O que é o contrato de seguro?
No contrato de seguro, “o
segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse
legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados” (art. 757 do CC).
Em outras palavras, no contrato
de seguro, uma pessoa física ou jurídica (chamada de “segurada”) paga uma
quantia denominada de “prêmio” para que uma pessoa jurídica (“seguradora”)
assuma determinado risco. Caso o risco se concretize (o que chamamos de
“sinistro”), a seguradora deverá fornecer à segurada uma quantia previamente
estipulada (indenização).
Ex.: João celebra um contrato de
seguro do seu veículo com a seguradora X e todos os meses paga R$ 100,00 como
prêmio; se, por exemplo, o carro for roubado (sinistro), a seguradora deverá
pagar R$ 30 mil a título de indenização para o segurado.
Nomenclaturas utilizadas nos
contratos de seguro
Risco: é a possibilidade de ocorrer o sinistro. Ex.: risco de
morte.
Sinistro: o sinistro é o risco concretizado. Ex.: morte.
Apólice (ou bilhete de seguro): é um documento emitido pela
seguradora, no qual estão previstos os riscos assumidos, o início e o fim de
sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido e, quando for o caso, o
nome do segurado e o do beneficiário.
Prêmio: é a quantia paga pelo segurado para que o segurador assuma
o risco. O prêmio deve ser pago depois de recebida a apólice. O valor do prêmio
é fixado a partir de cálculos atuariais e o seu valor leva em consideração os
riscos cobertos.
Indenização: é o valor pago pela seguradora caso o risco se
concretize (sinistro).
Risco, mutualidade e boa-fé
O contrato de seguro é baseado no
risco, na mutualidade e na boa-fé, que constituem seus elementos essenciais.
Vejamos cada um deles:
• Risco: relaciona-se com os
fatos e as situações da vida real que causam probabilidade de dano e com as
características pessoais de cada um, aferidas comumente no perfil do segurado.
Ex: em um contrato de automóvel, o risco é maior em uma grande capital do que
em uma pequena cidade do interior; o risco é maior para um motorista de 18 a 24
anos do que para um condutor com idade acima disso.
• Mutualidade: significa dizer
que existe uma solidariedade econômica entre os segurados. Isso porque o
dinheiro pago pelos segurados forma uma espécie de "poupança
coletiva" ou um fundo, que será utilizado para cobrir os prejuízos que
possam advir dos sinistros. Em outras palavras, é a distribuição dos custos do
risco comum (socialização das perdas). Ademais, a contribuição de cada um será
proporcional à gravidade do risco a que está sujeito, obtida por meio de dados
estatísticos e cálculos atuariais.
• Boa-fé: é a veracidade, a
lealdade, de ambas as partes, que devem agir reciprocamente isentas de dolo ou
engano. No contrato de seguro, a boa-fé assume maior relevo, pois tanto o
cálculo do risco como a manutenção do mutualismo dependem das afirmações da pessoa
que contrata o seguro. A seguradora, utilizando-se das informações prestadas
pelo segurado, como na cláusula de perfil, chega a um valor de prêmio conforme
o risco garantido e a classe tarifária enquadrada, de modo que qualquer risco
não previsto no contrato ou o seu incremento intencional desequilibra o seguro
economicamente, dado que não foi incluído no cálculo atuarial nem na
mutualidade contratual (base econômica do seguro).
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
A empresa transportadora
"Transporte Bem" fez um contrato de seguro para cobrir possíveis
sinistros em seus veículos.
João, motorista da
transportadora, estava conduzindo um caminhão da empresa, quando envolveu-se em
um acidente e tombou o veículo, causando a perda total do bem segurado.
A transportadora acionou o seguro
pedindo o pagamento da indenização prevista no contrato.
A seguradora recusou-se a pagar a
indenização alegando que houve agravamento intencional do risco do objeto
contratado. Isso porque ficou constatado pela Polícia Rodoviária Federal que
João estava embriagado no momento do fato, o que foi determinante para a ocorrência
do acidente.
A transportadora ingressou com
ação de cobrança contra a seguradora afirmando que, quando entregou seu veículo
ao motorista, este estava em plenas condições de dirigir, de forma que não foi
ela (transportadora) que gerou o agravamento intencional de risco. Alegou
também que o motorista é considerado "terceiro" nesta relação
jurídica entre a transportadora e a seguradora, de forma que o ato cometido por
este terceiro não pode ser equiparado a fato imputável ao próprio segurado.
No seguro de automóvel celebrado
por uma empresa com a seguradora, é devida a indenização securitária quando o
causador do sinistro foi terceiro condutor (preposto da empresa segurada) que
estava em estado de embriaguez?
• Em regra: NÃO.
• Exceção: será devido o
pagamento da indenização se a empresa segurada conseguir provar que o acidente
ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado.
Não é devida a indenização securitária decorrente de contrato de seguro
de automóvel quando o causador do sinistro – preposto da empresa segurada –
estiver em estado de embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que o
infortúnio ocorreria independentemente dessa circunstância.
STJ. 3ª Turma. REsp
1.485.717-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/11/2016 (Info
594).
Agravamento do risco e perda da
indenização
O art. 768 do Código Civil prevê:
Art. 768. O segurado
perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do
contrato.
Assim, havendo agravamento do
risco, o segurado perde o direito à indenização.
O segurado deverá, por dolo ou
culpa grave, ter praticado algum ato que aumente o risco que havia sido
combinado.
Ex: Pedro faz um seguro de
automóvel; isso significa que o risco objeto do contrato, assumido pela
seguradora, é o de garantir a indenização ao segurado caso aconteça danos ao
automóvel; no entanto, a seguradora calcula e assume esse risco levando em
consideração que o condutor vá dirigir o veículo sóbrio; se o motorista resolve
dirigir alcoolizado, ele está aumentando (agravando) intencionalmente o risco
que foi combinado com a seguradora; o prêmio cobrado pela seguradora é baseado
em estatísticas sobre a probabilidade do sinistro; se o condutor dirige
embriagado, a probabilidade do sinistro é bem maior que sóbrio.
Conduta praticada pelo segurado
Vale ressaltar que, para ser
considerado "agravamento do risco", é necessário que a conduta tenha
sido praticada pelo próprio segurado.
O segurado deverá, com dolo ou
culpa grave, ter praticado algum ato que aumente o risco que havia sido
combinado.
Ingestão de álcool e agravamento
do risco
É cientificamente comprovado que
a ingestão de bebida alcoólica reduz o discernimento, os atos reflexos, o
processamento de informações no cérebro, entre outras consequências danosas,
mesmo em pequenas doses, o que torna o motorista menos apto a dirigir,
aumentando sensivelmente o risco de o sinistro acontecer. Assim, há clara
relação entre o consumo consciente de bebida alcoólica e a majoração da taxa de
acidentalidade, demonstrada, inclusive, por dados estatísticos.
Em outros termos, a bebida
alcoólica é capaz de alterar as condições físicas e psíquicas do motorista,
que, combalido por sua influência, acaba por aumentar a probabilidade de
produção de acidentes e danos no trânsito.
Assim, a direção do veículo por
um condutor alcoolizado representa agravamento essencial do risco combinado.
Por essas razões, a cláusula
contratual excluindo a cobertura do seguro no caso de embriaguez não é abusiva,
pelo contrário, legítima. Deve, contudo, estar prevista de forma expressa e
clara.
O seguro de automóvel não pode
servir de estímulo para a assunção de riscos imoderados que, muitas vezes,
beiram o abuso de direito, a exemplo da embriaguez ao volante. A função social do
contrato de seguro de automóveis é servir como um instrumento de valorização da
segurança viária, devendo, por isso, estar de acordo com as leis penais e
administrativas que punem a embriaguez ao volante.
O segurado, quando ingere bebida
alcoólica e assume a direção do veículo, frustra a justa expectativa das partes
contratantes na execução do seguro, pois rompe-se com os deveres anexos do
contrato, como os de fidelidade e de cooperação.
Embriaguez ao volante e presunção
de que o risco foi aumentado
Uma vez constatado que o condutor
do veículo estava sob influência do álcool quando se envolveu em acidente de
trânsito, haverá uma presunção relativa de que o risco da sinistralidade foi
agravado, o que ensejará a aplicação da pena do art. 768 do CC.
Por outro lado, a indenização
securitária deverá ser paga se o segurado demonstrar que o infortúnio ocorreria
independentemente do estado de embriaguez. Ex: o segurado poderá provar que a
culpa foi do outro motorista, que houve falha do próprio automóvel, imperfeições
na pista, animal na estrada etc.
Ônus da prova
Seguradora: precisa comprovar que
o motorista estava embriagado. A partir daí surge a presunção de que houve o
agravamento do risco e a indenização não será, em princípio, devida.
Segurado: poderá comprovar que o
acidente ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado. Se não
conseguir provar isso, perderá o direito à indenização.
E se o indivíduo que estava
dirigindo embrigado não era aquele que contratou o seguro?
A configuração do risco agravado
não se dá somente quando o próprio segurado se encontra alcoolizado na direção
do veículo, mas abrange também os condutores principais (familiares, empregados
e prepostos). Isso porque o agravamento intencional de que trata o art. 768 do
CC envolve tanto o dolo quanto a culpa grave do segurado, que tem o dever de
vigilância (culpa in vigilando) e o
dever de escolha adequada daquele a quem confia a prática do ato (culpa in eligendo). Se o segurado não escolhe
de forma correta a quem entrega o veículo ou não o fiscaliza adequadamente,
incide em culpa.
O segurado deve se portar e tomar
todos os máximos cuidados como se não tivesse feito o seguro. A isso se chama
de princípio do absenteísmo, isto é, ele tem o dever de se abster de tudo que
possa incrementar, de forma desarrazoada, o risco contratual.
Logo, a pessoa que fez o seguro
deve tomar todos os cuidados possíveis quando for entregar o veículo segurado
para alguém dirigir.
Desse modo, o simples fato de o
indivíduo que estava dirigindo não ser aquele que contratou o seguro não serve
como argumento para que a indenização deixe de ser paga. Como explica a
doutrina:
"(...)
não fosse assim e admitido o entendimento acima exposto, bastaria ao
proprietário do veículo nunca conduzi-lo, fazendo sempre uso do subterfúgio de
registrar o bem em nome de terceiro, de esposa, de filhos, pois se imunizaria
frente às consequências contratuais do mau uso que vier a fazer do bem.
Seria como que
um salvo-conduto para que se conduzisse o veículo sob influência de álcool,
impregnando o contrato de seguro com uma exegese frontalmente contrária à
função social mencionada no art. 421 do CC e à boa-fé preconizada no art. 422
do mesmo diploma legal.
(...)
Ao se entender
que o dispositivo do art. 768 do CC deve ser interpretado literalmente e que a
disposição contratual acerca da inexistência de cobertura por condução de
veículo sob influência de álcool destina-se unicamente ao próprio segurado, se
está emprestando ao contrato de seguro de veículos automotores uma exegese, a
nosso ver, contrária à sua função social e com efeitos nefastos a toda a
sociedade."
(FERNANDES,
Marcus Frederico B. Seguro de Automóvel - perda de direito decorrente de
condução por terceiro sob efeito de álcool. In: Direito dos Seguros, MIRAGEM, Bruno e CARLINI, Angélica (org.), São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 459)
Dessa forma, o principal condutor
do veículo, se não for o próprio segurado, equipara-se a ele, o que afasta
qualquer caracterização de terceiro eventual, trazendo-lhe, portanto, a obrigação
de observar as mesmas condições e cautelas na direção do veículo, para assim
não aumentar intencionalmente o risco do objeto contratado.
Voltando ao exemplo hipotético:
O caminhão da empresa segurada
sofreu perda total após ter se envolvido em acidente (tombamento sozinho na
pista).
Ficou provado que o motorista
estava embriagado e com sonolência no momento do sinistro, sendo evidente o
agravamento do risco objeto do contrato.
Além disso, havia cláusula
contratual expressa que excluía o direito de cobertura quando o condutor
estivesse sob o estado de ebriedade.
O fato de o veículo ter sido
conduzido por empregado da segurada (e não por seu dirigente ou sócio) não
impede a aplicação da penalidade prevista no art. 768 do CC, porquanto a
empresa não agiu com a cautela necessária ao contratar o motorista (culpa in vigilando e in eligendo) que, intencionalmente, embriagou-se antes de ter
pegado a direção, colocando diretamente em risco a segurança no trânsito, tanto
que culminou na ocorrência do sinistro.
A empresa não conseguiu provar
que o acidente ocorreria mesmo que o condutor estivesse sóbrio.
Logo, não há como afastar a culpa
grave da empresa, devendo ela perder o direito à indenização securitária por
agravamento intencional do risco contratado.