terça-feira, 2 de agosto de 2022

Não comete o crime do art. 10 da Lei 9.296/96 o advogado que grava escondido o depoimento do seu cliente prestado em procedimento de investigação criminal

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

O Ministério Público instaurou procedimento de investigação criminal (PIC) e notificou uma testemunha para ser ouvida no órgão.

A testemunha compareceu ao ato acompanhado de sua advogada.

A causídica, se avisar o membro do Ministério Público, gravou o depoimento com um gravador próprio que estava dentro de sua bolsa.

Posteriormente, o MP soube que houve essa gravação e iniciou investigação contra a advogada pela suposta prática do crime previsto no art. 10 da Lei nº 9.296/96:

Art. 10.  Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

 

A discussão chegou ao chegou ao STJ. Para o Tribunal, a advogada cometeu crime neste caso?

NÃO.

A realização da gravação, nas circunstâncias em que foi feita não se confunde com a escuta ambiental indevida. Na verdade, pode-se até mesmo dizer que a gravação feita pela advogada era autorizada pelo art. 367, § 6º, do CPC, diploma jurídico de aplicação supletiva aos procedimentos administrativos em geral:

Art. 367. (...)

§ 5º A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica.

§ 6º A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.

 

Na hipótese, trata-se de uma gravação ambiental em que a advogada participou do ato, na presença do inquirido e dos representantes do Ministério Público, inclusive se manifestando oralmente durante a sua realização, sendo certo que a gravação, ainda que clandestina ou inadvertida, realizada por um dos interlocutores, não configura crime, escuta ambiental, muito menos interceptação telefônica, mas apenas gravação ambiental.

A adequação típica aventada pelo Ministério Público como justificativa para a instauração do procedimento investigativo é carente de mínima plausibilidade, afigurando-se insuficiência de justa causa à persecução.

Embora não se afigure ética e moralmente louvável a realização de gravação clandestina, contrária às diretrizes preconizadas pela autoridade incumbida para o ato, a realidade é que, naquela conjuntura, não se revelou ilegal, muito menos criminosa.

 

Em suma:



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