sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Para o STJ, é possível o protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA)?



Olá amigos do Dizer o Direito,

Com tantos concursos de cartório abertos e previstos, não há dúvida de que o tema a seguir será cobrado nas provas. Vejamos:

O que é um protesto de título?
Protesto de título é o ato público, formal e solene, realizado pelo tabelião, com a finalidade de provar a inadimplência e o descumprimento de obrigação constante de título de crédito ou de outros documentos de dívida.

Regulamentação:
O protesto é regulado pela Lei n.° 9.492/97.

Quem é o responsável pelo protesto?
O tabelião de protesto.

Quais são as vantagens do credor realizar o protesto?
Existem inúmeros efeitos que decorrem do protesto, no entanto, as duas principais vantagens para o credor são as seguintes:
a) Serve como meio de provar que o devedor está inadimplente;
b) Funciona como uma forma de coerção para que o devedor cumpra sua obrigação sem que seja necessária uma ação judicial (como o protesto lavrado gera um abalo no crédito do devedor, que é inscrito nos cadastros de inadimplentes, a doutrina afirma que o receio de ter um título protestado serve como um meio de cobrança extrajudicial do débito; ao ser intimado do protesto, o devedor encontra uma forma de quitar seu débito).

Qual é o procedimento do protesto?
1) O credor (ou outra pessoa que esteja portando o documento) leva o título até o tabelionato de protesto e faz a apresentação, pedindo que haja o protesto e informando os dados e endereço do devedor;

2) O tabelião de protesto examina os caracteres formais do título;

3) Se o título não apresentar vícios formais, o tabelião realiza a intimação do suposto devedor no endereço apresentado pelo credor (art. 14 da Lei de Protesto);

4) A intimação é realizada para que o apontado devedor, no prazo de 3 dias, pague ou providencie a sustação do protesto antes de ele ser lavrado;

Após a intimação, poderão ocorrer quatro situações:
4.1) o devedor pagar (art. 19);
4.2)  o apresentante desistir do protesto e retirar o título (art. 16);
4.3) o protesto ser sustado judicialmente (art. 17);
4.4) o devedor ficar inerte ou não conseguir sustar o protesto.

5) Se ocorrer as situações 4.1, 4.2 ou 4.3: o título não será protestado;

6) Se ocorrer a situação 4.4: o título será protestado (será lavrado e registrado o protesto).


Qual é o objeto do protesto? O que pode ser protestado?
Segundo o art. 1º da Lei n.° 9.492/97:
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.

Assim, conclui-se que podem ser levados a protesto:
a) Títulos de crédito
b) Outros documentos de dívida

O que é um documento de dívida?
Documento de dívida é todo e qualquer meio de prova escrita que comprove a existência de uma obrigação líquida, certa e exigível.

Protesto extrajudicial de certidão de dívida ativa (CDA) e posição inicial do STJ
Como a Lei n.° 9.492/97 inovou o tratamento jurídico sobre o tema e permitiu, em seu art. 1º, que o protesto fosse realizado não apenas sobre títulos como também com relação a outros documentos de dívida, iniciou-se uma intensa discussão acerca da possibilidade e conveniência do protesto da certidão de dívida ativa da Fazenda Pública.
De início, o STJ afirmou que não haveria interesse jurídico em se realizar o protesto da CDA considerando que, por ser título executivo, é possível o ajuizamento, desde logo, da execução fiscal (STJ AgRg no Ag 1316190/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, j. 17/05/2011, DJe 25/05/2011).

Lei n.° 12.767/2012
A fim de espancar quaisquer dúvidas, foi publicada a Lei n.° 12.767/2012 incluindo um parágrafo único ao art. 1º da Lei n.° 9.492/97 e permitindo, expressamente, o protesto de certidões da dívida ativa. Confira:

Art. 1º (...)
Parágrafo único.  Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela Lei n.° 12.767/2012)

Desse modo, agora existe expressa previsão do protesto de CDA na Lei n.° 9.492/97.

Atual posição do STJ
No final de 2013, o STJ foi chamado a se manifestar novamente sobre o tema, desta vez já com a Lei n.° 12.767/2012 em vigor. O que decidiu a Corte?

O STJ, alterando sua antiga posição, passou a entender que é possível o protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA).
STJ. 2ª Turma. REsp 1126515/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 03/12/2013 (não divulgado em Info em 2013).

Veja a ementa do julgado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O "II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO". SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980.
2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas "entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas".
3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.
4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.
5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805/RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado.
6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública.
7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e da imparcialidade.
8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito.
9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.
10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo.
11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).
12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve "surpresa" ou "abuso de poder" na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio.
13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.
14. A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo".
15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.
16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação - naturalmente adaptada às peculiaridades existentes - de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).
17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ.
(REsp 1126515/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 03/12/2013)



quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

É possível que um ente público seja indenizado por dano moral sob a alegação de que sua honra ou imagem foram violadas?



Olá amigos do Dizer o Direito,

No final de 2013, o STJ enfrentou o seguinte questionamento:

É possível que um ente público seja indenizado por dano moral sob a alegação de que sua honra ou imagem foram violadas?

A 4ª Turma do STJ entendeu que NÃO (REsp 1.258.389-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013. Não divulgado em Informativo).

No caso concreto, o município de João Pessoa pretendia receber indenização da Rádio e Televisão Paraibana Ltda., sob a alegação de que a empresa teria atingido, ilicitamente, sua honra e imagem.

Segundo alegou o município, os apresentadores da referida rede de Rádio e Televisão teriam feito diversos comentários que denegriram a imagem da cidade. Entre os comentários mencionados na petição inicial estava o de que a Secretaria de Educação e o seu secretário praticavam maus-tratos contra alunos da rede pública.

Ao analisar o recurso do Município, o Min. Luis Felipe Salomão ressaltou que o STJ admite apenas que pessoas jurídicas de direito PRIVADO possam sofrer dano moral, especialmente nos casos em que houver um descrédito da empresa no mercado pela divulgação de informações desabonadoras de sua imagem.

Para o STJ, contudo, não se pode admitir o reconhecimento de que o Município pleiteie indenização por dano moral contra o particular, considerando que isso seria uma completa subversão da essência dos direitos fundamentais. Seria o Poder Público se valendo de uma garantia do cidadão contra o próprio cidadão.

Tema interessantíssimo e que ainda será muito comentado e exigido nas provas.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

INFORMATIVO Esquematizado 532 do STJ



Olá amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO comentado 532 do STJ.

Bons estudos e fiquem com Deus.




Livro PRINCIPAIS JULGADOS DO STF E STJ COMENTADOS 2012.

Trata-se da compilação e a organização de todos os informativos esquematizados de 2012.

Além de tornar a leitura mais agradável, se comparado com a tela do computador, o livro tem outra grande vantagem: os julgados foram agrupados de acordo com os ramos do direito e, dentro de cada um deles, foram organizados segundo os respectivos assuntos. Assim, por exemplo, no capítulo sobre “Processo Civil”, temos diversos subtópicos para tratar sobre competência, petição inicial, citação, intimação, litisconsórcio, tutela antecipada, recursos etc.

Vale ressaltar, ainda, que a obra conta com um extenso índice, que facilita a busca rápida dos temas.

Com isso, o livro foi organizado como se fosse um curso, envolvendo os principais assuntos de cada matéria, com trechos de doutrina, lei e, principalmente, a explicação dos julgados de 2012.

O livro possui mais de 1000 páginas, capa dura e está sendo vendido no próprio site por R$ 94,00 (valor que inclui o frete). O prazo de entrega é de 15 dias úteis.

Para os residentes em Manaus, o livro encontra-se também disponível na Livraria Capital e na Livraria do Fórum.

Compre em: www.editoradizerodireito.com.br






INFORMATIVO Esquematizado 532 STJ - Versão Resumida





Olá amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO Esquematizado 532 STJ - Versão Resumida.

Bons estudos.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A subtração de objeto localizado no interior de veículo automotor mediante o rompimento do vidro configura furto qualificado



O art. 155 do Código Penal prevê o crime de furto:
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

No § 4º do art. 155, são previstas algumas espécies de furto qualificado.
Uma dessas hipóteses ocorre quando o agente pratica o furto mediante rompimento de obstáculo.
Art. 155 (...)
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

Imagine agora a seguinte:
Maikon quebrou o vidro do carro com o objetivo de abrir o automóvel e de lá subtrair o aparelho de som.
O Ministério Público ofereceu denúncia por furto qualificado (art. 155, § 4º, I, do CP).
Nas alegações finais, o Defensor Público afirmou que, segundo o entendimento da jurisprudência, se o agente tivesse quebrado o vidro e levado o próprio veículo (em vez de ter subtraído o som), ele iria responder apenas por furto simples (art. 155, do CP). Logo, não se mostra razoável reconhecer como qualificadora o rompimento de obstáculo para furto de objetos existentes no interior do veículo, e considerar como furto simples a subtração do próprio veículo automotor, sob pena de violação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Ante o exposto, pediu a desclassificação da conduta para furto simples.

A tese da Defensoria Pública é aceita pelo STF e STJ?
NÃO.

Para o STJ e STF, a conduta de violar o automóvel, mediante a destruição do vidro para que seja subtraído bem que se encontre em seu interior - no caso, um aparelho de som automotivo - configura o tipo penal de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo à subtração da coisa, previsto no art. 155, § 4º, inciso I, do CP.
  
(...) 1. A subtração de objetos localizados no interior de veículo automotor, mediante o rompimento ou destruição do vidro do automóvel, qualifica o furto. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
2. De rigor a incidência da qualificadora do inciso I do § 4º do art. 155 do CP quando o agente, visando subtrair aparelho sonoro localizado no interior do veículo, quebra o vidro da janela do automóvel para atingir o seu intento, primeiro porque este obstáculo dificultava a ação do autor, segundo porque o vidro não é parte integrante da res furtiva visada, no caso, o som automotivo. (...)
STJ. 3ª Seção. EREsp 1079847/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 22/05/2013.

EMENTA Habeas corpus. Penal. Arrombamento de veículo automotor para furtar objeto. Incidência da qualificadora do inciso I do § 4º do art. 155 do Código Penal. Precedentes. Ordem denegada. 1. A jurisprudência da Corte está consolidada no sentido de que “configura o furto qualificado a violência contra coisa, considerado veículo, visando adentrar no recinto para retirada de bens que nele se encontravam” (HC nº 98.606/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 28/5/10). 2. Ordem denegada.
STF. 1ª Turma. HC 110119, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/12/2011.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Qual é o termo inicial da prescrição executória no processo penal?



Conceito de prescrição:
Prescrição é a perda do direito do Estado de punir (pretensão punitiva) ou de executar uma punição já imposta (pretensão executória) em razão de não ter agido (inércia) nos prazos previstos em lei.

Existem duas espécies de prescrição:
I – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, que pode ser:
I.a) Prescrição da pretensão punitiva propriamente dita;
I.b) Prescrição superveniente ou intercorrente;
I.c) Prescrição retroativa

II – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

Prescrição da pretensão executória (prescrição da condenação):
Ocorre quando o Estado perde o seu poder-dever de executar uma sanção penal já definitivamente imposta pelo Poder Judiciário em razão de não ter agido nos prazos previstos em lei.

Cálculo da prescrição executória no caso de pena privativa de liberdade:
A prescrição da pretensão executória da pena privativa de liberdade é calculada com base na pena concreta, fixada na sentença ou no acórdão, que já transitou em julgado e, portanto, não pode mais ser alterada.

Termo inicial
Como vimos, o Estado tem um prazo máximo para fazer com que o réu condenado inicie o cumprimento da pena. Caso não faça isso, ocorre a prescrição executória.
A pergunta é: a partir de que dia começa a correr esse prazo que o Estado tem para fazer com que o condenado inicie o cumprimento da pena? Dito de outra forma: qual é o termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória?
A resposta encontra-se no art. 112, I, do CP:
Termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível
Art. 112. No caso do art. 110 deste Código (que trata da prescrição executória), a prescrição começa a correr:
I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

Desse modo, segundo o art. 112, I, do CP, o termo inicial da prescrição executória é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação.

E se o MP não recorre, mas a defesa apresenta recurso?
Nesse caso, a sentença condenatória transitou em julgado para a acusação. Logo, segundo a redação do art. 112, I, do CP, inicia-se a contagem do prazo de prescrição executória mesmo ainda estando pendente a apreciação do recurso interposto pela defesa.

Veja o seguinte exemplo hipotético:
João foi condenado a 4 anos pela prática de roubo.
O Promotor de Justiça concorda com o veredito do juiz e não recorre, razão pela qual a sentença condenatória transita em julgado para a acusação no dia 10/01/2006.
O advogado do réu apresenta recurso de apelação, de forma que, para a defesa, não houve trânsito em julgado.

Qual é o prazo de prescrição executória se o réu for condenado a 4 anos?
A prescrição ocorrerá em 8 anos (art. 109, IV, do CP). Em outras palavras, se o réu for condenado a 4 anos, o Estado tem o poder-dever de fazer com que esse condenado inicie o cumprimento da pena em até 8 anos. Se passar desse prazo, o Estado perde o poder de executar a sanção e o condenado não mais terá que cumprir a pena imposta.

Em nosso exemplo, quando se iniciou a contagem do prazo de prescrição executória (levando-se em consideração a regra do art. 112, I, do CP)?
No dia 10/01/2006, data em que a sentença transitou em julgado para a acusação. Isso significa que o Estado tinha um prazo de 8 anos para fazer com que o réu iniciasse o cumprimento da pena.
Se o réu não começou a cumprir a pena até 10/01/2014, aconteceu a prescrição.
Essa é a regra que está presente no art. 112, I, do CP.

Crítica à regra do art. 112, I, do CP
A CF/88 prevê que ninguém poderá ser considerado culpado até que haja o trânsito em jugado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). Por força desse princípio, não existe, no Brasil, a execução provisória (antecipada) da pena. Assim, enquanto não tiver havido trânsito em julgado para a acusação e para a defesa, o réu não poderá ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena. Se ainda estiver pendente de julgamento qualquer recurso da defesa, o condenado não iniciará o cumprimento da pena porque ainda é presumivelmente inocente (SF. Pleno. HC 84078, julgado em 05/02/2009).

Desse modo, perceba a seguinte situação que o art. 112, I, pode ocasionar:
• se o réu for condenado, a defesa recorrer e o MP não, esse condenado não poderá iniciar o cumprimento da pena enquanto estiver pendente o recurso;
• apesar disso, já começa a correr o prazo da prescrição executória.

Diante desse paradoxo que pode ser ocasionado pela regra do art. 112, I, do CP, alguns doutrinadores e membros do Ministério Público idealizaram a seguinte tese:
O início do prazo da prescrição executória deve ser o momento em que ocorre o trânsito em julgado para ambas as partes, ou seja, tanto para a acusação como para a defesa.
Não se pode dizer que o prazo prescricional começa com o trânsito em julgado apenas para a acusação, uma vez que, se a defesa recorreu, o Estado não pode dar início à execução da pena, já que ainda não haveria uma condenação definitiva.
Se há recurso da defesa, o Estado não inicia o cumprimento da pena não por desinteresse dele, mas sim porque há uma vedação de ordem constitucional decorrente do princípio da presunção de inocência. Ora, se não há desídia do Estado, não se pode falar em prescrição.

Veja o que escreveu o Min. Jorge Mussi sobre o tema:
“O termo inicial do prazo prescricional da pretensão executória, por sua vez, deve ser considerado a data em que ocorre o trânsito em julgado para ambas as partes, porquanto somente neste momento é que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado, em respeito ao princípio contido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, sendo forçosa a adequação hermenêutica do disposto no artigo 112, inciso I, do Código Penal, cuja redação foi dada pela Lei n. 7.209/84, ou seja, é anterior ao atual ordenamento constitucional.” (STJ HC 137.924/SP).

Essa tese que desconsidera a regra do art. 112, I, do CP é aceita pela jurisprudência?
NÃO. Houve alguns julgados antigos do STJ acatando essa tese, porém atualmente ela não é mais aceita.
Assim, para o STF e o STJ, conforme determina o art. 112, I, do CP, o termo inicial da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, ainda que a defesa tenha recorrido e que se esteja aguardando o julgamento desse recurso.

Principais argumentos da jurisprudência para rechaçar a tese:
• O argumento de que se deveria aguardar o trânsito em julgado para ambas as partes não tem previsão legal e contraria o texto do Código Penal.
• Além disso, não se pode querer “corrigir” a redação do art. 112, I, do CP invocando-se o art. 5º, LVII, da CF/88, porque nesse caso se estaria utilizando um dispositivo da Constituição Federal para respaldar uma “interpretação” totalmente desfavorável ao réu e contra expressa disposição legal.
• Exigir o trânsito em julgado para ambas as partes como termo inicial da contagem do lapso da prescrição da pretensão executória, ao contrário do texto expresso da lei, seria inaugurar novo marco interruptivo da prescrição não previsto no rol taxativo do art. 117 do CP, situação que também afrontaria o princípio da reserva legal.
• Assim, somente com a devida alteração legislativa é que seria possível modificar o termo inicial da prescrição da pretensão executória, e não por meio de "adequação hermenêutica".
• Vale ressaltar que o art. 112, I, do CP é compatível com a norma constitucional, não sendo o caso, portanto, de sua não recepção.

Precedentes
STJ. 5ª Turma. HC 254.080-SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 15/10/2013.
STF. 1ª Turma. HC 110133, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 03/04/2012.


sábado, 18 de janeiro de 2014

Em ação para fornecimento de medicamentos, o juiz pode determinar o bloqueio e sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento da decisão



Imagine a seguinte situação:
Pedro é portador de uma grave doença e seu médico prescreveu determinado medicamento que não é fornecido pela rede pública de saúde.
O paciente, por intermédio da Defensoria Pública, ajuíza ação ordinária contra o Estado-membro pedindo o fornecimento desse medicamento.
O juiz defere a tutela antecipada determinado o fornecimento do medicamento no prazo de 5 dias. Na decisão, o magistrado alerta que, se o Poder Público não cumprir a medida, ele irá determinar o bloqueio e o sequestro de verbas do Estado e a sua transferência para conta corrente de titularidade do autor a fim de que ele mesmo compre o medicamento de que precisa.

Indaga-se: o juiz pode fazer isso? Pode determinar ao Poder Público o fornecimento de medicamento a portador de doença grave, sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas públicas?
SIM. É possível ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento das partes, o bloqueio ou sequestro de verbas públicas como medida coercitiva para o fornecimento de medicamentos pelo Estado na hipótese em que a demora no cumprimento da obrigação acarrete risco à saúde e à vida do demandante.

O art. 461 do CPC preconiza:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

O juiz, para que a sua decisão tenha “força” e desperte no réu a ânsia de cumpri-la, deve determinar alguma medida coercitiva. O § 5º prevê, exemplificativamente, algumas medidas que poderão ser impostas. É certo que, além das ali listadas, o magistrado poderá impor outras que julgue mais eficazes. Veja o dispositivo:
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

Vale ressaltar que o Poder Judiciário não deve compactuar com a desídia do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis à proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais da vida e da saúde. Nesse sentido: AgRg no REsp 1002335/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 22.09.2008.

Mas os bens públicos não são impenhoráveis? Isso não seria uma forma de penhora de bens públicos? Ademais, não haveria uma quebra na regra dos precatórios?
Sim. No entanto, entendeu-se que o direito à saúde, garantido constitucionalmente (arts. 6º e 196), deveria prevalecer sobre princípios de Direito Financeiro ou Administrativo.

O direito fundamental à saúde deverá prevalecer sobre os interesses financeiros da Fazenda Pública, a significar que, no confronto de ambos, prestigia-se o primeiro em prejuízo do segundo. Assim, o regime constitucional de impenhorabilidade dos bens públicos e da submissão dos gastos públicos decorrentes de ordem judicial a prévia indicação orçamentária deve ser conciliado com os demais valores e princípios consagrados pela Constituição. Estabelecendo-se, entre eles, um conflito específico e insuperável, há de se fazer um juízo de ponderação para determinar qual dos valores conflitantes merece ser específica e concretamente prestigiado, sendo certo que o direito à saúde deverá ser prestigiado (Min. Teori Zavascki em voto proferido no STJ, REsp. 840.912/RS, DJ de 23/04/2007).

Assim, se, no caso concreto, estiver demonstrada que a aquisição do medicamento é medida urgente e impostergável para a saúde do autor, deve-se concluir que prevalece o direito fundamental à saúde em detrimento da regra que diz que os recursos públicos são impenhoráveis. Isso porque haveria um grande risco à vida do cidadão caso ele fosse obrigado a aguardar o procedimento de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, extremamente lento e burocrático.

O Relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, ressaltou, no entanto, que o bloqueio e sequestro de verbas públicas é medida que somente deve ser concedida em caráter excepcional, onde haja nos autos comprovação de que o Estado não esteja cumprindo a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados e de que a demora no recebimento acarrete risco à saúde e à vida do demandante.

Resumindo:
Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar, até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.069.810-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2013 (recurso repetitivo).

Trata-se de julgado de FUNDAMENTAL importância tanto na prática forense como para quem presta concursos públicos. Não há dúvida que será muito explorado nas provas em 2014.



sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A decisão a que se refere o § 6º do art. 273 do CPC tem natureza de tutela antecipada e não de julgamento antecipado parcial da lide



Imagine a seguinte situação hipotética:
A empresa X ajuizou uma ação contra a empresa Z cobrando um milhão de reais.
O juiz deferiu tutela cautelar determinando que a empresa Z depositasse o dinheiro cobrado em uma conta judicial até que se aguardasse o pronunciamento final.
Após efetuar o depósito em juízo, a empresa Z apresentou contestação reconhecendo que devia 200 mil reais e negando o restante do débito.
Desse modo, perceba que, quanto aos 200 mil reais, não há controvérsia, isto é, tanto o autor como o réu concordam que são devidos. Não há lide quanto a esse ponto. A controvérsia está nos 800 mil reais restantes. Somente quanto a essa parcela incontroversa é que o juiz terá que decidir na sentença quem tem razão.

Levantamento do valor incontroverso
Depois da contestação da ré, a autora apresentou petição ao juiz requerendo o levantamento do montante incontroverso.
O magistrado concordou com o pedido, fundamentando sua decisão no art. 273, § 6º do CPC:
Art. 273 (...)
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

Assim, foi expedido, em favor da autora, um alvará judicial no valor de 200 mil reais.

Tese da autora
Ocorre que a empresa X não concordou com o fato de o juiz ter liberado apenas 200 mil reais e afirmou que a esse valor deveria ser acrescido os honorários advocatícios e os juros de mora.
A argumentação deduzida pela autora foi, mais ou menos, a seguinte:
Nos casos do art. 273, § 6º, do CPC, apesar da lei falar em “tutela antecipada”, o que se tem é um reconhecimento parcial do pedido e um verdadeiro julgamento antecipado de parte do mérito da demanda.
Assim, não se trata de tutela antecipada, porque essa parcela já é definitiva por ser incontroversa. Não há nada mais para decidir em relação a essa parte da demanda, que se exauriu quando a ré reconheceu a procedência parcial do pedido.
Dessa forma, a decisão que autoriza o levantamento da quantia incontroversa não é proferida com cognição sumária, mas sim com cognição exauriente, capaz, inclusive, de produzir coisa julgada material.
Por consequência, a execução dessa parte incontroversa é definitiva (e não provisória).
Sendo definitivo o julgado, não existe fundamento para retardar a incidência dos juros e dos honorários quanto a essa parte do pedido.
Em suma, quanto aos 200 mil reais, o Poder Judiciário já reconheceu que a autora tem direito. Quanto a essa parte da demanda, a requerente já se sagrou vencedora e o réu sucumbiu. Logo, a autora tem direito de receber os honorários de sucumbência e o valor principal (200 mil reais) acrescidos dos juros de mora devidos desde a citação inicial.

A tese apresentada pela autora é aceita pela doutrina? O § 6º do art. 273 do CPC é um caso de tutela antecipada ou de julgamento antecipado da lide?

1ª corrente: JULGAMENTO ANTECIPADO
2ª corrente: TUTELA ANTECIPADA
Os processualistas mais modernos defendem que o § 6º do art. 273 do CPC não é, propriamente, tutela antecipada, mas sim uma hipótese de julgamento antecipado parcial da lide.
A localização topográfica do § 6º está errada e não deveria ter sido prevista no art. 273, mas sim no art. 330 do CPC.




Quando o juiz decide com base nesse § 6º sua cognição é exauriente e está fundada em juízo de certeza, sendo uma decisão apta a gerar coisa julgada material.



A decisão que aplica o § 6º é apta para fazer coisa julgada material.


Pode ser executada definitivamente.
Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que a regra do § 6º é sim uma hipótese de tutela antecipada, tanto que está inserida dentro do art. 273 do CPC.
Houve, portanto, uma opção legislativa.
No sistema atual do CPC, não é possível imaginar que haja o fracionamento do momento de decidir, ou seja, parte é decidida no começo do processo e outra parte somente no final. Em suma, o processo brasileiro não admite “sentenças parciais”.
Apesar de o juízo de verossimilhança ser mais forte do que nas demais hipóteses de tutela antecipada, é possível que, ao final da demanda, o magistrado reformule seu entendimento e revogue ou modifique a decisão que havia concedido a tutela.

A decisão que aplica o § 6º não é apta para fazer coisa julgada material, por força de opção legislativa.

A execução é provisória.
Nesse sentido:
Fredie Didier Júnior
Cássio Scarpinella Bueno
Daniel Mitidiero
Leonardo José Carneiro da Cunha
Joel Dias Figueira Júnior
Nesse sentido:
Teori Zavascki
Athos Gusmão Carneiro
Cândido Rangel Dinarmarco

Qual das duas correntes foi adotada pelo STJ?
A segunda.

Afirmou o Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva:
“(...) não se discute que a tutela prevista no § 6º do artigo 273 do CPC atende aos princípios constitucionais ligados à efetividade da prestação jurisdicional, ao devido processo legal, à economia processual e à duração razoável do processo, e que a antecipação em comento não é baseada em urgência, nem muito menos se refere a um juízo de probabilidade (ao contrário, é concedida mediante técnica de cognição exauriente após a oportunidade do contraditório). Porém, como já dito, por questão de política legislativa, a tutela acrescentada pela Lei nº 10.444/02 não é suscetível de imunização pela coisa julgada.
Assim sendo, não há como na fase de antecipação da tutela, ainda que com fundamento no § 6º do artigo 273 do CPC, permitir o levantamento dos consectários legais (juros de mora e honorários advocatícios), que deverão ser decididos em sentença.”
STJ. 3ª Turma. REsp 1.234.887-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19/9/2013.

MUITA ATENÇÃO com esse julgado que será bastante explorado nos concursos públicos em 2014.



quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Hospital que realiza transfusão de sangue observando todas as cautelas exigidas não é responsável pela contaminação do paciente



Imagine a seguinte situação adaptada:
Roberto realizou uma cirurgia e, após o procedimento, precisou receber uma transfusão de sangue.
Algum tempo depois, foi diagnosticado que ele contraiu o vírus HCV (hepatite C) por conta da referida transfusão de sangue.
Diante disso, Roberto ajuizou ação de indenização por danos morais contra o hospital, afirmando que houve fato do serviço (o serviço foi defeituoso), nos termos do art. 14 do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Doador de sangue não tinha hepatite
Durante a instrução probatória, ficou comprovado que o doador do sangue utilizado na transfusão não tinha hepatite C e que o hospital adotou todas as cautelas exigidas pelos protocolos médicos e hospitalares.

Janela imunológica
Como os exames do doador, na época, deram negativo, chegou-se a conclusão de que, quando ele foi fazer a doação do sangue, estava em um período de “janela imunológica”.
Janela imunológica é um período em que a pessoa já está contaminada pelo vírus e pode transmiti-lo a outras pessoas, mas, apesar disso, os exames feitos ainda não conseguem detectar a doença.
Assim, se a pessoa está no período da janela imunológica, o resultado do exame será um falso negativo.

Nesse caso concreto, houve defeito na prestação dos serviços por parte do hospital?
NÃO. A 4ª Turma do STJ entendeu que o hospital, para permitir a transfusão de sangue, adotou todas as cautelas razoáveis e possíveis, de modo a garantir a segurança do paciente.
Não se pode dizer que o hospital tenha incorrido em defeito na prestação dos serviços se a contaminação ocorreu em virtude da “janela imunológica”.

A doutrina especializada esclarece que mesmo que se adotem todos os testes adequados à análise sanguínea, ainda assim não é possível a eliminação total dos riscos de transfusão de sangue contaminado.

Desse modo, o consumidor, ao fazer um procedimento de transfusão de sangue, deve saber que não há absoluta segurança no procedimento por conta de limitações técnicas. Não se pode responsabilizar o hospital caso ele adote todos os procedimentos recomendados e, mesmo assim, haja a contaminação, uma vez que, segundo o estado atual da técnica, não existe possibilidade de se eliminar por completo os riscos na transfusão.

Em seu voto, o Min. Luis Felipe Salomão traz a opinião de doutrina abalizada sobre o tema, valendo a pena fazer aqui duas transcrições:
“(...) Não se pode eliminar, aqui, o risco de transfundir sangue contaminado a um paciente mesmo com a adoção das medidas adequadas à análise do sangue. Para minimizar essa possibilidade, adotam-se medidas de triagem do doador, que não são todas infalíveis, eis que dependentes da veracidade e precisão das informações por este prestadas.
Trata-se, como se vê, de um risco reduzido, porém não eliminável. Parece correto sustentar, assim, que aquilo que o consumidor pode legitimamente esperar não é, infelizmente, que sangue contaminado jamais seja utilizado em transfusões sanguíneas, mas sim que todas as medidas necessárias à redução desse risco ao menor patamar possível sejam tomadas pelas pessoas ou entidades responsáveis pelo processamento do sangue.” (FERRAZ, Octávio Luiz Motta Ferraz. Responsabilidade civil da atividade médica no código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 156).

“(...) embora haja especificidade e evolução da técnica, como vimos raramente será o ato transfusional 100% seguro, em face do nível do conhecimento científico atual não afastar a existência de riscos como aqueles produzidos pela chamada ‘janela imunológica’ que produz falsos resultados negativos nos testes a que é submetido o sangue. Ademais, o médico ao receitar uma transfusão de sangue compromete-se a utilizar todos seus conhecimentos e meios disponíveis para obtenção de um resultado: a preservação da vida e saúde do paciente. Não se obriga ele a alcançar o resultado em si, mesmo porque não lhe é dado o poder de garantir o sucesso do ato. Assim, ensejando a transfusão de sangue uma obrigação de meio, cumpre, em princípio àquele que busca indenização à prova da culpa ou o dolo do demandado.” (MURIEL, Christine Santini. Aspectos juridicos das transfusões de sangue. São Paulo: Revista dos Tribunais. Vol. 706. p. 30. Ago, 1994).


Em suma, o STJ afirmou que o hospital que realiza transfusão de sangue observando todas as cautelas exigidas por lei não é responsável pelo fato de o paciente ter sido contaminado com hepatite C, ainda que se considere que essa contaminação ocorreu por conta do fenômeno da janela imunológica.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.322.387-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/8/2013 (Info 532).


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O espólio tem legitimidade para ajuizar ação de indenização por danos morais?



O que é a herança?
A herança é o conjunto de bens deixado pela pessoa falecida.
Caracteriza-se, por força de lei, como sendo bem imóvel, universal e indivisível.
A herança é formada automaticamente pela morte e somente será dissolvida quando houver a partilha.

O que é o espólio?
O espólio é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele.
Mesmo sem possuir personalidade jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex: celebrar contratos, no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et. al., Código Civil para concursos. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).

Quem representa o espólio em juízo (quem age em nome do espólio)?
• Se já houve inventário: o espólio é representado em juízo pelo inventariante.
• Se ainda não foi aberto inventário: o espólio é representado pelo administrador provisório (art. 985 do CPC).

Fixados esses conceitos, imagine a seguinte situação hipotética:
João, viúvo, pai de Hugo, José e Luiz, faleceu em decorrência de suposta falha no atendimento hospitalar.
Foi aberto inventário, tendo Hugo sido nomeado como inventariante.
Os filhos decidem contratar um advogado para ajuizar uma ação de indenização contra o hospital pelos danos morais e materiais que eles sofreram com a morte do genitor.
O advogado propõe a ação de indenização indicando como autor o espólio.

O advogado agiu de maneira correta?
NÃO. O espólio não tem legitimidade para postular indenização pelos danos materiais e morais supostamente experimentados pelos herdeiros, ainda que se alegue que os referidos danos teriam decorrido de erro médico de que fora vítima o falecido.
Na situação exposta, o direito à reparação pelos danos causados com a morte é dos filhos de João por conta de direito próprio deles (e não por um direito que tenha sido transmitido com a herança). Assim, o direito à reparação pela morte de João nada tem a ver com a herança (não foi um bem deixado pelo falecido com a sua morte). Logo, o autor da demanda não deve ser o espólio.
Resumindo: o direito no qual se funda a ação é próprio dos herdeiros, e não um direito do de cujus que foi transmitido.

Vejamos, ao contrário, duas situações em que a legitimidade seria do espólio:
O espólio teria legitimidade para ajuizar a ação se o direito à indenização pertencesse ao falecido e tivesse sido transmitido aos herdeiros com a morte.

Ex1: suponhamos que, antes de João falecer, tenha sido publicada uma reportagem no jornal atacando a sua honra. João ajuizou uma ação de indenização contra o periódico, tendo, no entanto, morrido antes que a demanda fosse julgada. Nesse exemplo, considerando a natureza patrimonial do direito de ação por danos morais, esse direito se transmitirá aos herdeiros. Logo, o espólio possui legitimidade para suceder o autor na ação de indenização, operando-se a substituição processual, nos termos do art. 43 do CPC.

Ex2: a reportagem foi publicada atacando a honra de João. Ocorre que não deu tempo de ele tomar providências contra o periódico. Nessa hipótese, muito embora se reconheça o caráter pessoal da referida ação, o STJ e a doutrina majoritária consideram que o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima. Logo, o espólio tem legitimidade para intentar a ação de reparação por danos morais. Nesse sentido é o art. 943 do CC e o Enunciado 454 do CJF.

Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

Enunciado 454-CJF: Art. 943. O direito de exigir reparação a que se refere o art. 943 do Código Civil abrange inclusive os danos morais, ainda que a ação não tenha sido iniciada pela vítima.

Vale ressaltar que o direito de personalidade da pessoa morta não foi transmitido com a herança. O direito da personalidade extinguiu-se com a morte do titular. O que se transmitiu, nesse caso, foi apenas o direito patrimonial de requerer a indenização.

Agora, por fim, uma última hipótese:
Suponha que a reportagem atacando a honra de João foi publicada somente após a sua morte. Nesse caso, será possível o ajuizamento de ação de indenização por danos morais? Quem terá legitimidade para figurar no polo ativo: o espólio ou os herdeiros?
SIM, será possível a propositura de ação de indenização por danos morais. A legitimidade ativa para essa demanda é dos herdeiros, nos termos do parágrafo único do art. 12 do CC:
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Se o dano ocorre depois da morte do titular, não produz efeitos jurídicos ao morto. Contudo, tal ofensa atinge, indiretamente, os familiares vivos da pessoa morta, caracterizados como “lesados indiretos”. Assim sendo, os herdeiros, considerados como “lesados indiretos” pelas ofensas devem propor a ação em nome próprio. Como explicam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
“(...) é um direito reconhecido às pessoas vivas de ter salvaguardada a personalidade dos seus parentes (e do cônjuge ou companheiro) falecidos, sob pena de afronta à sua própria personalidade. Isto porque ao violar a honra, imagem, sepultura etc., de uma pessoa morta, atinge-se, obliquamente (indiretamente, na linguagem do Código Civil), os seus parentes (e o cônjuge ou companheiro) vivos.
Bem por isso, os lesados indiretos atuam em nome próprio, defendendo um interesse próprio, consistente na defesa da personalidade de seus parentes (ou de seu cônjuge ou companheiro) falecidos. Agem, pois, por legitimidade ordinária, autônoma, e não em substituição processual.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 198)

Nessa última hipótese, o espólio poderia ingressar com ação de indenização por danos morais?
NÃO. O espólio não tem legitimidade para buscar reparação por danos morais decorrentes de ofensa post mortem à imagem e à memória de pessoa. Logo, a legitimidade é dos herdeiros (e não do espólio). Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1.209.474-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/9/2013.

Quadro-resumo:
Ofensa a direito da personalidade da pessoa enquanto viva, tendo esta ajuizado ação de indenização, mas falecido antes do trânsito em julgado.
O espólio é legitimado a prosseguir na demanda.
Ofensa a direito da personalidade da pessoa enquanto viva. Esta faleceu sem ter ajuizado a ação.
O espólio é legitimado a propor a ação de indenização.
Ofensa à memória da pessoa já falecida.
Os herdeiros (e não o espólio) são legitimados para propor a ação de indenização.
Dor e sofrimento causado pela morte da pessoa.
Os herdeiros (e não o espólio) são legitimados para propor a ação de indenização.

Precedentes do STJ sobre o tema:
4ª Turma. REsp 1.143.968-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/2/2013 (Info 517).
4ª Turma. REsp 1.209.474-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/9/2013 (Info 532).



segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

INFORMATIVO Esquematizado 531 do STJ



Olá amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO comentado 531 do STJ.

Bons estudos e fiquem com Deus.




Livro PRINCIPAIS JULGADOS DO STF E STJ COMENTADOS 2012.

Trata-se da compilação e a organização de todos os informativos esquematizados de 2012.

Além de tornar a leitura mais agradável, se comparado com a tela do computador, o livro tem outra grande vantagem: os julgados foram agrupados de acordo com os ramos do direito e, dentro de cada um deles, foram organizados segundo os respectivos assuntos. Assim, por exemplo, no capítulo sobre “Processo Civil”, temos diversos subtópicos para tratar sobre competência, petição inicial, citação, intimação, litisconsórcio, tutela antecipada, recursos etc.

Vale ressaltar, ainda, que a obra conta com um extenso índice, que facilita a busca rápida dos temas.

Com isso, o livro foi organizado como se fosse um curso, envolvendo os principais assuntos de cada matéria, com trechos de doutrina, lei e, principalmente, a explicação dos julgados de 2012.

O livro possui mais de 1000 páginas, capa dura e está sendo vendido no próprio site por R$ 94,00 (valor que inclui o frete). O prazo de entrega é de 15 dias úteis.

Para os residentes em Manaus, o livro encontra-se também disponível na Livraria Capital e na Livraria do Fórum.




INFORMATIVO Esquematizado 531 STJ - Versão Resumida





Olá amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO Esquematizado 531 STJ - Versão Resumida.

Bons estudos.


sábado, 11 de janeiro de 2014

Não cabe prisão civil do inventariante em razão do inadimplemento do espólio



Olá amigos do Dizer o Direito,

As questões envolvendo “pensão alimentícia” são muito importantes tanto na prática forense como nos concursos públicos.

Hoje vamos enfrentar o seguinte tema: caso o alimentante (devedor de alimentos) morra, o espólio continuará tendo a obrigação de pagar? E se houver descumprimento da obrigação, poderá haver prisão civil do inventariante?

Vejamos:

O que é a herança?
A herança é o conjunto de bens deixado pela pessoa falecida.
Caracteriza-se, por força de lei, como sendo bem imóvel, universal e indivisível.
A herança é formada automaticamente pela morte e somente será dissolvida quando houver a partilha.

O que é o espólio?
O espólio é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele.
Mesmo sem possuir personalidade jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex: celebrar contratos, no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et. al., Código Civil para concursos. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).

Quem representa o espólio em juízo (quem age em nome do espólio)?
• Se já houve inventário: o espólio é representado em juízo pelo inventariante.
• Se ainda não foi aberto inventário: o espólio é representado pelo administrador provisório (art. 985 do CPC).

Vale ressaltar que o inventariante é o responsável pela administração da herança, conforme previsto no Código Civil:
Art. 1.991. Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante.

Fixados estes conceitos, imagine a seguinte situação hipotética:
Luis ajuizou execução de alimentos sob o rito do art. 733 do CPC em face do espólio de Januário (seu falecido pai), representado pela inventariante Madalena (esposa do morto), pleiteando o recebimento de alimentos referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro, bem como os vencidos no curso do processo (Súmula 309 do STJ).
A inventariante foi citada para, em 3 dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
Madalena apresentou, então, uma petição ao juiz justificando que o espólio não tem como efetuar o pagamento da pensão alimentícia arbitrada porque os bens que compõem o acervo hereditário não têm gerado renda.
O juiz entendeu que as justificativas apresentadas não eram suficientes e, então, decretou a prisão civil de Madalena (§ 1º do art. 733 do CPC).
Foi interposto agravo de instrumento, tendo o TJ mantido a decisão do magistrado.
Diante disso, o advogado de Madalena impetrou habeas corpus no STJ em seu favor.

O que decidiu o STJ em um caso análogo a esse? O inadimplemento de pensão alimentícia transmitida ao espólio pode acarretar a prisão civil de seu inventariante?
NÃO.  Não cabe prisão civil do inventariante em razão do descumprimento da obrigação do espólio de prestar alimentos.
STJ. 4ª Turma. HC 256.793-RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 1º/10/2013 (Info 531)

O CC/2002 previu que a “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor” (art. 1.700).

O STJ interpreta que, apesar de existir esse dispositivo, o dever de prestar alimentos continua sendo personalíssimo. Assim, os herdeiros irão responder pela obrigação até o limite da herança, tendo em vista que a dívida é oriunda de obrigação pretérita do morto e não originária dos herdeiros (arts. 1.792 e 1.997 e Enunciado 343 do CJF).

Além disso, a jurisprudência do STJ admite a transmissão da obrigação alimentar ao espólio apenas nos casos em que, antes de a pessoa morrer, já havia estipulação, por sentença judicial ou acordo prévio da obrigação alimentar, de modo a garantir a manutenção do alimentando durante a tramitação do inventário.

(...) A obrigação de prestar alimentos só se transmite ao espólio quando já constituída antes da morte do alimentante. (...) (STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 271.410/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 23/04/2013).

(...) Inexistindo condenação prévia do autor da herança, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível (...) (STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 981.180/RS, Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino, julgado em 07/12/2010).

Assim, não é possível, portanto, o ajuizamento de ação de alimentos em face do espólio, se quando do falecimento do autor da herança (ex: pai do alimentando) não havia alimentos fixados em acordo ou sentença em seu favor.

Em suma, o espólio tem a obrigação de pagar pelos alimentos desde que:
• eles já estivessem fixados antes da morte; e
• apenas até os limites das forças da herança.

Desse modo, para o STJ, apesar do art. 1.700 do CC, os alimentos continuam ostentando caráter personalíssimo, de forma que, no que tange à obrigação alimentar, não há que se falar em transmissão do dever jurídico (em abstrato) de prestá-los  (REsp 1130742/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04/12/2012).

Nesse mesmo sentido, afirmou o Min. João Otávio de Noronha:
“(...) Não se pode confundir a regra do art. 1.700, segundo o qual a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, com a transmissão do dever jurídico de alimentar, utilizada como argumento para a propositura da presente ação. Trata-se, na verdade, de coisas distintas. O dever jurídico é abstrato e indeterminado e a ele se contrapõe o direito subjetivo, enquanto que a obrigação é concreta e determinada e a ela se contrapõe uma prestação.
Havendo condenação prévia do autor da herança, há obrigação de prestar alimentos e esta se transmite aos herdeiros. Inexistente a condenação, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de alimentar, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. (...)” (REsp 775180/MT).

O que se transmite, portanto, é a obrigação concreta já fixada antes da morte, mas não o dever jurídico (em abstrato).

Justamente pelo fato de o dever de alimentar ser personalíssimo e instramissível é que o STJ entende que não é possível a decretação de prisão civil do inventariante do espólio, uma vez que a restrição da liberdade constitui sanção também de natureza personalíssima e que não pode recair sobre terceiro, estranho ao dever de alimentar, como acontece com o inventariante.