sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga deve ser reconhecido como período de detração da pena privativa de liberdade e da medida de segurança

 

O que é detração penal?

A detração penal ocorre quando

- o juiz desconta

- da pena ou da medida de segurança aplicada ao réu

- o tempo que ele ficou preso antes do trânsito em julgado

- ou o tempo em que ficou internado em hospital de custódia (medida de segurança).

 

Exemplo:

Eduardo foi preso em flagrante por roubo com emprego de arma em 02/01/2020.

Foi, então, denunciado pelo crime, tendo respondido o processo preso preventivamente (cautelarmente).

Em 01/08/2020 foi sentenciado a 5 anos de reclusão, tendo ocorrido o trânsito em julgado.

Percebe-se, portanto, que Eduardo ficou preso provisoriamente (antes do trânsito em julgado) durante 7 meses.

Este período de prisão provisória (7 meses) deverá ser descontado, pelo magistrado, da pena imposta a Eduardo (5 anos).

Assim, restará a Eduardo cumprir ainda 4 anos e 5 meses de reclusão.

O ato do juiz de descontar este período é chamado, pela lei, de detração. 

A detração está prevista no art. 42 do Código Penal:

Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

 

Veja como o tema já foi cobrado em prova:

þ (Cartórios TJCE  2018) O abatimento na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, do tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em hospital de custódia, ou outro estabelecimento adequado é chamado de detração. (certo)

þ (Agente Penitenciário 2018 FCC) A detração consiste no cômputo do tempo de prisão preventiva na pena privativa de liberdade. (certo)

“Por prisão provisória, devem ser entendidas todas as formas de prisão cautelar admitidas processualmente: prisão em flagrante, preventiva etc.” ▪Paulo Queiroz, Curso de direito penal. v. 1.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João foi condenado a uma pena de 5 anos de reclusão.

Vale ressaltar que, durante o processo, João não ficou preso preventivamente (não ficou em uma delegacia, cadeira pública ou outra unidade prisional).

No entanto, durante o processo, o juiz determinou que João deveria se submeter à medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno (das 19h às 6h), aos finais de semana e dias não úteis, cumulada com fiscalização eletrônica (tornozeleira eletrônica), nos termos do art. 319, V e IX, do CPP:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:

(...)                                                                          

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

(...)

IX - monitoração eletrônica.

 

Durante 1 ano, João cumpriu essa medida cautelar diversa da prisão.

 

Diante disso, indaga-se: esse 1 ano poderá ser descontado da pena imposta com base na detração?

SIM.

O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga deve ser reconhecido como período a ser detraído da pena privativa de liberdade e da medida de segurança. Isso porque, a despeito de o réu não se encontrar preso em uma unidade prisional, ele está com sua liberdade comprometida.

Deve-se interpretar a legislação que regula a detração de forma que favoreça o sentenciado. Isso harmoniza-se com o Princípio da Humanidade, que impõe ao juízo da Execução Penal a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos.

Se fosse proibida a detração nesse caso, estaríamos diante de excesso de execução e de bis in idem. Isso porque a medida cautelar imposta com base no art. 319, V e IX, do CPP representou uma limitação objetiva à liberdade do réu, ainda que menos grave que a prisão.

A medida cautelar do art. 319, V e IX, impede o acautelado de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis e, dessa forma, assemelha-se ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto.

O cumprimento de pena em regime semiaberto gera direito à detração, razão pela qual a presente situação também deve garantir o mesmo direito.

Aplica-se aqui o brocardo latino Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, que significa, em uma tradução literal: onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra jurídica.

Nas exatas palavras do Min. Joel Ilan Paciornik:

“Nessa conformidade, o recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga estabelece que o investigado deverá permanecer recolhido em seu domicílio durante a noite e nos dias de folga, desde que possua residência e trabalho fixos. Essa medida não se confunde com a prisão domiciliar, mas atinge diretamente a liberdade de locomoção do investigado, ainda que de forma parcial e/ou momentânea, impondo-lhe a obrigação de permanência no local em que reside.

Não há dúvidas de que a determinação de recolhimento domiciliar noturno compromete o status libertatis do acusado, constituindo uma inexorável privação à genuína liberdade.”

 

O STJ, nos casos em que há a configuração dos requisitos do art. 312 do CPP, admite que a condenação em regime semiaberto produza efeitos antes do trânsito em julgado da sentença (prisão preventiva compatibilizada com o regime carcerário do título prisional). Nessa perspectiva, mostra-se incoerente impedir que a medida cautelar que pressuponha a saída do paciente de casa apenas para laborar, e durante o dia, seja descontada da reprimenda.

Desse modo, podemos dizer que as hipóteses previstas no art. 42 do Código Penal (prisão provisória, prisão administrativa e internação) não representam um rol taxativo:

Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

 

No exemplo que dei acima, o juiz determinou a monitoração eletrônica. E se o magistrado não tivesse imposto essa determinação? E se o juiz tivesse determinado, mas não havia tornozeleiras disponíveis? Mesmo assim, o tempo que o réu ficou submetido à medida cautelar de recolhimento seria computado para fins de detração?

SIM.

O monitoramento eletrônico não é condição imprescindível para que o réu tenha direito à detração.

Dizendo de forma mais clara: o réu que cumpra medida cautelar de recolhimento noturno tem direito à detração, mesmo que esteja sem fiscalização eletrônica.

O monitoramento é medida de vigilância, que afeta os direitos fundamentais, destacadamente a intangibilidade corporal do acusado, como o direito à saúde física.

É possível sua aplicação isolada ou cumulativamente com outra medida. Neste último caso, vigia-se o cumprimento da proibição de acesso ou frequência a determinados lugares (art. 319, II), da proibição de ausentar-se da comarca (art. 319, IV), do recolhimento noturno (art. 319, V), ou mesmo da proibição de ausentar-se do país (art. 320) e da própria prisão domiciliar (art. 318).

O monitoramento eletrônico é ainda pouco utilizado no país, seja por conta do alto custo ou, ainda, em razão de dúvidas quanto à efetividade da medida. Além disso, mais de 80% dos casos não se destinam à substituição da prisão, mas sim ao controle e à vigilância de pessoas já condenadas a penas de prisão e que passaram a ser monitoradas durante as saídas temporárias ou na transferência para a prisão domiciliar.

Conforme assevera o Min. Joel Ilan Paciornik:

“(...) levando em conta a precária utilização da medida cautelar e, a partir da consideração de que o recolhimento noturno já priva a liberdade de quem a ele se submete, não se vislumbra a necessidade de dupla restrição para que se possa chegar ao grau de certeza do cumprimento efetivo do tempo de custódia cautelar, notadamente tendo em conta que o monitoramento eletrônico é atribuição do Estado, não podendo o investigado não monitorado receber tratamento não isonômico em relação àqueles que cumpriram a mesma medida de recolhimento noturno e nos dias de folga, mas monitorados.”

 

Obs: aqui nós temos uma mudança de entendimento do STJ. Isso porque, anteriormente, o Tribunal exigia o monitoramento eletrônico. Veja a posição superada:

É possível considerar o tempo submetido à medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis, supervisionados por monitoramento eletrônico, com o tempo de pena efetivamente cumprido, para detração da pena.

STJ. 3ª Seção. HC 455.097/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/04/2021 (Info 693).

 

 

A determinação para o recolhimento domiciliar normalmente é feita em horas (ex: o réu tem que ficar em casa das 19h da sexta-feira até às 6h da segunda-feira). A pena imposta, por sua vez, é fixada em anos, meses e dias (ex: condeno o réu a 5 anos, 1 mês e 10 dias). Como fazer o cálculo da remição? Como transformar essas horas de recolhimento domiciliar em dias?

O cálculo da detração deverá considerar apenas a quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar.

O recolhimento noturno, diferentemente da prisão preventiva, tem restrições pontuais ao direito de liberdade. Por essa razão, o STJ afirmou que o cálculo da detração considerará a soma da quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar com monitoração eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto da pena.

Assim, o tempo a ser aferido para fins de detração é somente aquele em que o acautelado se encontra obrigatoriamente recolhido em casa, não sendo computado o período em que lhe é permitido sair.

A soma das horas de recolhimento domiciliar a que o réu foi submetido devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. E, se no cômputo total remanescer período menor que 24 horas, esse tempo deverá ser desconsiderado, em atenção à regra do art. 11 do Código Penal, segundo a qual devem ser desprezadas, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direito, as frações de dia.

Exemplo hipotético:

O juiz determinou que Pedro fique recolhido durante os fins de semana, de 19h de sexta-feira até às 6h de segunda-feira. Isso representa 59 horas. Ele ficou assim durante 12 fins de semana. Logo, ficou recolhido durante 708 horas (59 x 12). Divide-se 708 por 24 = 29,5.

Pedro terá direito de abater 29 dias da sua pena, sendo desprezado esse 0,5 (que corresponderia a 12 horas).

 

Consolidando as três perguntas e respostas feitas acima em forma de tese:

1. O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado deve ser reconhecido como período a ser detraído da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem.

2. O monitoramento eletrônico associado, atribuição do Estado, não é condição indeclinável para a detração dos períodos de submissão a essas medidas cautelares, não se justificando distinção de tratamento ao investigado ao qual não é determinado e disponibilizado o aparelhamento.

3. A soma das horas de recolhimento domiciliar a que o réu foi submetido devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. Se no cômputo total remanescer período menor que vinte e quatro horas, essa fração de dia deverá ser desprezada.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.977.135-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 23/11/2022 (Recurso Repetitivo – tema 1155) (Info 758).

 

Cuidado

Existem julgados do STF em sentido contrário:

A orientação jurisprudencial desta Suprema Corte é no sentido de que a detração da pena privativa de liberdade não abrange o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão por falta de previsão legal.

STF. 1ª Turma. HC 205.740/SC AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 22/04/2022.

 

Não há que se falar em detração penal do tempo em que o recorrente esteve em cumprimento de medida cautelar, consistente no recolhimento domiciliar noturno. Por força de lei, descabe detrair das penas o período de cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, porquanto o art. 42, do Código Penal, não prevê a aplicabilidade do benefício a esta hipótese, sendo, ainda, manifestamente contrária à lei a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para justificar a detração com base no fato de que algumas espécies de medidas cautelares comprometam o status libertatis do acusado.

RHC 151.575/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 03/8/2018.



quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

INFORMATIVO Comentado 1077 STF (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1077 DO STF


Direito Constitucional

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  É inconstitucional lei estadual que proíba a apreensão e remoção de veículos por falta de pagamento de tributos.

§  É inconstitucional lei municipal que concede gratuidade a idosos nas salas de cinema, de segunda a sexta-feira.

 

MINISTÉRIO PÚBLICO

§  A legislação garante aos membros do MP a prerrogativa de se sentarem do lado direito de juízes durante sessões de julgamentos e nas salas de audiência; essa previsão é constitucional.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

BENS DA UNIÃO

§  A ratificação de registros de terras de fronteira, prevista na Lei 13.178/2015, deve respeitar a política agrícola e o plano nacional de reforma agrária.

 

DIREITO ELEITORAL

ELEIÇÕES

§  É constitucional o prazo de 15 dias para o ajuizamento da representação do art. 30-A da Lei das Eleições.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

PIS E COFINS

§  São constitucionais os dispositivos das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que restringiram o aproveitamento de créditos de PIS/COFINS.


INFORMATIVO Comentado 759 STJ (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 759 DO STJ


DIREITO CONSTITUCIONAL

PODER JUDICIÁRIO

§  Os períodos de férias, recesso, licenças e afastamentos de juiz convocado para atuar como desembargador devem ser considerados quanto ao direito de recebimento de diferença de vencimentos previsto no art. 124 da LOMAN.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

TEMAS DIVERSOS

§  É ilegítimo o ato de autoridade que condiciona a liberação de veículo retido por realizar transporte irregular de passageiros ao pagamento de multa.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR

§  O recebimento de pensão por morte estatutária não afasta a qualidade de dependente da mãe viúva, na forma da redação original do art. 50, § 3º, “b”, da Lei 6.880/80, para direito à assistência médico-hospitalar custeada por fundo de saúde militar.

 

DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO

§  Qual é o termo inicial da prescrição da pretensão de cobrança de honorários ad exitum?

 

DIREITO EMPRESARIAL

ARRENDAMENTO MERCANTIL

§  Durante a vigência do arrendamento mercantil, a sociedade empresária arrendadora é proprietária dos bens arrendados, os quais integram o seu ativo permanente (não circulante).

 

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

§  É possível suspender a habilitação de crédito até que se resolva a controvérsia quanto à existência dele bem como a seu respectivo valor em juízo arbitral, em observância a cláusula compromissória estabelecida entre as partes.

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

§  Em processo de apuração de ato infracional, é inadmissível ação rescisória proposta pelo Ministério Público visando a desconstituição de coisa julgada absolutória.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

INTERESSE DE AGIR

§  Existe interesse de agir para a propositura, mesmo sem prévio requerimento, de ação objetivando a anulação de débito fiscal, com fundamento na ocorrência de erro, perpetrado pelo contribuinte, no preenchimento da declaração de tributos.

 

COISA JULGADA

§  Não faz coisa julgada sobre a integralidade da relação jurídica o pronunciamento judicial que aprecia relações de trato continuado que sofrem modificações de ordem fática e jurídica no tempo.

AÇÃO RESCISÓRIA

§  O julgador decidiu como se a verba executada não fosse alimentar; ocorre que isso mudaria a conclusão do julgado; cabe ação rescisória fundada em erro de fato.

 

EXECUÇÃO (PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE)

§  Após a alteração do art. 921, § 5º, do CPC/2015, promovida pela Lei 14.195/2021, o reconhecimento da prescrição intercorrente e a consequente extinção do processo obstam a condenação da parte que deu causa à ação ao pagamento de honorários sucumbenciais.

 

PROCESSO COLETIVO

§  Não havendo limitação subjetiva no título executivo em razão das particularidades do direito tutelado, é indevida a limitação de sua abrangência aos filiados relacionados na inicial da ação coletiva proposta por sindicato.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

§  A prerrogativa de foro não se estende a terceiro que compartilhe imóvel com autoridade não investigada.

 

PROVAS

§  Havendo controvérsia entre as declarações dos policiais e do flagranteado, e inexistindo a comprovação de que a autorização do morador foi livre e sem vício de consentimento, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade da busca domiciliar.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

PIS / COFINS

§  A receita decorrente da alienação dos bens objeto de operação de leasing na qual a instituição financeira figura como arrendadora é excluída da base de cálculo da contribuição ao PIS e COFINS.


Competência para julgar ação que tem por objeto apenas a reparação de danos morais e materiais suportados por pescadores em razão do rompimento da barragem de Mariana/MG

 

Rompimento da barragem de Mariana

Em 05 de janeiro de 2015, houve o rompimento de uma barragem de rejeitos de minérios, localizada no Município de Mariana (MG).

A barragem era de responsabilidade da empresa Samarco Mineração S.A.

Segundo os autos, esse terrível evento liberou quase cinco milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios altamente tóxicos, destruindo a vida marinha de Bento Rodrigues (MG) até a foz do Rio Doce, área em que se encontrava a maior biodiversidade marinha.

O desastre ambiental ocorreu no período da piracema, quando os peixes sobem o rio para desovar, o que comprometeu a perpetuação das espécimes.

Por consequência, a pesca no trecho do Rio Doce afetado foi suprimida, o que impactou diretamente na renda dos pescadores ribeirinhos, especialmente dos Municípios de Baixo Guandu, Colatina e Vitória.

Como se não bastasse a suspensão total da pesca, mesmo os peixes pescados antes do desastre não conseguiram mais ser vendidos considerando que o mercado consumidor ficava com medo de que pudessem estar adquirindo peixes contaminados.

O IBAMA aplicou multa de R$ 250 milhões à empresa, que foi considerada a responsável pelo rompimento da barragem.

Além disso, foram iniciadas apurações nos âmbitos cível e criminal.

 

Ação proposta pela Federação dos Pescadores

A Federação das Colônias e Associações dos Pescadores e Agricultores do Espírito Santo (FECOPES) ajuizou ação contra a Samarco Mineração S.A. pedindo que ela fosse condenada a pagar indenização por danos morais e materiais aos pescadores integrantes das colônias pelos prejuízos suportados em razão do rompimento da barragem.

A ação foi proposta na Justiça Estadual, mais especificamente no Juízo da 2ª Vara Cível de Linhares (ES).

A mineradora contestou alegando, dentre outros argumentos, a incompetência do Juízo.

O Juízo da 2ª Vara Cível de Linhares entendeu que a ação pretendia tutelar coletivamente direitos individuais homogêneos e que ficou constatado que o dano teria natureza regional. Logo, a competência para a demanda seria do Juízo da capital do Estado do Espírito Santo (Vitória), nos termos do art. 93, II, do CDC:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

(...)

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

 

Sendo assim, devido a constatação da natureza regional do dano, o Juízo da 2ª Vara Cível de Linhares (ES) determinou, de ofício, nos termos do art. 64, § 1º, do CPC, a remessa dos autos para uma das Varas Cíveis da Comarca de Vitória (ES), dado que a lesão atingiu várias comarcas de um mesmo estado, atribuindo-se a competência absoluta ao juízo do foro da capital do Estado, evitando-se a fragmentação da tutela coletiva.

A Somarco Mineração S/A não concordou com a conclusão do Juízo e interpôs agravo de instrumento, aduzindo que a competência deveria ser da Justiça Federal e alegou que o Juízo da 12ª Vara da Seção Judiciária de Belo Horizonte é prevento para a demanda, foro universal para processar e julgar as ações coletivas decorrentes do rompimento da barragem.

O TJ/ES manteve a decisão afirmando que a competência seria da uma das varas cíveis de Vitória (ES), na Justiça Estadual.

A mineradora interpôs recurso especial.

 

O STJ manteve o acórdão do TJ/ES ou determinou a remessa para a Justiça Federal?

Manteve o acórdão.

A lide originária tem por objeto a reparação de danos morais e materiais suportados por pescadores do Estado do Espírito Santo em razão do rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG. Não se discute a responsabilização do Estado, tampouco há indicação de pedido de restauração do meio ambiente. Portanto, a demanda possui natureza eminentemente privada.

No Conflito de Competência 144.922/MG, Relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF 3ª Região), a Primeira Seção do STJ dirimiu a questão da competência para dirimir as demandas decorrentes do referido acidente ambiental.

O STJ disse que:

como regra geral, a 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais é competente para julgar as ações decorrentes do acidente ambiental de Mariana. Isso porque, além de ser a Capital de um dos Estados mais atingidos pela tragédia, já tem sob sua análise processos outros, visando não só a reparação ambiental stricto sensu, mas também a distribuição de água à população dos Municípios atingidos, entre outras providências, o que lhe propiciará, diante de uma visão macroscópica dos danos ocasionados tomar medidas dotadas de mais efetividade, que não corram o risco de ser neutralizadas por outras decisões judiciais provenientes de juízos distintos, além de contemplar o maior número de atingidos.

ficam ressalvadas as situações que envolvam aspectos estritamente humanos e econômicos da tragédia (tais como o ressarcimento patrimonial e moral de vítimas e familiares, combate ao abuso de preços etc.) ou mesmo abastecimento de água potável que exija soluções peculiares ou locais, as quais poderão ser objeto de ações individuais ou coletivas, intentadas cada qual no foro de residência dos autores ou do dano. Nesses casos, devem ser levadas em conta as circunstâncias particulares e individualizadas, decorrentes do acidente ambiental, sempre com base na garantia de acesso facilitado ao Poder Judiciário e da tutela mais ampla e irrestrita possível. Em tais situações, o foro federal de Belo Horizonte não deverá prevalecer, pois significaria óbice à facilitação do acesso à justiça, marco fundante do microssistema da ação civil pública.

 

Assim, se o dano que se pretende ver reparado no processo em debate tem caráter patrimonial (dano material emergente e lucros cessantes) e extrapatrimonial (dano moral), ante a preocupação em ampliar o acesso à Justiça daqueles prejudicados pela tragédia de Mariana, não deve prevalecer a competência da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, permitindo o ajuizamento de ações individuais e coletivas no foro de residência dos autores ou no local do dano.

Outrossim, é certo que a reunião dos processos em virtude da existência de conexão entre as demandas não é obrigatória, especialmente se uma das causas já foi sentenciada, nos termos da Súmula 235/STJ.

A empresa pretende reunião do processo de origem com ações que foram extintas em razão de sentença homologatória de acordo em que foram estabelecidas ações e programas de reparação para o ressarcimento dos danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, o qual se encontra em fase de execução. Assim, incide no caso também o disposto no enunciado da Súmula 235 do STJ:

Súmula 235-STJ: A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.

 

Em suma:

Em ação que tem por objeto apenas a reparação de danos morais e materiais suportados por pescadores em razão do rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG, não se discutindo a responsabilização do Estado, não prevalece a competência da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, permitindo-se o ajuizamento no foro de residência do autor ou no local do dano.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.966.684-ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 17/10/2022 (Info 758).



quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Na análise do cabimento da prisão preventiva de pessoas em situação de rua, além dos requisitos previstos no CPP, o magistrado deve observar as recomendações da Resolução CNJ 425/2021

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

João foi preso em flagrante delito pela prática do crime de dano ao patrimônio público (art. 163, III, do Código Penal) porque arremessou uma pedra na janela do edifício do Tribunal Regional do Trabalho, ocasionando-lhe o trincamento:

Art. 163 (...)

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos; (Redação dada pela Lei nº 13.531, de 2017)

 

O juiz concedeu a liberdade provisória afirmando que não havia elementos suficientes e plausíveis para a decretação da custódia cautelar. No entanto, o magistrado fixou medidas cautelares diversas da prisão:

a)       proibição de João se ausentar do Município por mais de dez dias sem comunicar a justiça;

b)      proibição de alterar seu endereço sem comunicação prévia ao Juízo; e

c)       recolhimento noturno em albergue municipal ou outro ponto de acolhida, informando o Juízo de seu endereço.

 

A pedido do MPF, foi instaurado incidente de insanidade mental.

João não foi localizado para ser conduzido ao exame médico pericial.

O MPF ofereceu denúncia e requereu a prisão preventiva considerando que foram descumpridas as medidas cautelares anteriormente impostas.

A denúncia foi recebida, tendo sido decretada a prisão preventiva.

O mandado de prisão foi cumprido.

A defesa impetrou habeas corpus alegando a ausência de motivação idônea para manutenção da prisão preventiva do acusado.  Afirmou que o fato de o acusado estar em situação de rua não autoriza a sua manutenção no cárcere. Aduziu que a custódia é desproporcional à gravidade do delito, porquanto a conduta em tese imputada ao réu tem como pena máxima cominada 3 anos de detenção.

 

O STJ concordou com o pedido da defesa?

SIM.

O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 425/2021, que instituiu, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades.

No que tange às medidas em procedimentos criminais, no art. 18, recomenda-se especial atenção às demandas das pessoas em situação de rua, com vistas a assegurar a inclusão social delas, observando-se a principiologia e as medidas de proteção de direitos previstas na resolução.

Assim, na análise do cabimento da prisão preventiva de pessoas em situação de rua, além dos requisitos legais previstos no Código de Processo Penal, o magistrado deve observar as recomendações constantes da Resolução Nº 425 do CNJ, e, caso sejam fixadas medidas cautelares alternativas, aquela que melhor se adequa a realidade da pessoa em situação de rua, em especial quanto à sua hipossuficiência, hipervulnerabilidade, proporcionalidade da medida diante do contexto e trajetória de vida, além das possibilidades de cumprimento.

Tal como na prisão, para a fixação de medidas cautelares diversas, previstas no art. 319 do CPP, é preciso fundamentação específica (concreta), a fim de demonstrar a necessidade e a adequação da medida restritiva da liberdade aos fins a que se destina, consoante previsão do art. 282 do CPP.

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ não admite restrição à liberdade do agente sem a devida fundamentação concreta que indique a necessidade da custódia cautelar, sob pena de a medida perder a sua natureza excepcional e se transformar em mera resposta punitiva antecipada.

Embora haja afirmado categoricamente a inexistência de elementos suficientes e plausíveis para a decretação da custódia cautelar, o Juiz de primeiro grau, na decisão que homologou o flagrante do acusado e concedeu a liberdade provisória, fixou medidas cautelares de proibição de se ausentar da Subseção Judiciária, por mais de dez dias, ou alteração de endereço sem comunicação prévia ao Juízo, e recolhimento noturno em albergue municipal ou outro ponto de acolhida, informando o Juízo de seu endereço. Desse modo, as referidas medidas restritivas foram fixadas tão somente com base na existência da materialidade delitiva e dos indícios de autoria, sem que fosse demonstrada a cautelaridade necessária a qualquer providência desta ordem.

Além disso, a fixação da medida de recolhimento noturno em albergue municipal constituiu verdadeiro acolhimento compulsório do acusado, sem que houvesse justificativa para a medida em cotejo com o crime imputado ao paciente (dano qualificado praticado durante o dia) e sem que fosse observada a diretriz de possibilidade real de cumprimento, dada a condição de pessoa em situação de rua do agente.

A questão referente a pessoas em situação de rua é complexa, demanda atuação conjunta e intersetorial, e o cárcere, em situações como a que se apresenta nos autos, não se mostra como solução adequada. Cabe aos membros do Poder Judiciário, ainda que atuantes somente no âmbito criminal, um olhar atento a questões sociais atinentes aos réus em situação de rua, com vistas à adoção de medidas pautadas sempre no princípio da legalidade, mas sem reforçar a invisibilidade desse grupo populacional.

 

Em suma:

 

 

 

 

 


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

INFORMATIVO Comentado 1076 STF (completo e resumido)

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ÍNDICE DO INFORMATIVO 1076 DO STF


Direito Constitucional

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

§  É constitucional o art. 32 do Estatuto da Juventude, que assegura passagens gratuitas em ônibus interestaduais para jovens de baixa renda.

 

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  É inconstitucional lei estadual que regulamente a profissão de despachante.

§  É inconstitucional lei de origem parlamentar que institui regra de reserva de vagas de estacionamento aos órgãos públicos estaduais.

 

SEGURANÇA PÚBLICA

§  É inconstitucional norma de Constituição estadual, oriunda de iniciativa parlamentar, que atribui às funções de polícia judiciária e à apuração de infrações penais exercidas pelo Delegado de Polícia natureza jurídica e caráter essencial ao Estado.

§  É inconstitucional norma da Constituição Estadual que preveja que a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.

 

DIREITO AMBIENTAL

COMPETÊNCIA

§  É inconstitucional norma estadual que cria dispensa do licenciamento ambiental para atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.


INFORMATIVO Comentado 758 STJ (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 758 DO STJ


DIREITO AMBIENTAL

COMPETÊNCIA

§  Competência para julgar ação que tem por objeto apenas a reparação de danos morais e materiais suportados por pescadores em razão do rompimento da barragem de Mariana/MG.

 

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL

§  A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e solidária; nos casos em que o Poder Público concorre para o prejuízo por omissão, a sua responsabilidade solidária é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).

 

DIREITO CIVIL

CONTRATOS (HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS)

§  Os honorários contratuais ad exitum somente podem ser exigidos com o trânsito em julgado, momento em que se constata o efetivo êxito na demanda.

 

SUCESSÕES

§  Em regra, somente após a interpelação do herdeiro sobre a existência de bens sonegados é que a recusa ou omissão configura prova suficiente para autorizar a incidência da pena de sonegados; no entanto, isso pode ser demonstrado por outros meios.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS (AGRAVO)

§  Não é possível aceitar carta fiança como depósito prévio do valor da multa (§ 5º do art. 1.021) em que a instituição financeira figura como fiador e afiançado.

 

IRDR / RECLAMAÇÃO

§  STJ mantém, em recurso especial, acórdão de TJ, que julgou um IRDR: se o entendimento fixado for desrespeitado, não cabe reclamação ao STJ.

 

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

§  É incabível a repropositura de cumprimento de sentença de parcela de mesmo crédito que não foi cobrado anteriormente em observância à coisa julgada impeditiva de nova demanda.

 

DIREITO PENAL

DETRAÇÃO

§  O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga deve ser reconhecido como período de detração da pena privativa de liberdade e da medida de segurança.

 

CRIMES CONTRA A FAMÍLIA

§  O inadimplemento de pensão alimentícia apenas configura crime de abandono material quando o agente possui recursos para prover o pagamento e deixa de fazê-lo propositadamente.

  

LEI DE DROGAS

§  É possível que o Poder Judiciário conceda autorização para que a pessoa faça o cultivo de maconha com objetivos medicinais.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

ANPP

§  Não é compatível com a via do habeas corpus a pretensão de declaração de inconstitucionalidade do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP.

 

PROVAS

§  A condenação deve ser mantida se ela foi lastreada não apenas no ato de reconhecimento realizado pela vítima (considerado inválido), mas também nas demais provas coligidas aos autos, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

TAXA

§  É inexigível a Taxa de Saúde Suplementar, prevista no art. 20, I, Lei 9.961/2000, porquanto sua base de cálculo foi criada pelo art. 3º da Resolução RDC 10/2000.

 

IPVA

§  Havendo previsão em lei estadual, admite-se a responsabilidade solidária de ex-proprietário de veículo pelo pagamento do IPVA, em razão de omissão na comunicação da alienação ao DETRAN, excepcionando-se a Súmula 585 do STJ.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA DO TRABALHADOR RURAL

§  Não se pode analisar simplesmente a extensão do imóvel rural, devendo-se avaliar a condição do segurado especial como um todo, considerando o contexto do caso concreto.