sábado, 2 de julho de 2022

A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha na prestação do serviço

 

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

João e a filha Renata, que moram em Belo Horizonte (MG), adquiram ingressos para um grande show que seria realizado no Rio de Janeiro (RJ), no dia 29/11/2015.

Os ingressos foram comprados pela internet, no site da “Ingresso Rápido”, uma empresa que comercializa ingressos on line de eventos realizados por outras empresas.

Um dia antes do evento, João e a filha viajaram de Belo Horizonte (MG) para o Rio de Janeiro (RJ) para participarem do festival.

Depois que chegaram na capital fluminense, eles ficaram sabendo que o evento havia sido cancelado.

Diante disso, João e Renata ajuizaram ação de indenização contra a “Ingresso Rápido” e a empresa organizadora do evento pedindo a reparação dos danos materiais e morais sofridos.

Como estava havendo enorme dificuldade de citação, os requerentes desistiram do prosseguimento do feito em relação à segunda ré.

A “Ingresso Rápido” contestou a demanda argumentando que:

a) é parte ilegítima para a demanda tendo em vista que atuou apenas como intermediadora na venda dos ingressos e que o adiamento foi realizado pela produtora. Logo, se houve culpa, esta foi exclusiva de terceiro;

b) os serviços de intermediação foram prestados por ela e foram efetivamente utilizados pelos requerentes, independentemente do acontecimento do evento;

c) o cancelamento ou adiamento do show não gera danos morais.

 

A questão chegou até o STJ. A empresa ré, neste caso, mesmo sendo mera intermediária da venda dos ingressos, responde pelos prejuízos causados decorrentes do cancelamento do evento?

SIM.

A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha na prestação do serviço.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.985.198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

 

O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar sobre responsabilidade pelo fato do serviço, não faz qualquer distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual se entende que toda a cadeia produtiva é solidariamente responsável.

A venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio. Como se trata do negócio da empresa, ela deverá arcar com o risco da própria atividade empresarial. Isso porque, como a empresa visa ao lucro, esse risco é parte integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço.

É impossível conceber a realização de espetáculo cultural, cujo propósito seja a obtenção de lucro por meio do acesso do público consumidor, sem que a venda do ingresso integre a própria escala produtiva e comercial do empreendimento.

A venda por intermédio da internet alcança um número infinitamente superior à venda presencial e reduz o prazo do retorno dos investimentos empregados.

Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento.

A jurisprudência do STJ é no sentido de que os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes.

A responsabilidade só seria afastada no caso de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não podendo, contudo, uma empresa que integra a cadeia de consumo ser considerada como “terceiro”.

O STJ afastou, por fim, a alegação de que o cancelamento, no caso concreto, não geraria dano moral.

Na hipótese dos autos, o pai e filha deslocaram-se de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro exclusivamente para a participação no evento. Em virtude da ausência eficaz de comunicação do cancelamento/adiamento, nutriram sentimento de frustração, decepção e constrangimento, ante a não realização do evento e a desinformação.

Qualquer interpretação em sentido contrário, estimularia lesões aos consumidores, especialmente porque os fornecedores de produtos ou serviços, sob o argumento de ocorrência de “meros aborrecimentos comuns cotidianos” ou “meros dissabores”, atentariam contra o princípio da correta, segura e tempestiva informação, figura basilar nas relações consumeristas e contratuais em geral. Em síntese, não se pode confundir mero aborrecimento, inerente à vida civil em sociedade, com a consumação de ilícito de natureza civil, passível de reparação.

 

Curiosidades:

• O evento foi cancelado com quatro dias de antecedência;

• O STJ afirmou que não é obrigatório que os autores formulem pedido administrativo prévio de estorno do valor pago, o qual não é pressuposto para o ajuizamento da ação indenizatória;

• Pai e filha foram indenizados por danos morais em R$ 3 mil, cada um, mais os prejuízos materiais.


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