sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

O consumidor deverá ser indenizado em caso de roubo ocorrido no estacionamento de lanchonete?



Imagine a seguinte situação hipotética:
João lanchou na McDonald´s que fica em uma rua próxima à sua casa.
Após realizar a refeição, ao retornar ao estacionamento da lanchonete, João foi abordado por dois ladrões armados, que levaram a sua motocicleta.
Vale ressaltar que esta unidade da lanchonete não fica dentro de shopping. Importante também esclarecer que o estacionamento oferecido pela lanchonete é externo e gratuito.
João ajuizou ação de indenização por danos contra a lanchonete, argumentando, em síntese, que:
• a relação entre ele e a empresa é de consumo, de forma que a responsabilidade é objetiva;
• houve defeito na prestação do serviço (art. 12 do CDC);
• a simples disponibilização de estacionamento (ainda que por cortesia e sem efetivo controle de acesso), por agregar valor e comodidade ao serviço oferecido, enseja a assunção pela lanchonete dos deveres de guarda e vigilância;
• há dever de indenizar, nos termos do que preconiza a Súmula 130 do STJ.

Súmula 130-STJ: A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.

O pedido de João deve ser acolhido segundo o entendimento do STJ?
NÃO.

O STJ entendeu que não havia como a lanchonete impedir o roubo da motocicleta, especialmente porque o bem foi subtraído diretamente da vítima e o delito foi praticado por meliantes que fizeram uso de arma de fogo, situação que caracteriza causa excludente de responsabilidade.

Não se aplica, no caso, a Súmula 130 do STJ porque aqui não se trata de simples subtração (furto) ou avaria (dano) da motocicleta pertencente ao autor. Houve, na verdade, um roubo praticado por terceiros, inclusive com emprego de arma de fogo, o que evidencia ainda mais a inevitabilidade do resultado danoso.

O art. 393 do Código Civil prevê a força maior e o caso fortuito como causas excludentes do nexo causal e, por consequência, da própria responsabilidade civil. O parágrafo único do mencionado dispositivo, por sua vez, dispõe que ambos se configuram na hipótese de fato necessário, cujos efeitos se revelem impossíveis de evitar ou impedir:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

A ideia que esse dispositivo transmite é que o agente não deve responder pelos danos causados na hipótese em que não lhe era possível antever e, sobretudo, impedir o acontecimento, como foi o caso do roubo no estacionamento externo e gratuito da lanchonete.

E se o roubo tivesse ocorrido no estacionamento de um grande shopping center?
Neste caso, haveria sim o dever de indenizar, conforme já decidiu o STJ: REsp 1.269.691-PB, Rel. originária Min. Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/11/2013 (Info 534).

Para o STJ, o fornecedor dos serviços deverá indenizar o consumidor em caso de roubo armado ocorrido em:
• Estacionamentos privados (pagos);
• Estacionamentos de grandes shopping centers;
• Estacionamentos de de grandes redes de hipermercados;

Estacionamentos privados (pagos)
Se a empresa explora serviço de estacionamento, ela não poderá invocar o argumento da força maior. Isso porque o roubo é algo inerente à atividade comercial que ela explora. Os riscos oriundos de seus deveres de guarda e segurança constituem, na verdade, a própria essência do serviço oferecido e pelo qual ela cobra a contraprestação.
Logo, trata-se daquilo que a doutrina e a jurisprudência chamam de fortuito interno.
A culpa exclusiva de terceiros somente elide (elimina) a responsabilidade objetiva do fornecedor se for uma situação de “fortuito externo”. Se o caso for de “fortuito interno”, persiste a obrigação de indenizar.
Fortuito interno
Fortuito externo
Está relacionado com a organização da empresa.
É um fato ligado aos riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor.
Não está relacionado com a organização da empresa.
É um fato que não guarda nenhuma relação de causalidade com a atividade desenvolvida pelo fornecedor.
É uma situação absolutamente estranha ao produto ou ao serviço fornecido.
Ex1: o estouro de um pneu do ônibus da empresa de transporte coletivo;



Ex2: cracker invade o sistema do banco e consegue transferir dinheiro da conta de um cliente.

Ex3: durante o transporte da matriz para uma das agências, ocorre um roubo e são subtraídos diversos talões de cheque (trata-se de um fato que se liga à organização da empresa e aos riscos da própria atividade desenvolvida).
Ex1: assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo (não é parte da organização da empresa de ônibus garantir a segurança dos passageiros contra assaltos);

Ex2: um terremoto faz com que o telhado do banco caia, causando danos aos clientes que lá estavam.
O fortuito interno NÃO exclui a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor.
O fortuito externo é uma causa excludente de responsabilidade.

Estacionamentos de grandes shoppings centers ou redes de hipermercados
O fornecedor deverá indenizar o consumidor com base na aplicação da teoria do risco (risco-proveito).
Além disso, se a pessoa é roubada em locais como esse, verifica-se a violação de uma legítima expectativa do consumidor, que imagina que estará seguro frequentando um ambiente como esse.

Voltando ao caso da lanchonete
No caso de João, ele foi vítima de assalto em um estacionamento aberto, gratuito, desprovido de controle de acesso, cercas ou de qualquer aparato de segurança, circunstâncias que evidenciam que o consumidor não poderia ter legítima expectativa de que estaria completamente seguro em um ambiente como aquele.

Em suma:
Em casos de roubo, o STJ tem admitido a interpretação extensiva da Súmula 130 do STJ, para entender que há o dever do fornecedor de serviços de indenizar, mesmo que o dano tenha sido causado por roubo, se este foi praticado no estacionamento de empresas destinadas à exploração econômica direta da referida atividade (hipótese em que configurado fortuito interno) ou quando esta for explorada de forma indireta por grandes shopping centers ou redes de hipermercados (hipótese em que o dever de reparar resulta da frustração de legítima expectativa de segurança do consumidor).
Por outro lado, não se aplica a Súmula 130 do STJ em caso de roubo de cliente de lanchonete fast-food, se o fato ocorreu no estacionamento externo e gratuito por ela oferecido. Nesta situação, tem-se hipótese de caso fortuito (ou motivo de força maior), que afasta do estabelecimento comercial proprietário da mencionada área o dever de indenizar (art. 393 do Código Civil).
Logo, a incidência do disposto na Súmula 130 do STJ não alcança as hipóteses de crime de roubo a cliente de lanchonete, praticado mediante grave ameaça e com emprego de arma de fogo, ocorrido no estacionamento externo e gratuito oferecido pelo estabelecimento comercial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.431.606-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/08/2017 (Info 613).




Penhora de valores depositados em conta bancária conjunta



Imagine a seguinte situação hipotética:
João ingressou com execução contra Luciana.
No bojo da ação, foram penhorados R$ 100 mil que estavam na conta-corrente de Luciana.
Pedro, marido de Luciana, apresentou, então, embargos de terceiro afirmando que o dinheiro foi penhorado em uma conta bancária conjunta solidária que ele mantém com a esposa. Alegou, ainda, que, apesar de a mencionada conta ser conjunta, os valores penhorados pertenciam exclusivamente a ele.
Diante disso, pediu a liberação de toda a quantia.
Vale ressaltar que Pedro não apresentou nenhum documento comprovando que o dinheiro pertencia realmente a ele.

O que o juiz deverá decidir nesse caso? O pedido de Pedro poderá ser atendido?
Em parte.

Espécies de conta-bancária
Há duas espécies de conta-corrente bancária:
1) individual (ou unipessoal): possui um único titular.
2) coletiva (ou conjunta): possui dois ou mais titulares.

A conta-corrente bancária coletiva ou conjunta, por sua vez, pode ser:
2.a) fracionária: é aquela que é movimentada por intermédio de todos os titulares, isto é, sempre com a assinatura de todos. Ex: conta aberta em nome de todos os herdeiros, para administrar os bens do falecido antes da partilha.
2.b) solidária: cada um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, em decorrência da solidariedade ativa em relação ao banco.

O que significa essa palavra “solidária”?
Quando se fala em conta-corrente conjunta solidária, isso quer dizer que existe uma relação obrigacional solidária dos correntistas com o banco. Assim, os correntistas são credores solidários do banco quando há saldo, ou seja, cada um dos dois pode exigir o dinheiro todo da instituição financeira. Ao mesmo tempo, os correntistas também são devedores solidários do banco caso exista alguma tarifa ou outra despesa relacionada com a conta.
Vale ressaltar, no entanto, que essa solidariedade não existe em relação a terceiros. Assim, por exemplo, se um dos correntistas emite um cheque sem fundos, o outro correntista da conta não tem qualquer responsabilidade perante o beneficiário do cheque. Ele não é devedor solidário juntamente com o emitente do cheque.

Voltando ao nosso exemplo: é possível a penhora de valores que estejam em uma conta bancária conjunta mesmo que a dívida seja apenas de um dos correntistas?
SIM. A penhora de valores contidos em conta bancária conjunta é admitida pelo ordenamento jurídico. No entanto, a constrição não pode se dar em proporção maior que o numerário pertencente ao devedor da obrigação, devendo ser preservado o saldo dos demais cotitulares. Em outras palavras, deve ser penhorado apenas o dinheiro que pertence ao executado.

Ônus da prova é do cotitular que não era devedor
Quando se penhora o valor constante em conta bancária conjunta solidária, deve-se permitir que o cotitular prove que a quantia penhorada pertence a ele. Logo, Pedro poderia ter provado que o dinheiro penhorado pertencia inteiramente a ele. Nesse caso, a verba seria integralmente liberada.
Ressalto, mais uma vez, o ônus da prova cabe ao cotitular que não é devedor. O credor consegue a penhora e o cotitular da conta, que não tinha nada a ver com a dívida, é quem terá que provar que o dinheiro que foi penhorado pertencia exclusivamente a ele.

E se o cotitular não conseguir provar que o dinheiro pertencia inteiramente a ele, o que acontecerá?
Se o cotitular não executado não conseguir provar que a verba penhorada pertencia inteiramente a ele, deve-se presumir que a quantia existente na conta bancária era dividida igualmente entre os cotitulares. Em outras palavras, como Pedro não conseguiu provar que o dinheiro era todo dele, deve-se considerar que dos R$ 100 mil, R$ 50 mil eram seus e a outra metade era de Luciana.
Dessa forma, em nosso exemplo, como não houve prova de que o dinheiro era todo do embargante, o juiz deverá manter penhorados R$ 50 mil e desbloquear os R$ 50 mil que, presumidamente, são de Pedro.

Confira um julgado do STJ que espelha esse entendimento:
A penhora de valores depositados em conta bancária conjunta solidária somente poderá atingir a parte do numerário depositado que pertença ao correntista que seja sujeito passivo do processo executivo, presumindo-se, ante a inexistência de prova em contrário, que os valores constantes da conta pertencem em partes iguais aos correntistas.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.184.584-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/4/2014 (Info 539).



INFORMATIVO Comentado 613 STJ




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Confira abaixo o índice. Bons estudos.


ÍNDICE DO INFORMATIVO 613 DO STJ

DIREITO ADMINISTRATIVO
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
É possível PAD contra servidor público federal que pratica ilegalidade durante sua gestão em fundação privada de apoio à Universidade Federal.

DIREITO CIVIL
OBRIGAÇÕES
Não é possível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória.

ARBITRAGEM
O árbitro e a instituição de arbitragem não têm legitimidade para figurarem no polo passivo de eventual ação anulatória.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Devedor pode ajuizar ação de prestação de contas contra a instituição financeira com o objetivo de se conhecer o resultado da alienação extrajudicial do bem apreendido.

USUCAPIÃO
A decretação da falência do proprietário do imóvel interrompe o prazo para que o possuidor possa adquirir este bem por usucapião.
Se o juízo criminal decretou a perda do imóvel que está sendo pleiteado em ação de usucapião, esta decisão produzir efeitos no juízo cível, devendo a ação ser extinta por perda do objeto.

DIREITO DO CONSUMIDOR
RESPONSABILIDADE CIVIL
Lanchonete não tem o dever de indenizar consumidor vítima de roubo ocorrido no estacionamento externo e gratuito do estabelecimento.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL
CURADOR ESPECIAL
Curador especial pode apresentar reconvenção.

RECURSOS
Se a decisão proferida pelo juiz induzir a parte a interpor o recurso errado, deve-se reconhecer que houve dúvida objetiva, que justifica o princípio da fungibilidade.

EXECUÇÃO
Penhora de valores depositados em conta bancária conjunta.

DIREITO PENAL
CRIMES NO ECA
Se a infração penal envolveu dois adolescentes, o réu deverá ser condenado por dois crimes de corrupção de menores (art. 244-B do ECA).

CRIME AMBIENTAL
Art. 56 da Lei 9.605/98 é crime de perigo abstrato e dispensa prova pericial.

DIREITO PROCESSUAL PENAL
REMIÇÃO
É possível a remição pela participação em coral musical.

DIREITO TRIBUTÁRIO
PIS/PASEP COFINS
Lei 10.865/2004 autorizou que decreto reduzisse ou restabelecesse as alíquotas do PIS/PASEP e COFINS, de forma que o Decreto nº 8.426/2015 é válido.












INFORMATIVO Comentado 613 STJ - Versão Resumida


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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

INFORMATIVO Comentado 612 STJ




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Confira abaixo o índice. Bons estudos.


ÍNDICE DO INFORMATIVO 612 DO STJ

DIREITO ADMINISTRATIVO
CONCURSO PÚBLICO
O candidato aprovado fora do número de vagas, mas que fique dentro do número de vagas em virtude da desistência de alguém melhor colocado, passa a ter direito subjetivo de ser nomeado.

CONSELHOS PROFISSIONAIS
Conselho de Contabilidade, no exercício de fiscalização, pode requisitar dos contadores os livros e fichas contábeis de seus clientes.

INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
Qual infração de trânsito pratica o condutor que se recusa a fazer o teste do "bafômetro" e/ou os exames clínicos?

DIREITO MARÍTIMO
Não é válida a norma contida em Decreto prevendo que a autoridade pública deverá fixar, de forma ordinária e permanente, o preço dos serviços de praticagem.

DIREITO CIVIL
RESPONSABILIDADE CIVIL
Policial que, fora de suas funções, prende vizinho por conta de xingamentos sofridos, pratica ato ilícito que gera dano moral in re ipsa.

DIREITO DO CONSUMIDOR
DIREITO À INFORMAÇÃO
Além de avisar que “contém glúten” as embalagens dos produtos deverão também alertar que o glúten é prejudicial para celíacos.

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
Validade da cláusula de tolerância.

CONTRATOS BANCÁRIOS
O limite de desconto do empréstimo consignado não se aplica aos contratos de mútuo bancário em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente

PLANO DE SAÚDE
Custeio das sessões de psicoterapia além dos limites previstos no contrato.

DIREITO EMPRESARIAL
TRADE DRESS
Para analisar se houve violação do trade dress é indispensável a prova pericial.


SOCIEDADE ANÔNIMA
Inventariante não pode votar em assembleia da sociedade anônima alterando o controle da companhia e alienando bens do acervo patrimonial.
Fechamento em branco ou indireto de capital.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL
PROCESSO COLETIVO
Não se aplica a remessa necessária do art. 19 da LAP para as ações coletivas tutelando direitos individuais homogêneos.

DIREITO PROCESSUAL PENAL
COLABORAÇÃO PREMIADA
Homologação de colaboração premiada que mencione autoridade com foro privativo.

DIREITO TRIBUTÁRIO
TAXAS
Isenção da taxa de registro de arma de fogo não se aplica para policiais rodoviários federais aposentados.

IMPOSTO DE RENDA
A cessão do precatório a terceiro não modifica a relação jurídica tributária existente entre o titular originário e o Fisco, para fins de incidência do IR.

IPI
Quais indústrias podem gozar da suspensão de IPI prevista no art. 29, caput e § 5º da Lei nº 10.637/2002?













INFORMATIVO Comentado 612 STJ - Versão Resumida


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Bons estudos.











quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Em que consiste o "trade dress"? Para analisar sua eventual violação exige-se prova pericial?



Imagine a seguinte situação adaptada:
“Leto” e “Fonte” são duas marcas concorrentes, que fabricam algodão.
A empresa titular da marca “Leto” ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com indenização contra a empresa titular da marca “Fonte”.
Na ação, a “Leto” afirmou que é líder do mercado e que a ré (empresa nova) passou a utilizar embalagem copiando as cores e o design da autora. Em outras palavras, a “Leto” afirmou que a “Fonte” está imitando sua embalagem com o objetivo de confundir o público consumidor.

Proteção ao conjunto-imagem (trade dress)
Trade dress ou conjunto-imagem consiste no conjunto de elementos distintivos que caracterizam um produto, um serviço ou um estabelecimento comercial fazendo com que o mercado consumidor os identifique.
Nas palavras do Min. Marco Aurélio Bellizze:
“O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor.”

Ao contrário de outros países, no Brasil ainda não existe uma legislação que proteja, de forma específica, as violações ao trade dress. Apesar disso, a jurisprudência tem protegido os titulares das marcas copiadas. Nesse sentido:
(...) A despeito da ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao conjunto-imagem, sobretudo porque sua usurpação encontra óbice na repressão da concorrência desleal. Incidência de normas de direito de propriedade industrial, de direito do consumidor e do Código Civil. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1677787/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017.

Trade dress é diferente de marca e desenho industrial
O conjunto-imagem distingue-se dos institutos denominados “marca” e “desenho industrial”.
Tanto a marca, como o desenho industrial e o conjunto-imagem têm, em comum, a finalidade de designar um produto, mercadoria ou serviço, diferenciando-o dos concorrentes.
Apesar da finalidade ser semelhante, eles possuem características diferentes.

Marca
É um sinal que designa a origem do produto, mercadoria ou serviço.
A marca cria um vínculo duradouro entre o bem e a pessoa que o colocou em circulação
As marcas, para serem registradas, devem atender à distintividade ou novidade relativa, ou seja, dentro do mercado em que se insere o produto, o sinal visivelmente perceptível deve se distanciar do domínio comum, a fim de propiciar a utilização comercial exclusiva por seu titular. Esta fruição exclusiva, que será assegurada por meio do registro, pode se estender indefinidamente no tempo, desde que promovidas as tempestivas prorrogações. Isso porque o direito de exclusividade da marca tem por escopo assegurar ao consumidor a correspondência entre o produto designado e a empresa que o colocou em circulação.

Desenho industrial
Protege a configuração externa de um objeto tridimensional ou um padrão ornamental (bidimensional) que possa ser aplicado a uma superfície ou a um objeto.
O desenho industrial insere no mercado uma inovação estética em objeto comum ou facilmente reproduzível em escala industrial.
O desenho industrial, por se caracterizar em uma inovação estética facilmente reproduzível em escala industrial, a partir de sua publicidade, passa a integrar o estado da técnica. Nota-se, portanto, que o desenvolvimento de desenhos industriais movimenta-se, ao longo do tempo, numa crescente, podendo ser posteriormente incorporada pelos produtos de seus concorrentes de forma lícita e regular. Ao seu desenvolvedor (autor) é assegurado, mediante registro, o direito de exploração exclusiva, porém temporária (até, no máximo, 25 anos), nos termos do art. 108 da Lei nº 9.279/96.

Trade dress
O denominado trade dress, não disciplinado na legislação nacional atual, tem por finalidade proteger o conjunto visual global de um produto ou a forma de prestação de um serviço. Materializa-se, portanto, pela associação de variados elementos que, conjugados, traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva de inserção do bem no mercado consumidor, vinculando-se à identidade visual dos produtos ou serviços.
Como vimos, apesar de não haver legislação específica a proteção do trade dress é assegurada com fundamento no dever geral de garantia de livre mercado, ou seja, no dever estatal de assegurar o funcionamento saudável do mercado, de forma a expurgar condutas desleais tendentes a criar distorções de concorrência.

Violação ao trade dress
O trade dress é violado quando uma empresa imita sutilmente diversas características da marca concorrente (normalmente a líder do mercado) com o objetivo de confundir o público e angariar vendas com base na fama da marca copiada.

Exemplo de violação ao trade dress
Em um caso concreto, o TJSP entendeu que houve uma empresa cuja marca era “Uai in box” teria violado a trade dress da “China in box”.
Além do nome parecido, a empresa “Uai in box” também oferecia comida em delivery com pacotes iguais ao da “China in box”.

Voltando ao exemplo:
No caso concreto, o juiz indeferiu o pedido de prova pericial formulado pela ré e julgou procedente o pedido da autora reconhecendo que houve violação ao trade dress.
O STJ não concordou com a decisão por entende que esse tema exige discussão fática para o qual é indispensável a prova pericial:
A caracterização de concorrência desleal por confusão, apta a ensejar a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) de bens e produtos é questão fática a ser examinada por meio de perícia técnica.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.353.451-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

Ainda que se esteja diante de uma notória semelhança entre os dois produtos, é indispensável analisar se esta similitude é aceitável do ponto de vista legal ou se estamos diante de um ato abusivo, usurpador de conjunto-imagem alheio e passível de confundir o consumidor.
A dificuldade existe no fato de que muitas das características que assemelham os produtos se situam numa zona limítrofe entre o que se admite como concorrência saudável – e até desejável – e o que se reputa concorrência desleal e parasitária.
Assim, a confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado.

Nesses casos, não é possível, portanto, que o magistrado consulte única e exclusivamente o seu íntimo para concluir pela existência de confusão. Dessa forma, o indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes.


terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Em que consiste a chamada “cláusula de tolerância”? Ela é válida?



Imagine a seguinte situação:
João deseja comprar um apartamento e procura uma incorporadora imobiliária. Ele celebra, então, um contrato de promessa de compra e venda com a incorporadora para aquisição de um apartamento que está sendo construído e que seria entregue em 05/05/2017.
O comprador compromete-se a pagar todos os meses uma determinada quantia e a incorporadora obriga-se a entregar o apartamento nesta data futura e certa.
Ocorre que a cláusula 5.1.3 do ajuste previa que a construtora poderá prorrogar esse prazo de entrega em mais 180 dias, ou seja, poderá atrasar a entrega.
O contrato previa que se a construtora não cumprisse a data de 05/05/2017, mas entregasse o imóvel dentro do prazo de 180 dias, ela não teria que pagar multa ou qualquer espécie de indenização ao adquirente.

Qual é o nome dessa cláusula?
É conhecida como “cláusula de tolerância” ou “prazo de tolerância”.

Voltando ao nosso exemplo:
Suponhamos que o apartamento foi entregue a João em 05/10/2017, ou seja, após a data estipulada, mas dentro do “prazo de tolerância”.
Ocorre que João não ficou satisfeito e ajuizou ação de indenização contra a construtora alegando que a “cláusula de tolerância” seria abusiva. Isso porque essa      tolerância não é estabelecida para o caso de deixar de pagar ou atrasar uma das prestações. Logo, segundo argumentou João, o contrato prevê uma vantagem excessiva em favor do fornecedor, sendo que essa mesma prerrogativa não é conferida ao consumidor.
A referida cláusula seria, portanto, nula de pleno direito por colocar o consumidor em desvantagem exagerada, consoante preconiza o art. 51, IV, do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

A tese de João foi acolhida pelo STJ? A “cláusula de tolerância” é abusiva?
NÃO.
Não é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção que prevê prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra pelo lapso máximo de 180 (cento e oitenta) dias.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.318-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (Info 612).

Existem no mercado diversos fatores de imprevisibilidade que podem afetar negativamente a construção de edificações e onerar excessivamente os incorporadores e construtoras, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros contratempos.

Assim, diante da complexidade desse negócio, é justificada a existência de uma cláusula contratual prevendo a possibilidade de eventual prorrogação do prazo de entrega da obra.

A própria Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/64) prevê a possibilidade de prorrogação:
Art. 48. (...)
§ 2º Do contrato deverá constar a prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação.

Logo, observa-se que a cláusula de tolerância para atraso de obra possui amparo legal, não constituindo abuso de direito (art. 187 do CC).
Por outro lado, não se verifica também, para fins de mora contratual, nenhuma desvantagem exagerada em desfavor do consumidor, o que comprometeria o princípio da equivalência das prestações estabelecidas.
É que a disposição contratual de prorrogação da entrega do empreendimento adveio das práticas do mercado de construção civil consolidadas há décadas, ou seja, originou-se dos costumes da área, sobretudo para amenizar o risco da atividade, haja vista a dificuldade de se fixar data certa para o término de obra de grande magnitude sujeita a diversas obstáculos e situações imprevisíveis, o que concorre para a diminuição do preço final da unidade habitacional a ser suportada pelo adquirente.
De fato, quanto maior o risco do empreendimento, maior o preço final ao consumidor.

Prazo máximo de tolerância: 180 dias
O STJ afirmou, contudo, que esse prazo de tolerância deverá ser de, no máximo, 180 dias, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts. 33 e 34, § 2º, da Lei nº 4.591/64 e 12 da Lei nº 4.864/65) e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC).
Assim, a cláusula de tolerância que estipular prazo de prorrogação superior a 180 (cento e oitenta) dias será considerada abusiva, devendo ser desconsiderados os dias excedentes.

Dever de informação
Vale ressaltar, por fim, que o incorporador terá que informar claramente o consumidor, inclusive em ofertas, informes e peças publicitárias, do eventual prazo de prorrogação para a entrega da unidade imobiliária, sob pena de haver publicidade enganosa, cujo descumprimento implicará responsabilidade civil.



Conselho de Contabilidade, no exercício de fiscalização, pode requisitar dos contadores os livros e fichas contábeis de seus clientes?



Imagine a seguinte situação hipotética:
João, Pedro e Tiago são contadores e possuem um escritório de contabilidade.
O Conselho Regional de Contabilidade iniciou um procedimento de fiscalização no referido escritório e, para isso, requisitou dos contadores a apresentação dos livros e documentos contábeis de seus clientes, bem como os contratos de prestação de serviços profissionais e a relação de clientes que estão sob sua responsabilidade técnica.
Os contadores impetraram mandado de segurança pedindo para não serem obrigados a disponibilizar tais informações sob o argumento de que estariam protegidos pela privacidade e pelo sigilo profissional.

O pedido contido no mandado de segurança foi acolhido? A exigência do CRC viola a privacidade e o sigilo profissional?
NÃO.
O ato do Conselho de Contabilidade que requisita dos contadores e dos técnicos os livros e fichas contábeis de seus clientes, a fim de promover a fiscalização da atividade contábil dos profissionais nele inscritos, não importa em ofensa aos princípios da privacidade e do sigilo profissional.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.420.396-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/09/2017 (Info 612).

O art. 1.190 do Código Civil prevê o seguinte:
Art. 1.190. Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei.

Dessa forma, apenas nos casos previstos em lei poderá a autoridade, juiz ou tribunal requisitar livros e fichas contábeis do empresário ou sociedade empresária para verificar a observância das formalidades legais.

O Presidente do Conselho Regional de Contabilidade é uma autoridade administrativa e possui autorização legal para realizar o exercício da atividade fiscalizatória em relação a contadores e escritórios de contabilidade.

Essa autorização legal advém do Decreto-Lei nº 9.295/46, que criou o Conselho Federal de Contabilidade e os Conselhos Regionais de Contabilidade. Com efeito, o art. 2º desse diploma prevê que:
Art. 2º A fiscalização do exercício da profissão contábil, assim entendendo-se os profissionais habilitados como contadores e técnicos em contabilidade, será exercida pelo Conselho Federal de Contabilidade e pelos Conselhos Regionais de Contabilidade a que se refere o art. 1º. (Redação dada pela Lei nº 12.249/2010)

De igual modo, o art. 10, letra “c” deste diploma legal preconiza:
Art. 10. São atribuições dos Conselhos Regionais:
(...)
c) fiscalizar o exercício das profissões de contador e guarda-livros, impedindo e punindo as infrações, e bem assim, enviando às autoridades competentes minuciosos e documentados relatórios sobre fatos que apurarem, e cuja solução ou repressão não seja de sua aIçada;

Dessa forma, como existe previsão legal específica para o exercício fiscalizatório pelos Conselhos de Contabilidade, pode-se concluir que o art. 1.190 do Código Civil está sendo respeitado.

Vale ressaltar, por fim, que a fiscalização exercida pelo CRC tem por foco central verificar, não o mérito em si, mas os aspectos relacionados à forma, ou seja, atestar se o profissional da contabilidade, na sua rotina de trabalho, observa as normas técnicas concernentes à atividade contábil. Sendo esse o propósito primeiro da fiscalização desenvolvida pela entidade classista, não se antevê afronta à privacidade e ao sigilo profissional dos escritórios fiscalizados e da escrituração contábil de seus clientes.



segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

INFORMATIVO Comentado 887 STF




Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 887 STF.

Confira abaixo o índice. Bons estudos.


INFORMATIVO 887 DO STF

Direito Constitucional
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O STF não admite a teoria da transcendência dos motivos determinantes.

DIREITO PROCESSUAL PENAL
PRISÃO
Prisão domiciliar em caso de mulher com filho até 12 anos de idade incompletos.

HABEAS CORPUS
Não cabe habeas corpus para discutir processo criminal envolvendo o art. 28 da LD.
Não cabe HC para obter direito à visita íntima.

DIREITO TRIBUTÁRIO
ICMS
É válida lei estadual que dispõe acerca da incidência do ICMS sobre operações de importação editada após a vigência da EC 33/2001, mas antes da LC 114/2002.












INFORMATIVO Comentado 887 STF - Versão Resumida


Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 887 STF - Versão Resumida.

Bons estudos.











sábado, 23 de dezembro de 2017

INFORMATIVO Comentado 886 STF




Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 886 STF.

Confira abaixo o índice. Bons estudos.


ÍNDICE DO INFORMATIVO 886 DO STF

Direito Constitucional
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Efeito vinculante de declaração incidental de inconstitucionalidade.

SAÚDE
O programa “Mais Médicos” é constitucional.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
O prazo de 1 ano previsto no art. 103-B, § 4º, V da CF/88 incide apenas para revisões de PADs, não se aplicando para atuação originaria do CNJ.

Direito AMBIENTAL
AMIANTO
É proibida, em todo o Brasil, a utilização de qualquer forma de amianto.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Não cabem embargos de declaração contra decisão de presidente do tribunal que não admite recurso extraordinário.