo único.  Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

(...)

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.


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