domingo, 30 de junho de 2013

Assistente de acusação

Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar sobre um assunto pouco explorado no processo penal: o ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO.

Em que consiste?
O titular e, portanto, autor da ação penal pública é o Ministério Público (art. 129, I, CF/88).
Contudo, o ofendido (vítima) do crime poderá pedir para intervir no processo penal a fim de auxiliar o Ministério Público. A essa figura, dá-se o nome de “assistente da acusação”.
O assistente também é chamado de “parte contingente”, “adesiva”, ou “adjunta”.
O assistente é considerado a única parte desnecessária e eventual do processo.
Obs: somente existe assistente da acusação no caso de ação penal pública.

Qual é o fundamento que justifica a existência do assistente da acusação?

1ª corrente:
A única justificativa que autoriza o ofendido (ou seus sucessores) a atuarem como assistente da acusação é a de que assim podem ajudar o MP a obter a condenação, o que irá gerar um título executivo, que poderá ser executado no juízo cível como forma de indenização pelos danos sofridos.
O interesse seria meramente econômico.
2ª corrente:
O ofendido (ou seus sucessores) podem intervir como assistente da acusação não apenas para obter um título executivo (sentença condenatória).
O assistente da acusação tem interesse em  que a justiça seja feita.
Desse modo, o interesse não é meramente econômico.
Segundo essa posição, o assistente somente poderia recorrer caso o réu tenha sido absolvido (não haverá título executivo). O assistente da acusação não poderia recorrer para aumentar a pena do condenado.
Segundo essa posição, o assistente da acusação poderá recorrer tanto nos casos em que o réu for absolvido, como na hipótese em que desejar apenas o aumento da pena imposta (o interesse não é apenas no título, mas sim na justiça).
Posição clássica (atualmente minoritária).
Posição majoritária, inclusive no STJ e STF.

Quem pode ser assistente da acusação?
Poderá intervir, como assistente do Ministério Público o ofendido (pessoalmente ou por meio de seu representante legal, caso seja incapaz).
Caso a vítima tenha morrido, poderá intervir como assistente o cônjuge, o companheiro, o ascendente, o descendente ou o irmão do ofendido.

Corréu
O corréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público (art. 270 do CPP). Ex: Pedro e Paulo foram denunciados por lesões corporais recíprocas. Pedro não pode ser aceito como assistente de acusação do MP porque é corréu no processo.

Momento em que pode ocorrer a intervenção como assistente da acusação
A intervenção como assistente da acusação poderá ocorrer em qualquer momento da ação penal, desde que ainda não tenha havido o trânsito em julgado:
CPP/Art. 269.  O assistente será admitido enquanto não passar em julgado a sentença e receberá a causa no estado em que se achar.

Não cabe assistente da acusação no IP.
Não cabe assistente da acusação no processo de execução penal.

Como ocorre a habilitação do ofendido (ou de seus sucessores) como assistente:
1) O ofendido (ou seus sucessores) deverá, por meio de um advogado dotado de procuração com poderes específicos, formular pedido ao juiz para intervir no processo como assistente da acusação;
2) O juiz manda ouvir o MP;
3) O MP somente pode se manifestar contrariamente à intervenção do ofendido como assistente da acusação se houver algum aspecto formal que não esteja sendo obedecido (exs: o sucessor pediu para intervir, mas o ofendido ainda está vivo; o advogado não possui procuração com poderes expressos). O MP não pode recusar o assistente com base em questões relacionadas com a oportunidade e conveniência da intervenção. Preenchidos os requisitos legais, a intervenção do ofendido como assistente é tida como um direito subjetivo;
4)  O juiz decide sobre a intervenção, ressaltando mais uma vez que esta somente poderá ser negada se não atender aos requisitos da lei.
5) Da decisão que admitir ou não o assistente não caberá recurso (art. 273 do CPP). No entanto, é possível que seja impetrado mandado de segurança.

Poderes do assistente
Ao assistente será permitido:
a) propor meios de prova;
b) formular quesitos para a perícia e indicar assistente técnico;
c) formular perguntas às testemunhas (sempre depois do MP);
d) aditar os articulados, ou seja, complementar as peças escritas apresentadas pelo MP;
e) participar do debate oral;
f) arrazoar os recursos  interpostos  pelo  MP
g) interpor e arrazoar seus próprios recursos;
h) requerer a decretação da prisão preventiva e de outras medidas cautelares;
i) requerer o desaforamento no rito do júri.

Obs1: segundo entendimento do STJ, o CPP prevê taxativamente o rol dos atos que o assistente de acusação pode praticar.

Obs2: o assistente da acusação não poderá aditar a denúncia formulada pelo MP.

Quais os recursos que podem ser interpostos pelo assistente da acusação?
Segundo o entendimento majoritário, o assistente da acusação somente pode interpor:
• Apelação;
• RESE contra a decisão que extingue a punibilidade.

Obs1: o assistente da acusação somente poderá recorrer se o MP não tiver recorrido.

Obs2: o assistente de acusação não pode recorrer contra ato privativo do MP.

O assistente da acusação possui interesse em recorrer para aumentar a pena imposta ao réu na sentença?
SIM, desde que o MP não o tenha feito. O motivo da existência do assistente da acusação não é apenas obter a condenação do réu e, com isso, formar um título executivo judicial para obter a indenização dos danos sofridos. Em verdade, o assistente da acusação busca uma condenação justa. Logo, se está inconformado com a pena imposta e o MP não se insurgiu contra isso, tem legitimidade para buscar o exame dessa questão na instância recursal. Nesse sentido é o entendimento do STJ e do STF:
A legitimidade do assistente de acusação para apelar, quando inexistente recurso do Ministério Público, é ampla, podendo impugnar tanto a sentença absolutória quanto a condenatória, visando ao aumento da pena imposta, já que a sua atuação justifica-se pelo desejo legítimo de buscar justiça, e não apenas eventual reparação cível. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. (...)
(HC 137.339/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 09/11/2010)

Recurso pode ser interposto pelo ofendido (ou sucessores) mesmo que ele não estivesse habilitado nos autos como assistente
O recurso pode ser interposto tanto pelo ofendido (ou sucessores) que já está habilitado nos autos na qualidade de assistente da acusação como também nos casos em que a vítima ainda não era assistente, mas decide intervir no processo apenas no final, quando observa que a sentença não foi justa (em sua opinião) e que mesmo assim o MP não recorreu. Nesse caso, o ofendido (ou seus sucessores) apresenta o recurso e nesta mesma peça já pede para ingressar no feito.

Qual é o prazo para o ofendido (ou sucessores) apelar contra a sentença?
• Se já estava HABILITADO como assistente: 5 dias (art. 593 do CPP);
• Se ainda NÃO estava habilitado: 15 dias (art. 598, parágrafo único, do CPP).

Obs: o prazo só tem início depois que o prazo do MP se encerra.

Súmula n.° 448-STF: O prazo para o assistente recorrer supletivamente começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do MP.

O prazo para o assistente de acusação habilitado nos autos apelar é de 5 (cinco) dias, após a sua intimação da sentença, e terminado o prazo para o Ministério Público apelar. Incidência do enunciado da Súmula n.º 448 do STF.
STJ. 5ª Turma. HC 237574/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/11/2012.



sábado, 29 de junho de 2013

O advogado pode cobrar honorários advocatícios de seu cliente mesmo que ele seja beneficiário da justiça gratuita?

Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar de um assunto que tem se tornado cada vez mais comum na prática forense: o advogado pode cobrar honorários advocatícios de uma pessoa que seja beneficiária da justiça gratuita?

Vamos explicar melhor o tema e expor o que o STJ e o STF têm decidido sobre isso:

Imagine a seguinte situação hipotética:
Dr. Ruy (advogado) celebrou contrato de prestação de serviços advocatícios com João (seu cliente). No ajuste, ficou previsto que os honorários contratuais seriam pagos por João somente ao final da causa, se esta fosse exitosa.
Assim, se a ação de indenização a ser proposta por João fosse julgada procedente, este deveria pagar ao advogado cinco mil reais. Se não tivesse êxito, João não pagaria nada.

Cláusula quota litis
Apenas por curiosidade, quando isso ocorre, diz-se que o contrato de honorários possui uma cláusula ad exitum ou quota litis.
Como a obrigação do advogado é de meio (e não de resultado), havia uma discussão no Conselho Federal da OAB se a cláusula quota litis violaria ou não o Código de Ética e Disciplina da OAB.

O Conselho Federal da OAB, em 2010, entendeu que o contrato de prestação de serviços jurídicos com cláusula quota litis, onde o advogado aceita receber seus honorários somente no final do processo, em princípio, por si só, não fere o regime ético-disciplinar. No entanto, segundo a OAB, este tipo de contrato deve ser excepcional (quando a parte não tiver condições de pagar antecipadamente), não podendo o advogado transformá-lo em algo corriqueiro (Consulta 2010.29.03728-01).

Voltando ao nosso exemplo
O advogado elaborou e protocolizou a petição inicial da ação.
Vale ressaltar que, pelo fato de João ser pobre, requereu-se a justiça gratuita.
O juiz deferiu os benefícios da justiça gratuita ao autor.
Após toda a tramitação processual, a ação foi julgada procedente.

O debate jurídico é o seguinte:
O advogado pode cobrar honorários advocatícios contratuais de uma pessoa que seja beneficiária da justiça gratuita ou isso viola o art. 3º, V, da Lei n.° 1.060/50?
O advogado pode sim cobrar honorários advocatícios contratuais de seu cliente, mesmo ele sendo beneficiário da justiça gratuita, sem que esta prática viole o art. 3º, V, da Lei n.° 1.060/50. Foi o que decidiu a 4ª Turma do STJ no REsp 1.065.782-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/3/2013.

Vejamos inicialmente o que diz o art. 3º, V, da Lei n.° 1.060/50, que estabelece as normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados:
Art. 3º A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:
V - dos honorários de advogado e peritos.

O art. 3º, V, acima transcrito NÃO veda que o advogado possa cobrar de seu cliente os honorários advocatícios ajustados entre eles (honorários contratuais). O que este dispositivo quer dizer é que a pessoa pobre (beneficiária da justiça gratuita) está isenta do pagamento dos honorários resultantes da sucumbência, ou seja, aqueles devidos ao advogado da parte contrária, mas não os que ela contrata com o seu patrono, levando em conta o eventual proveito que terá na causa.

Desse modo, se a ação proposta por João tivesse sido julgada improcedente, ele não teria que pagar os honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu. João estaria isento, por força do art. 3º, V, supra.

O STJ tem entendimento majoritário no sentido de que a isenção do art. 3º, V não se estende aos honorários contratuais. Confira alguns precedentes:
(...) Se o beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita opta por um determinado profissional em detrimento daqueles postos à sua disposição gratuitamente pelo Estado, deverá ele arcar com os ônus decorrentes desta escolha.
Esta solução busca harmonizar o direito de o advogado receber o valor referente aos serviços prestados com a faculdade de o beneficiário, caso assim deseje, poder escolher aquele advogado que considera ideal para a defesa de seus interesses. (...)
(REsp. 965350/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/12/2008)

(...) A concessão de assistência judiciária gratuita refere-se, exclusivamente, às custas e verba honorária fixada em juízo, não importando em dispensa de pagamento dos honorários contratualmente estabelecidos pelas partes constante da avença entre elas firmada. (...)
(REsp 598.877/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 16/11/2010)

Principais argumentos apresentados pelo Min. Luis Felipe Salomão:
• De fato, o art. 3º da Lei n.° 1.060/50 não diferencia honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais (o dispositivo fala apenas em honorários). No entanto, é preciso interpretar este inciso de acordo com a CF/88 e com as demais normas do ordenamento jurídico.
• Assim, se considerarmos que os benefícios da justiça gratuita se estendem aos honorários contratuais, iremos fazer com que uma eventual decisão do Judiciário deferindo a justiça gratuita tenha o condão de desfazer um ato extraprocessual e pretérito, qual seja, o contrato celebrado entre o advogado e o cliente, interpretação que viola o ato jurídico perfeito.
• Vale ressaltar, ainda, que a hipossuficiência reconhecida por ocasião do deferimento da justiça gratuita é absolutamente compatível com o pagamento de honorários contratuais pelo êxito da causa, uma vez que a pessoa não tem recursos no momento da propositura da ação, mas sendo esta exitosa, poderá ser utilizada parte da verba recebida para remunerar o profissional que atuou na causa.
• Estender os benefícios da justiça gratuita aos honorários contratuais, retirando do causídico a merecida remuneração pelo serviço prestado, não contribui para que o hipossuficiente tenha maior acesso ao Judiciário. Ao contrário, não admitir o recebimento dos honorários em tais casos dificulta, pois não haverá nenhum advogado que aceite patrocinar os interesses de necessitados, circunstância que fará com que haja uma grande procura pelas Defensorias Públicas o que gerará prejuízo aos demais hipossuficientes já que a instituição ainda não está estruturada para atender toda esta demanda.

Julgado do STF
A conduta do advogado de cobrar os honorários contratuais do beneficiário da justiça gratuita configura estelionato ou algum outro crime?
NÃO. Recentemente, a 1ª Turma do STF examinou esta questão sob o ponto de vista criminal e decidiu que esta conduta do advogado NÃO constitui estelionato.
De acordo com o STF, não há qualquer ilegalidade ou crime no fato de um advogado pactuar com seu cliente, em contrato de risco, a cobrança de honorários, no caso de êxito em ação judicial proposta, mesmo quando este goza do benefício da gratuidade de justiça. (STF. 1ª Turma. HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4/9/2012).

sexta-feira, 28 de junho de 2013

INFORMATIVO Esquematizado 518 STJ



Olá queridos amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO Esquematizado 518 do STJ.

Tenham um ótimo final de semana!


INFORMATIVO Esquematizado 518 do STJ - Versão Resumida

Segue o INFORMATIVO Esquematizado 518 do STJ - Versão Resumida.

Bons estudos!


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Ações de indenização propostas pela vítima e a possibilidade da seguradora do causador do dano figurar na demanda


Olá amigos do Dizer o Direito,

Apesar de o público principal ser os candidatos a concursos públicos, o blog é lido também por muitos profissionais que utilizam os materiais aqui publicados para atualização jurídica e como forma de auxílio na prática forense.

Hoje vamos tratar sobre um tema extremamente frequente no cotidiano jurídico: as ações de responsabilidade civil propostas pela vítima e a possibilidade da seguradora do causador do dano figurar na demanda.

Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro estava dirigindo seu veículo, quando foi abalroado por trás pelo carro de José, que possui seguro de veículos da “Seguradora X”.
Comprovou-se que a culpa pelo acidente foi de José.

1º PONTO IMPORTANTE:

Pedro, sabendo que José tem contrato de seguro, pode ajuizar ação de indenização cobrando seu prejuízo apenas contra a “Seguradora X”?

NÃO. Segundo entendimento pacífico do STJ, o terceiro prejudicado NÃO pode ajuizar, direta e exclusivamente, ação judicial em face da seguradora do causador do dano.
STJ. 2ª Seção. REsp 962.230-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/2/2012 (recurso repetitivo).

Argumentos utilizados pelo STJ:
• A obrigação da seguradora de ressarcir os danos sofridos por terceiros pressupõe a responsabilidade civil do segurado, a qual, de regra, não poderá ser reconhecida em demanda na qual este não interveio, sob pena de vulneração do devido processo legal e da ampla defesa.
• A obrigação da seguradora está sujeita a condição suspensiva, que não se implementa pelo simples fato de ter ocorrido o sinistro, mas somente pela verificação da eventual obrigação civil do segurado.
• O seguro de responsabilidade civil facultativo não é espécie de estipulação a favor de terceiro alheio ao negócio, ou seja, quem sofre o prejuízo não é o beneficiário do negócio jurídico com a seguradora, mas sim o causador do dano.
• Acrescente-se, ainda, que o ajuizamento direto exclusivamente contra a seguradora ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois a ré não teria como defender-se dos fatos expostos na inicial, especialmente da descrição do sinistro.
• Essa situação inviabiliza, também, a verificação de fato extintivo da cobertura securitária, pois, a depender das circunstâncias em que o segurado se envolveu no sinistro (embriaguez voluntária ou prática de ato doloso pelo segurado, por exemplo), poderia a seguradora eximir-se da obrigação contratualmente assumida.


2º PONTO IMPORTANTE:

Tudo bem. Vamos, então, supor outra hipótese.

 Pedro ajuizou apenas contra José a ação de indenização cobrando as despesas do conserto. José poderá fazer a denunciação da lide à seguradora?

SIM, nos termos do art. 70, III, do CPC:
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Desse modo, a “Seguradora X” comparece em juízo aceitando a denunciação da lide feita pelo réu, contestando o mérito do pedido do autor e assumindo, assim, a condição de litisconsorte passiva.

É admitida a condenação direta da seguradora denunciada? Em outras palavras, a seguradora denunciada pode ser condenada a pagar diretamente Pedro (autor da ação), isto é, sem que José pague antes e depois o seguro faça apenas o ressarcimento?

SIM. O STJ possui entendimento pacífico de que, em ação de indenização, se o réu (segurado) denunciar a lide à seguradora, esta poderá ser condenada, de forma direta e solidária, a indenizar o autor da ação.
Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.
STJ. 2ª Seção. EREsp 595.742-SC, Rel. originário Min. Massami Uyeda, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 14/12/2011; REsp 925130/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/02/2012 (recurso repetitivo).

Assim, nesta situação acima relatada, o juiz irá condenar José e a “Seguradora X”, de modo que Pedro poderá executar tanto o denunciante (José) como a denunciada (Seguradora).

Com este entendimento, a vítima não será obrigada a perseguir seu direito somente contra o autor do dano (José), o qual poderia não ter condições de arcar com a condenação.

Fundamentos da decisão:
• Pacificação social;
• Efetividade da tutela judicial prestada;
• Garantia da duração razoável do processo;
• Indenizabilidade plena do dano sofrido.

Ressalte-se que a seguradora denunciada terá direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos disponíveis.


3º PONTO IMPORTANTE:

Ok. Vamos agora supor uma última hipótese.

Pedro poderá ajuizar diretamente a ação de indenização contra José e a “Seguradora X”, em litisconsórcio passivo?

SIM. É possível o ajuizamento de ação de indenização por acidente de trânsito contra o segurado apontado como causador do dano e contra a seguradora obrigada por contrato de seguro, desde que os réus não tragam aos autos fatos que demonstrem a inexistência ou invalidade do contrato de seguro (nem o causador do dano nem a seguradora negam a existência do seguro ou questionam as cláusulas do contrato).
O STJ afirmou que esse ajuizamento contra ambos é possível porque não haverá nenhum prejuízo para a seguradora, considerando que ela, certamente, seria convocada para compor a lide, por meio de denunciação da lide, pelo segurado.
STJ. 4ª Turma. REsp 710.463-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 9/4/2013.

Desse modo, em situações como esta, o ideal é a vítima, desde logo, ajuizar a ação contra o causador do dano e o seguro, a fim de ter maiores garantias de que será indenizado. Não pode, de forma alguma, propor a demanda apenas contra a seguradora (sem incluir o autor do ilícito no polo passivo), sob pena de ver o processo ser extinto sem julgamento do mérito por ilegitimidade passiva.

Amanhã publicaremos o INFORMATIVO Esquematizado 518 do STJ com este e muitos outros julgados interessantes.

Um grande abraço e fiquem com Deus!

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O art. 19-A da Lei 8.036/90 não se aplica no caso de contrato temporário declarado nulo


Aos que se preparam para concursos da PGE e PGM, é muito importante atentar para o seguinte tema que será cobrado nas próximas provas das carreiras da advocacia pública:

Contrato de trabalho temporário declarado nulo e inaplicabilidade do art. 19-A da Lei 8.036/90

O art. 37, II, da CF/88 estabelece que, para a pessoa assumir um cargo ou emprego na administração pública, ela precisa, antes, ser aprovada em concurso público:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Caso uma pessoa assuma cargo ou emprego público sem concurso público (fora das hipóteses de nomeação para cargo em comissão), qual será a consequência?
O § 2º do art. 37 determina que:
• o ato de investidura seja declarado nulo; e
• a autoridade responsável pelo ato seja punida, nos termos da lei (ex: improbidade).

João foi contratado, sem concurso, para trabalhar em uma autarquia estadual ocupando um emprego público. Quando mudou a direção dessa autarquia, o novo diretor declarou que esse contrato de trabalho era nulo e dispensou o funcionário.

João procurou a Justiça do Trabalho e ajuizou reclamação trabalhista contra essa autarquia pedindo sua reintegração ao emprego ou, subsidiariamente, o pagamento das verbas trabalhistas que teria direito.

João poderá ser reintegrado ao emprego público?
NÃO, considerando que o contrato de trabalho que tinha com a autarquia era nulo, por violação ao art. 37, II, da CF/88.

João terá direito de receber quais verbas trabalhistas?
Verba
Fundamento
a) O saldo de salário pelo número de horas trabalhadas.
Princípio que veda o enriquecimento sem causa do Poder Público.
Como João trabalhou, tem direito de ser ressarcido por isso.
b) Os valores referentes aos depósitos do FGTS.
Art. 19-A da Lei n.° 8.036/90.

Obs: João não terá direito de receber as demais verbas trabalhistas como 13º salário, férias acrescidas de 1/3, FGTS acrescido de 40%, adicionais legais etc.

O TST adota esse entendimento?
SIM, está expresso na súmula 363-TST:
Contratação de Servidor Público sem Concurso - Efeitos e Direitos
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Vejamos o que diz o art. 19-A da Lei n.° 8.036/90:
Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2º, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)

Discussão sobre a constitucionalidade desse art. 19-A:
Diversos Estados-membros queriam que o STF reconhecesse que esse art. 19-A da Lei n.° 8.036/90 seria inconstitucional por violar o art. 37, II e § 2º da CF/88.
Esses Estados afirmavam que, se a CF/88 determinou que o ato de contratar sem concurso seria nulo, não poderia a lei prever a produção de efeitos, como o pagamento do FGTS.

O STF acatou essa tese? O art. 19-A é inconstitucional?
NÃO.  O STF, por maioria, entendeu que o art. 19-A da Lei n.° 8.036/90 não afronta a CF/88.
Segundo o STF, mesmo sendo declarada a nulidade, nos termos do § 2º do art. 37 da CF, este fato jurídico existiu e produziu efeitos residuais.
O STF tem levado em consideração a necessidade de se garantir a fatos nulos, mas existentes juridicamente, os seus efeitos.
Não é possível aplicar, neste caso, a teoria civilista das nulidades, de modo a retroagir todos os efeitos desconstitutivos dessa relação.
Se houver irregularidade na contratação de servidor sem concurso público, o responsável, comprovado dolo ou culpa, deve responder regressivamente, nos termos do art. 37 da CF, de forma que não haja prejuízo para os cofres públicos.
STF. Plenário. RE 596478/RR, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 13.6.2012.


terça-feira, 25 de junho de 2013

Indisponibilidade de bens em caso de improbidade administrativa


Olá amigos do Dizer o Direito,


Hoje vamos tratar sobre um tema de extrema relevância para aqueles que atuam, na prática forense, com improbidade administrativa, além de ser assunto sempre presente nas provas de concurso:



INDISPONIBILIDADE DE BENS EM CASO 
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Se a pessoa praticar um ato de improbidade administrativa, estará sujeita às sanções previstas no § 4º do art. 37 da CF/88, quais sejam:
• suspensão dos direitos políticos
• perda da função pública
• indisponibilidade dos bens e
• ressarcimento ao erário.
A Lei n.° 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) regulamenta as consequências no caso da prática de atos de improbidade administrativa.
A LIA traz, em seus arts. 9º, 10 e 11, um rol exemplificativo de atos que caracterizam improbidade administrativa.

• Art. 9º: atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito do agente público
• Art. 10: atos de improbidade que causam prejuízo ao erário
• Art. 11: atos de improbidade que atentam contra princípios da administração pública

Para garantir que a pessoa que praticou ato de improbidade responda pelas sanções do § 4º do art. 37, da CF, os arts. 7º e 16 da Lei n.° 8.429/92 preveem a possibilidade de ser decretada a indisponibilidade (art. 7º) e o sequestro (art. 16) dos seus bens. Veja o que diz a Lei:

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
§ 1º O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

A indisponibilidade de bens na improbidade administrativa consiste em medida de extrema força estatal, conforme vocês poderão verificar mais abaixo.
Vejamos agora os 12 pontos mais importantes relacionados com o tema:

1) Quem decreta essa indisponibilidade?
O juiz, a requerimento do Ministério Público.
A redação do art. 7º não é muito clara, mas o que a lei quer dizer é que a autoridade administrativa irá comunicar a suposta prática de improbidade ao MP e este irá analisar as informações recebidas e, com base em seu juízo, irá requerer (ou não) a indisponibilidade dos bens do suspeito ao juiz, antes ou durante o curso da ação principal (ação de improbidade). Em outras palavras, a indisponibilidade pode ser requerida como medida preparatória ou incidental.
Quando o art. 7º fala em “inquérito”, está se referindo a inquérito administrativo, mas essa representação pode ocorrer também no bojo de um processo administrativo ou de um processo judicial.
Além disso, o MP poderá requerer a indisponibilidade, ainda que não tenha sido provocado por nenhuma autoridade administrativa, desde que, por algum outro modo, tenha tido notícia da suposta prática do ato de improbidade (ex: reportagem divulgada em jornal).
De qualquer forma, muito cuidado com a redação dos arts. 7º e 16 porque muitas vezes são cobrados na prova a sua mera transcrição, devendo este item ser assinalado, então, como correto.

2) Essa indisponibilidade pode ser decretada em qualquer hipótese de ato de improbidade?
Redação dos arts. 7º e 16 da LIA
Julgado do STJ e doutrina
NÃO. A indisponibilidade é decretada apenas quando o ato de improbidade administrativa:
a) causar lesão ao patrimônio público; ou
b) ensejar enriquecimento ilícito.

Assim, só cabe a indisponibilidade nas hipóteses do arts. 9º e 10 da LIA. Não cabe a indisponibilidade no caso de prática do art. 11.
SIM. Não se pode conferir uma interpretação literal aos arts. 7º e 16 da LIA, até mesmo porque o art. 12, III, da Lei n.° 8.429/92 estabelece, entre as sanções para o ato de improbidade que viole os princípios da administração pública, o ressarcimento integral do dano - caso exista -, e o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente. Logo, em que pese o silêncio do art. 7º, uma interpretação sistemática que leva em consideração o poder geral de cautela do magistrado induz a concluir que a medida cautelar de indisponibilidade dos bens também pode ser aplicada aos atos de improbidade administrativa que impliquem violação dos princípios da administração pública, mormente para assegurar o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, se houver, e ainda a multa civil prevista no art. 12, III, da Lei n. 8.429/92 (AgRg no REsp 1311013/RO, DJe 13/12/2012).
Na doutrina, esta é a posição de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011).

3) A indisponibilidade pode ser decretada antes do recebimento da petição inicial da ação de improbidade?
SIM. A jurisprudência do STJ é no sentido de que a decretação da indisponibilidade e do sequestro de bens em improbidade administrativa é possível antes do recebimento da ação (AgRg no REsp 1317653/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/03/2013, DJe 13/03/2013).

4) Tendo sido instaurado procedimento administrativo para apurar a improbidade, conforme permite o art. 14 da LIA, a indisponibilidade dos bens pode ser decretada antes mesmo de encerrado esse procedimento?
SIM. É nesse sentido a jurisprudência do STJ.

5) Essa indisponibilidade dos bens pode ser decretada sem ouvir o réu?
SIM. É admissível a concessão de liminar inaudita altera pars para a decretação de indisponibilidade e sequestro de bens, visando assegurar o resultado útil da tutela jurisdicional, qual seja, o ressarcimento ao Erário.
Desse modo, o STJ entende que, ante sua natureza acautelatória, a medida de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa pode ser deferida nos autos da ação principal sem audiência da parte adversa e, portanto, antes da notificação para defesa prévia (art. 17, § 7º da LIA).

6) Para que seja decretada a indisponibilidade dos bens da pessoa suspeita de ter praticado ato de improbidade exige-se a demonstração de fumus boni iuris e periculum in mora?
NÃO. Basta que se prove o fumus boni iuris, sendo o periculum in mora presumido (implícito). Assim, é desnecessária a prova do periculum in mora concreto, ou seja, de que os réus estejam dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, exigindo-se apenas a demonstração de fumus boni iuris, consistente em fundados indícios da prática de atos de improbidade.
A medida cautelar de indisponibilidade de bens, prevista na LIA, consiste em uma tutela de evidência, de forma que basta a comprovação da verossimilhança das alegações, pois, pela própria natureza do bem protegido, o legislador dispensou o requisito do perigo da demora.

Conforme explica o Ministro Mauro Campbell Marques, em trechos de seu voto:
“as medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação). (...)
No entanto, no caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio, e sim da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º). (...)
periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. (...)
A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma, afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido (REsp 1319515/ES, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 22/08/2012).

7) Então, pode ser decretada a indisponibilidade dos bens ainda que o acusado não esteja se desfazendo de seus bens?
SIM. A indisponibilidade dos bens visa, justamente, a evitar que ocorra a dilapidação patrimonial. Não é razoável aguardar atos concretos direcionados à sua diminuição ou dissipação. Exigir a comprovação de que tal fato esteja ocorrendo ou prestes a ocorrer tornaria difícil a efetivação da medida cautelar e, muitas vezes, inócua (Min. Herman Benjamin).
Vale ressaltar, no entanto, que a decretação da indisponibilidade de bens, apesar da excepcionalidade legal expressa da desnecessidade da demonstração do risco de dilapidação do patrimônio, não é uma medida de adoção automática, devendo ser adequadamente fundamentada pelo magistrado, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal), sobretudo por se tratar de constrição patrimonial (REsp 1319515/ES).

8) Pode ser decretada a indisponibilidade sobre bens que o acusado possuía antes da suposta prática do ato de improbidade?
SIM. A indisponibilidade pode recair sobre bens adquiridos tanto antes como depois da prática do ato de improbidade (REsp 1204794/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 16/05/2013).

9) A indisponibilidade pode recair sobre bem de família?
SIM. Segundo o STJ, o caráter de bem de família de imóvel não tem a força de obstar a determinação de sua indisponibilidade nos autos de ação civil pública, pois tal medida não implica em expropriação do bem (REsp 1204794/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 16/05/2013).

10) A indisponibilidade é decretada para assegurar apenas o ressarcimento dos valores ao Erário ou também para custear o pagamento da multa civil?
Para custear os dois. A indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio do réu de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma (STJ. AgRg no REsp 1311013 / RO).
Vale ressaltar que é assegurado ao réu provar que a indisponibilidade que recaiu sobre o seu patrimônio foi muito drástica e que não está garantindo seu mínimo existencial.

11) É necessário que o Ministério Público (ou outro autor da ação de improbidade), ao formular o pedido de indisponibilidade, faça a indicação individualizada dos bens do réu?
NÃO. A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que é desnecessária a individualização dos bens sobre os quais se pretende fazer recair a indisponibilidade prevista no art. 7º, parágrafo único, da Lei n.° 8.429/92 (AgRg no REsp 1307137/BA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 25/09/2012). A individualização somente é necessária para a concessão do “sequestro de bens”, previsto no art. 16 da Lei n.° 8.429/92.

12) A indisponibilidade de bens constitui uma sanção?
NÃO. A indisponibilidade de bens não constitui propriamente uma sanção, mas medida de garantia destinada a assegurar o ressarcimento ao erário (DPE/MA – CESPE – 2011).


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Comentários à Lei 12.830/2013 (investigação criminal conduzida por Delegado de Polícia)

Comentários à Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida por Delegado de Polícia.

Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal Substituto (TRF da 1ª Região).
Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.

Foi recentemente publicada a Lei n.° 12.830, de 20 de junho de 2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia

Vamos conhecer um pouco mais sobre esta importante inovação legislativa.

Considerando que o assunto é extremamente polêmico, ressalto, desde já, que a presente exposição tem fins meramente didáticos, sem o objetivo deliberado de encampar ou criticar qualquer das diversas posições institucionais existentes.


Contexto em que foi editada a Lei
A investigação criminal tem sido um tema bastante discutido, atualmente, por conta da tramitação da PEC 37, no Congresso Nacional. Esta proposta de emenda constitucional acrescenta o § 10 ao art. 144 da CF/88, prevendo que a apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo incumbem privativamente às Polícias Federal e Civil.
Há um acalorado debate envolvendo, de um lado, os Delegados de Polícia e, de outro, os membros do Ministério Público, conforme vocês já devem ter acompanhado pela imprensa ou nas redes sociais.
No contexto desta discussão, foi aprovada a Lei n.° 12.830/2013, que não retira a possibilidade de investigação de crimes por parte do Ministério Público (até porque se o fizesse, por meio de lei, seria inconstitucional), mas tinha como objetivo firmar a tese de que a decisão final das diligências a serem realizadas no inquérito policial seria do Delegado de Polícia.

Objetivos da Lei n.° 12.830/2013
Examinando o texto da Lei, parece-me que as entidades de classe dos Delegados de Polícia (que lutaram pelo projeto) tinham dois objetivos principais com a sua aprovação:
1) Obter o reconhecimento de que as funções exercidas pelo Delegado de Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado, devendo, portanto, a classe ser equiparada, para todos os efeitos, com as demais carreiras de Estado (Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública etc.).
2) Fazer constar, no texto legal, a tese institucional de muitos membros da classe de que a decisão final sobre a realização ou não das diligências no inquérito policial pertence ao Delegado de Polícia.
Conforme será demonstrado à frente, o primeiro objetivo foi conseguido. Quanto ao segundo, no entanto, não se obteve êxito, considerando que o dispositivo que poderia sinalizar no sentido desta conclusão foi vetado pela Presidente da República.
Vejamos cada um dos artigos da nova Lei:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, a investigação de crimes não é uma atividade exclusiva das Polícias Civil e Federal.
A investigação criminal pode ser realizada por meio de outros órgãos, como por exemplo: Comissões Parlamentares de Inquérito, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Banco Central, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), IBAMA, Ministério Público.
A investigação criminal promovida pela Polícia é feita por meio do inquérito policial (ou TCO), que tramita sob a presidência do Delegado de Polícia.
Vale ressaltar, para que não fique nenhuma dúvida, que o art. 1º não está afirmando que a investigação criminal somente pode ser realizada pelo Delegado de Polícia. De forma alguma. O que diz este artigo é que a presente Lei regula a investigação feita pelo Delegado (inquérito policial ou TCO).

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Natureza jurídica
Consiste em uma importante conquista para a classe de Delegados de Polícia. Havia alguns entendimentos no sentido de que as funções desempenhadas pelo Delegado não poderiam ser classificadas como jurídicas, considerando que seriam atividades materiais de segurança pública, conforme previsão do art. 144 da CF/88.
Tratava-se, contudo, de conclusão muito estreita, tendo em vista que o cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito e muitas das funções por ele desempenhadas são atividades de aplicação concreta das normas jurídicas aos fatos apresentados, como é o caso do indiciamento, da representação por medidas cautelares e da elaboração do relatório.

Essenciais e exclusivas
A atividade policial é essencial em um Estado de Direito, sendo também exclusiva do Poder Público, considerando que, mesmo em sistemas liberais com modelos de Estado mínimo, não se chegou ao ponto de conceber a possibilidade de transferência das funções policiais para a iniciativa privada.

O art. 2º da Lei veda a investigação de crimes por parte de particulares, como no caso da “investigação criminal defensiva”?
Não. Quando o art. 2º utiliza a palavra “exclusivas”, ele não está afirmando que a apuração de infrações penais, por qualquer meio, é uma atribuição apenas do Estado. O que se preconiza é que a função de apuração de infrações penais exercida por meio do aparato estatal e conduzida por Delegado de Polícia não pode ser transferida à iniciativa privada. Em suma, veda-se a “terceirização” ou “privatização” da atividade investigativa estatal.
Não se pode concluir, ao extremo, que somente o Poder Público possa apurar crimes. A imprensa, os órgãos sindicais, a OAB, as organizações não governamentais e até mesmo a defesa do investigado também podem investigar infrações penais. Qualquer pessoa (física ou jurídica) pode investigar delitos, até mesmo porque a segurança pública é “responsabilidade de todos” (art. 144, caput, da CF/88).
Obviamente que a investigação realizada por particulares não goza dos atributos inerentes aos atos estatais, como a imperatividade, nem da mesma força probante, devendo ser analisada com extremo critério, não sendo suficiente, por si só, para a edição de um decreto condenatório (art. 155 do CPP). Contudo, isso não permite concluir que tais elementos colhidos em uma investigação particular sejam ilícitos ou ilegítimos, salvo se violarem a lei ou a Constituição.
Registre-se que o projeto do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei n.° 156/2009) prevê, expressamente, o instituto da “investigação criminal defensiva” que, mesmo sem estar ainda regulamentado, é plenamente possível pelas razões acima expostas, bem como por ser um corolário da garantia constitucional da ampla defesa.

Qual é a abrangência da expressão “polícia judiciária”?
As Polícias Civil e Federal exercem duas funções principais:
a) Investigar infrações penais, coletando provas sobre autoria e materialidade;
b) Auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo ordens judiciais, como o mandado de prisão, a busca e apreensão, a condução coercitiva, entre outros.

Para uma primeira corrente da doutrina, a expressão “polícia judiciária” abrange as Polícias Civil e Federal no exercício da investigação de infrações penais ou no auxílio do Poder Judiciário. Em suma, polícia judiciária é a Polícia Civil ou Polícia Federal desempenhando quaisquer de suas atribuições.
Esta posição está baseada na interpretação do art. 4º, caput, do CPP, que não faz distinção ao utilizar o termo:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Para uma segunda corrente, a Polícia Civil e a Polícia Federal podem ser “polícia judiciária” ou “polícia investigativa”, a depender da função que estejam exercendo. Assim, a expressão “polícia judiciária” não abrange todas as atribuições da Polícia, mas apenas parte delas. É preciso, portanto, diferenciar: “polícia judiciária” é a Polícia Civil ou Polícia Federal quando estiver praticando atos no auxílio do Poder Judiciário. Por outro lado, quando a Polícia atuar na investigação e coleta de provas sobre a autoria e materialidade de infrações penais, ela é “polícia investigativa” (e não “polícia judiciária”).
Esta posição encontra fundamento no art. 144, § 1º, I, da CF/88, que, diferencia a função de “polícia judiciária” da atribuição da Polícia de apurar infrações penais. Veja:

Art. 144 (...)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais (...)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
A primeira posição é majoritária na doutrina e na jurisprudência (vide, por exemplo, a redação da Súmula Vinculante n.° 14-STF). No entanto, percebe-se, claramente, que o art. 2º da Lei n.° 12.830/2013 adotou a segunda corrente, que representa o entendimento prevalente entre os Delegados de Polícia.

§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
O Código de Processo Penal e a legislação processual extravagante utilizam, em várias oportunidades, a expressão “autoridade policial”. Vale ressaltar que até mesmo a CF/88 emprega esta terminologia em uma oportunidade (art. 136, § 3º, I).

Quem é considerado “autoridade policial”?
Existem duas correntes sobre o assunto:
1ª) Para uma primeira posição, autoridade policial é o Delegado de Polícia (Civil ou Federal) e, no caso de investigações militares, o Oficial militar responsável pelo inquérito.
2ª) Em um segundo entendimento, autoridade policial não seria necessariamente o Delegado de Polícia, mas sim o agente público estatal designado para exercer as funções de autoridade policial, podendo ser um policial civil ou militar, por exemplo. É a tese defendida por alguns para que os policiais militares possam lavrar termo circunstanciado de ocorrência no caso de infrações de menor potencial ofensivo (art. 69 da Lei n.° 9.099/95).
Feita a ressalva quanto à existência desta discussão, deve-se deixar claro que a posição amplamente majoritária é no sentido de que a autoridade policial é, realmente, apenas o Delegado de Polícia, sendo importante que assim o seja, pois as atividades por ele desempenhadas exigem conhecimentos jurídicos e responsabilidade proporcional a este cargo.

A previsão deste § 1º reforça os argumentos da 1ª corrente acima exposta, tendo em vista que o termo circunstanciado de ocorrência é um procedimento previsto em lei que tem como objetivo apurar uma infração penal.

Este § 1º proíbe que sejam realizadas investigações criminais por outros órgãos?
Não. Deve-se esclarecer que este § 1º não veda que investigações criminais sejam conduzidas por outros órgãos. Isso porque este dispositivo deverá ser interpretado sistematicamente com o art. 4º, caput e parágrafo único, do CPP, que continuam em vigor.
Assim, a correta exegese do § 1º é a de que o Delegado de Polícia é a autoridade policial, de forma que, no inquérito policial e nos demais procedimentos de investigação realizados pela polícia, é ele o responsável pela condução.
Em suma, a Lei confirma aquilo que a doutrina já ensinava: é possível a investigação realizada por meio de outros órgãos, no entanto, a presidência do inquérito policial (ou de outros procedimentos investigatórios da polícia) é incumbência do Delegado de Polícia.

O fato do Delegado de Polícia possuir a prerrogativa da condução do inquérito policial significa dizer que ele pode se negar a cumprir as diligências requisitadas pelo Ministério Público?
Não. O inquérito policial possui como característica o fato de ser um procedimento discricionário, ou seja, o Delegado de Polícia tem liberdade de atuação para definir qual é a melhor estratégia para a apuração do delito. Justamente por conta disso, a legislação previu que a autoridade policial pode indeferir diligências requeridas pelo indiciado ou pela vítima (art. 14 do CPP). Este indeferimento, por óbvio, está sujeito ao controle jurisdicional, podendo ser revisto caso irrazoável. Isso porque discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.
A discricionariedade do IP, no entanto, é mitigada em se tratando de requisições formuladas pelo Ministério Público. Considerando que o Parquet é o titular da ação penal e que uma das finalidades do IP é coletar elementos informativos para a formação do convencimento (opinio delicti) do membro do MP, nada mais lógico que este tenha a prerrogativa de requisitar (com força de obrigatoriedade) a realização de diligências que, para ele, irão ser de fundamental importância na construção do seu convencimento.
Além de lógico e coerente com o sistema, a prerrogativa de requisição de diligências pelo Ministério Público é prevista expressamente no CPP e na própria CF/88:

Código de Processo Penal
Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:
II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;
Constituição Federal
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
Vale ressalvar, no entanto, que, se a requisição do membro do Ministério Público for manifestamente ilegal, a autoridade policial não é obrigada a atendê-la, devendo, de forma motivada, recusar o cumprimento.

§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
Para que o Delegado de Polícia possa realizar a atividade investigatória é indispensável que detenha meios de coleta das provas. O CPP traz, em seus arts. 6º e 7º, um rol de diligências investigatórias que podem ser determinadas pela autoridade policial (Delegado de Polícia).

Como o CPP é antigo e foi idealizado tendo como alvo crimes violentos, patrimoniais e sexuais, o elenco dos arts. 6º e 7º encontra-se há muito tempo desatualizado, especialmente diante das novas formas de criminalidade (crimes de escritório, cibernéticos etc.). Justamente por isso, a doutrina e a jurisprudência afirmam, de forma uníssona, que as diligências ali previstas são exemplificativas.

Na verdade, sempre se defendeu que o Delegado pode, diretamente, requisitar quaisquer provas necessárias à investigação, ressalvadas aquelas diligências cuja CF/88 exige autorização judicial (cláusula de reserva de jurisdição), tais como interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário e fiscal, busca apreensão etc.

Desse modo, o dispositivo apenas reforça o entendimento da doutrina e da jurisprudência, não consistindo propriamente uma inovação no mundo jurídico.

Este § 2º proíbe que o Ministério Público requisite, ao Delegado de Polícia, diligências investigatórias?
Não. Os arts. 13 e 16 do CPP continuam em vigor e não foram afetados por este § 2º. Como já exposto acima, a prerrogativa do Ministério Público de requisitar diligências investigatórias encontra fundamento constitucional (art. 129, VIII), de sorte que não poderia ser abolida por lei infraconstitucional.

§ 3º O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade. (PARÁGRAFO VETADO)
O § 3º do art. 2º foi vetado pela Presidente da República.
A chefe do Poder Executivo apresentou as seguintes razões para o veto:
“Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa entre as instituições responsáveis pela persecução penal.”

O dispositivo vetado era o que mais gerava polêmica no projeto e o que recebia as maiores críticas por parte dos membros do Ministério Público que, por meio de suas associações, trabalharam pela sua rejeição.

Na prática forense, observa-se, com alguma frequência, a divergência de opiniões entre o Delegado que preside o inquérito policial e o Promotor de Justiça/Procurador da República que atua no caso sobre a pertinência ou não de determinadas diligências.

O Delegado de Polícia conclui o inquérito, faz o relatório e envia para apreciação do Ministério Público. Este, nos termos do art. 16 do CPP, entende que é necessária a realização de novas diligências e faz a requisição nesse sentido. Sucede que, em algumas oportunidades, o Delegado reputa que tais diligências são dispensáveis, inócuas ou mesmo inadequadas, recusando-se a cumprir a requisição e devolvendo o IP. O Ministério Público, como regra, não concorda com este juízo de valor feito pela autoridade policial e insiste nas diligências, surgindo, assim, um incômodo e improdutivo impasse.

Como já explicado linhas atrás, para a maioria da doutrina e da jurisprudência, não há discricionariedade do Delegado de Polícia na condução do IP no que tange às requisições formuladas pelo Ministério Público. Assim, para a posição majoritária, a autoridade policial não pode se recusar a cumprir a requisição ministerial de novas diligências, salvo em caso de flagrante ilegalidade.

O § 3º do art. 2º do projeto aprovado tinha como objetivo mudar este entendimento majoritário, fazendo com que constasse, de forma expressa em lei, que a condução da investigação criminal seria feita pelo Delegado de Polícia conforme o seu livre convencimento técnico-jurídico. Em outras palavras, o objetivo era fazer com que a decisão final sobre a realização ou não das diligências investigatórias no inquérito policial ficasse a cargo do Delegado de Polícia.

O outro propósito deste § 3º era o de reafirmar a tese expressa na PEC 37, qual seja, o de que a investigação criminal é atribuição da Polícia, sob a condução do Delegado.

O veto presidencial pode ser feito por duas razões:
•        Quando a norma aprovada contraria o interesse público (veto político);
•        Quando a norma aprovado é inconstitucional (veto jurídico).

No caso concreto, a Presidente vetou o § 3º alegando “contrariedade ao interesse público” (veto político). Apesar disso, penso que, mesmo se tivesse sido sancionado, este § 3º somente poderia ser considerado válido se não provocasse mitigação do poder de requisição do Ministério Público. Em outras palavras, se o veto for derrubado, este § 3º deverá ser interpretado conforme a Constituição (art. 129, VIII), no sentido de que o Delegado de Polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, não podendo, contudo, negar cumprimento às requisições do Ministério Público, considerando que estas possuem previsão em norma constitucional de eficácia plena, que não pode ser restringida por lei.

Vejam agora que interessante: mesmo o dispositivo tendo sido vetado, o Delegado de Polícia continua conduzindo a investigação criminal policial (inquérito policial e termo circunstanciado) de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade. Isso porque, como já afirmado, o livre convencimento técnico-jurídico do Delegado decorre da característica do IP de ser discricionário. Esta discricionariedade, contudo, não é absoluta, conforme também explicado, não podendo a autoridade policial recusar cumprimento às diligências requisitadas pelo Ministério Público. A isenção e imparcialidade, por seu turno, são consequências dos princípios da impessoalidade e moralidade, insculpidos no art. 37, caput, da CF/88.

Atenção, contudo, no caso de provas de concurso público: se a alternativa da questão afirmar que o Delegado de Polícia possui livre convencimento técnico-jurídico na condução da investigação criminal, tal assertiva é INCORRETA, considerando que o examinador estará apenas querendo saber se o candidato conhece o fato de que o dispositivo que previa isso foi vetado.
Observação final: apesar de não estar explícito, as razões de veto divulgadas sinalizam que a Presidência da República concorda com a tese de que o Ministério Público detém o poder de investigação. De qualquer modo, juridicamente, a opinião do Poder Executivo quanto ao tema pouco importa, considerando que a questão será dirimida, de forma definitiva, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ou pelo Congresso Nacional, se aprovada a PEC 37.

§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
Inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei:
Atualmente, as duas únicas formas típicas de investigação criminal previstas em lei e conduzidas por Delegado de Polícia são o inquérito policial e o termo circunstanciado.

Avocar: ocorre quando o superior hierárquico retira o Delegado da condução do IP ou do TC e passa ele próprio a dirigir o procedimento.

Redistribuir: ocorre quando o superior hierárquico retira o Delegado da condução do IP ou do TC e designa outro Delegado para dirigir o procedimento.

Superior hierárquico:
É definido pela lei orgânica de cada Polícia e pelos demais atos normativos internos.
Em linhas gerais, pode-se apontar o seguinte:
•        Polícia Civil: o superior hierárquico com poderes para avocar ou redistribuir os procedimentos é o Delegado-Geral.
•        Polícia Federal: esta função de superior hierárquico é exercida pelo Superintendente-Regional.

Instrumento por meio do qual o procedimento pode ser avocado: despacho fundamentado exarado pelo superior hierárquico.

Hipóteses nas quais poderá haver a avocação ou a redistribuição:
a) Motivo de interesse público;
b) Se o Delegado descumprir os procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

A avocação ou a redistribuição do procedimento investigatório viola a CF/88?
Não, desde que fundamentada. Isso porque tanto o IP como o TC são procedimentos administrativos, submetidos, portanto, às regras aplicáveis aos atos administrativos. Os atos administrativos podem ser avocados, delegados ou redistribuídos, desde que não haja previsão legal em sentido contrário. Trata-se de uma decorrência do poder hierárquico e, como a estrutura da Polícia é hierarquizada, a ela se aplica esta característica.

Análise crítica da previsão
Rigorosamente, este § 4º seria dispensável, considerando que todo ato administrativo precisa ser motivado. No entanto, é salutar a previsão para que haja uma disciplina mais nítida ao tema, garantindo maior segurança jurídica. Ademais, existe corrente (minoritária) que sustenta que alguns atos administrativos não precisam ser motivados. Desse modo, repita-se, foi acertada a previsão.
O que se lamenta é a utilização de expressões tão vagas na definição das hipóteses nas quais é possível a avocação e a redistribuição do procedimento. Isso enfraquece o controle que poderia ser exercido sobre tais atos, a fim de evitar avocações ou redistribuições casuísticas.

§ 5º A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.
É extremamente salutar a previsão expressa de que a remoção do Delegado precisa ser um ato fundamentado como forma de minimizar favorecimentos e perseguições decorrentes do trabalho de tais profissionais.
Critica-se o fato de a lei não ter elencado hipóteses nas quais seria permitida a remoção do Delegado de Polícia, o que certamente seria muito mais relevante sob o ponto de vista da segurança jurídica. Isso porque, muitas vezes, a remoção ex officio de um Delegado que incomode o Governante ou a direção da Polícia para outra Delegacia pode ser motivada por argumentos como “necessidade do serviço” sem que a veracidade de tal fundamentação possa, em muitos casos, ser controlada de forma satisfatória pelo Poder Judiciário.

A remoção de que trata este § 5º abrange apenas a transferência para cidades diferentes?
Não. O objetivo da norma é o de resguardar o Delegado de Polícia de remoções motivadas por razões espúrias. Esta previsão traz a garantia de que a autoridade policial não será afastada das atividades que está exercendo sem que haja um motivo justificado. Assim, a transferência do Delegado de uma Delegacia para outra deverá também ser fundamentada.
Com esta nova previsão, o Delegado de Polícia passou a gozar da garantia da inamovibilidade?
Não. A inamovibilidade é uma garantia constitucional, conferida aos membros da Magistratura (art. 95, II), do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, “b”) e da Defensoria Pública (art. 134, § 1º), por meio da qual se assegura aos integrantes dessas carreiras que eles não serão removidos do juízo ou ofício ondem atuam nem afastados dos processos em que funcionam, salvo se, por vontade própria, ou por motivo de interesse público.
Quando é assegurada a inamovibilidade aos membros de determinada carreira, isso significa que a regra é a impossibilidade de remoção ex officio. Excepcionalmente, admite-se por motivo de interesse público.
No caso dos Delegados de Polícia, não há uma regra constitucional impedindo a remoção ex officio. A previsão do § 5º simplesmente afirma que a remoção do Delegado de Polícia, seja voluntária ou de ofício, deve ser motivada (como, aliás, todos os atos administrativos).
Lamenta-se o fato dos Delegados de Polícia ainda não gozarem de inamovibilidade, devendo ser esta realidade alterada como forma de resguardar o interesse público das investigações.

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
A previsão deste § 6º faz constar, em lei, algumas características do indiciamento que já eram consagradas na doutrina:

“O indiciamento é o ato resultante das investigações policiais por meio do qual alguém é apontado como provável autor de um fato delituoso. Cuida-se, pois, de ato privativo da autoridade policial que, para tanto, deverá fundamentar-se em elementos de informação que ministrem certeza quanto à materialidade e indícios razoáveis de autoria.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 111).

Houve, no entanto, uma evolução no tratamento do tema ao se exigir, de forma textual, que o ato de indiciamento seja motivado, o que não era feito em uma grande quantidade de casos. Veja o que afirma o membro do MP paulista Mário Sérgio Sobrinho:

“A legislação brasileira deveria evoluir, adotando a regra da explicitação das razões para a classificação do fato em determinado tipo penal, (...) ao mesmo tempo em que a lei deveria fixar a obrigatoriedade da motivação do ato de indiciamento. É inegável que o ato de indiciamento exige juízo de valor, o qual, nos meandros do inquérito policial, é exercitado pela autoridade policial que preside a investigação. Por isso, dever-se-ia exigir desta a explicitação de suas razões, ao determinar o indiciamento, as quais deveriam ser apresentadas no inquérito policial para que fossem conhecidas pelo indiciado e seu defensor, pelo órgão do Ministério Público e, quando necessário, pelos juízes e tribunais.” (A identificação criminal. São Paulo: RT, 2003, p. 100).

Vale ressaltar que, mesmo antes desta previsão legal, alguns Estados possuíam atos normativos infralegais determinando que o ato de indiciamento, realizado pela autoridade policial, deveria ser fundamentado. É o caso, por exemplo, da Portaria n.° 18/98 da Delegacia Geral de Polícia do Estado de São Paulo. No âmbito da Polícia Federal, mesmo antes da Lei, o ato de indiciamento já era obrigatoriamente motivado, por força da Instrução Normativa n.° 11/2001.

Cumpre mencionar, por fim, que, sendo o ato de indiciamento privativo do Delegado de Polícia, é equivocado e inadmissível que o juiz, o membro do Ministério Público ou a CPI requisitem o indiciamento de qualquer suspeito. Esse era o entendimento da doutrina antes da Lei e que agora é reforçado com este § 6º. Confira o que há anos já ensinava Nucci:

“(...) não cabe ao promotor ou ao juiz exigir, através de requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o mesmo que demandar à força que o presidente do inquérito conclua ser aquele o autor do delito. Ora, querendo, pode o promotor denunciar qualquer suspeito envolvido na investigação criminal (...)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006, p. 139).

Art. 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.
O Delegado de Polícia deverá receber o mesmo tratamento protocolar que recebem os Magistrados, membros da Defensoria Pública, do Ministério Público e os Advogados. Assim, por exemplo, o pronome de tratamento a ser utilizado quando em correspondências oficiais aos Delegados passa a ser “Vossa Excelência”.

Alegação de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa
A presente lei resultou de um projeto apresentado por um Deputado Federal. Diante disso, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) defendeu, em nota técnica, que haveria uma inconstitucionalidade por vício de iniciativa tendo em vista que a lei dispõe sobre o regime jurídico de servidores públicos e a iniciativa para esta matéria pertenceria ao chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, II, “c”, da CF/88:

§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
II - disponham sobre:
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

Com o devido respeito, penso que a tese não prospera. A Lei n.° 12.830/2013 não versa sobre o regime jurídico dos Delegados de Polícia, ou seja, direitos, deveres, responsabilidades, remuneração. A Lei versa sobre a atuação do Delegado de Polícia na investigação criminal. Mesmo quando a Lei impõe requisitos e prerrogativas para a carreira de Delegado, como no caso do art. 3º, o que se observa é que tais aspectos estão relacionados com a atuação da autoridade policial na investigação, não havendo o propósito de regular a relação jurídica existente entre os Delegados de Polícia e o Poder Público. A Lei n.° 12.830/2013 versa, portanto, sobre matéria atinente ao direito processual penal (art. 22, I, da CF/88), sendo de iniciativa concorrente (iniciativa concorrente significa que não apenas o Presidente da República pode propor projeto de lei sobre o tema, podendo o processo legislativo ser de iniciativa parlamentar).


Bibliografia

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006.

SÉRGIO SOBRINHO, Mário. A identificação criminal. São Paulo: RT, 2003.


Artigo elaborado em 23/06/2013.


Como citar este texto:
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida por Delegado de Polícia. Disponível em: . Acesso em: dd.mm.aa.


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