segunda-feira, 30 de julho de 2018

O Poder Judiciário pode determinar que o Poder Público forneça remédios que não estão previstos na lista do SUS?



Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi diagnosticado com glaucoma e o oftalmologista prescreveu determinado colírio que, no entanto, não está especificado na lista de medicamentos de fornecimento gratuito pelo SUS (Portaria 2.982/2009 do Ministério da Saúde).

O juiz pode obrigar que o Estado forneça esse medicamento? O Poder Judiciário pode determinar que o Poder Público forneça remédios que não estão previstos na lista do SUS?
SIM, mas desde que cumpridos três requisitos fixados pelo STJ.
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
1) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
2) Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e
3) Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
STJ. 1ª Seção. REsp 1657156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo).

Vejamos abaixo alguns dos argumentos jurídicos debatidos pelo STJ.

Inexistência de violação ao princípio da separação dos Poderes
O entendimento acima não viola o princípio da separação dos Poderes. Isso porque uma das tarefas primordiais do Poder Judiciário é atuar para a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente aqueles que se encontram previstos na Constituição Federal.
Assim, não há que se falar em violação ao princípio da separação dos Poderes, quando o Poder Judiciário intervém no intuito de garantir a implementação de políticas públicas, notadamente, como no caso em análise, em que se busca a tutela do direito à saúde.
“Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes.” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.488.639/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16/12/2014).
É a posição também do STF:
(...) É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. (...)
STF. 1ª Turma. ARE 947.823 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/6/2016.

Fundamento constitucional
O direito à saúde foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 como direito fundamental do cidadão, corolário do direito à vida, bem maior do ser humano.
O art. 196 do Texto Constitucional estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A propósito do tema, o STF, ao interpretar os arts. 5º, caput, e 196 da CF/88, consagrou o direito à saúde como consequência indissociável do direito à vida, assegurado a todas as pessoas (STF. 2ª Turma. ARE 685.230 AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 25/03/2013).
Para alcançar esse objetivo, a Carta Constitucional determinou a criação de um sistema único de saúde (SUS), que tenha como uma de suas diretrizes o “atendimento integral” da população (art. 198, II, da CF/88).

Fundamento infraconstitucional
A fim de dar concretude ao SUS, foi editada a Lei nº 8.080/90, que prevê que o Poder Público deverá fornecer assistência integral, inclusive farmacêutica:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
(...)
Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
(...)
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
(...)
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

Em 2011, foi editada a Lei nº 12.401/2011 que incluiu diversos dispositivos na Lei nº 8.080/90 tratando sobre a assistência terapêutica e prevendo o fornecimento de medicamentos. Veja o que diz o art. 19-M, um dos dispositivos acrescentados:
Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6º consiste em:
I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;
(...)

O art. 19-P afirma que a dispensação (fornecimento) de medicamentos será feita com base no protocolo clínico ou de diretriz terapêutica e, na falta disso, com base nas relações de medicamentos do SUS:
Art. 19-P.  Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:
I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;
II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.

O art. 19-Q trata sobre o procedimento para incorporação, exclusão ou alteração, pelo SUS, de novos medicamentos:
Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.
(...)

O STJ entende que o fato de o medicamento não integrar a lista básica do SUS não tem o condão de eximir os entes federados do dever imposto pela ordem constitucional, porquanto não se pode admitir que regras burocráticas, previstas em portarias ou normas de inferior hierarquia, prevaleçam sobre direitos fundamentais (STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 405.126/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 26/10/2016).

Vamos agora fazer algumas observações sobre os três requisitos impostos pelo STJ:

PRIMEIRO requisito
O primeiro requisito exigido pelo STJ foi o seguinte:
“Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;”

Sobre esse primeiro requisito, é importante que sejam feitas três observações:

Primeira observação. Na I Jornada de Direito da Saúde, organizada pelo CNJ, foi aprovado o enunciado 15 dizendo que como deve ser este laudo médico. O STJ acolhe esse enunciado. Veja a sua redação:
Enunciado 15: As prescrições médicas devem consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, posologia, modo de administração e período de tempo do tratamento e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica.

Desse modo, a parte, quando for fazer o pedido do medicamento junto ao Poder Judiciário deverá ficar atenta a isso.

Segunda observação. Este laudo médico não precisa ser assinado por médico vinculado ao SUS:
“(...) Ressalte-se, ainda, que não há no ordenamento, jurídico brasileiro qualquer exigência que condicione o fornecimento de medicamento à prescrição exclusivamente por médico da rede pública. (...)” (STJ. AgInt no REsp 1.309.793/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 07/04/2017).

Assim, o laudo deve ser emitido pelo médico que assiste o paciente, seja ele público ou privado.
Terceira observação. O laudo médico deverá comprovar duas circunstâncias:
1ª) Imprescindibilidade ou necessidade do medicamento pleiteado para o tratamento da doença; e
2ª) Ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.

Em outras palavras, o remédio pedido judicialmente deve ser imprescindível ou necessário e aqueles que existem no SUS não podem substitui-lo.

(...) O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. (...)
STF. 1ª Turma. RE 831.385 AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 06/04/2015.

(...) A alegada circunstância de que o medicamento Lantus não consta da lista de medicamentos do SUS deve ceder lugar às afirmações do médico que a acompanha, quando afiança que todos os tratamentos disponibilizados pela rede pública e já ministrados à menor mostraram-se ineficazes no combate aos vários episódios de hipoglicemias graves, com perda de consciência e crises convulsivas por ela sofridas. (...)
STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1.068.105/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 30/06/2016.

No mesmo sentido é o enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ: Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.

SEGUNDO requisito
Vamos relembrar o segundo requisito exigido pelo STJ: “incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito”.
Desse modo, o segundo requisito consiste na devida comprovação da hipossuficiência daquele que requer o medicamento, ou seja, que a sua aquisição implique o comprometimento da sua própria subsistência e/ou de seu grupo familiar.
Atenção! Não se exige comprovação de pobreza ou miserabilidade, mas, tão somente, a demonstração da incapacidade de arcar com os custos referentes à aquisição do medicamento prescrito.
Ex: a pessoa pode ser servidora pública, concursada, recebendo R$ 5 mil por mês; neste caso, não se trata de pessoa pobre; o remédio, contudo, custa R$ 100 mil cada dose. Ela não terá condições de adquiri-lo, preenchendo, portanto, o presente requisito.

TERCEIRO requisito
O terceiro requisito exigido pelo STJ diz respeito a “existência de registro na ANVISA do medicamento”.
Assim, exige-se que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela ANVISA.
Esta exigência decorre de imposição legal, tendo em vista o disposto no artigo 19-T, II, da Lei nº 8.080/90:
Art. 19-T.  São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:
I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;
II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.

Esta diretriz está em conformidade com o entendimento do Ministro Marco Aurélio, que em seu voto no julgamento do RE 657.718/MG, que trata precisamente da questão do fornecimento de medicamentos não aprovados pela ANVISA, consigna a seguinte tese: “o registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa é condição inafastável, visando concluir pela obrigação do Estado ao fornecimento”.
Fazendo uma interpretação teleológica do art. 19-T, verifica-se a intenção do legislador foi a de proteger o cidadão dos medicamentos experimentais, sem comprovação científica sobre a eficácia, a efetividade e a segurança do medicamento, a fim de assegurar o direito à saúde e à vida das pessoas.

Modulação dos efeitos
O STJ decidiu modular os efeitos dessa decisão e afirmou que “os critérios e requisitos estipulados somente serão exigidos para os processos que forem distribuídos a partir da conclusão do presente julgamento”.
A modulação tem por base o art. 927, § 3º, do CPC:
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

Dessa forma, a tese fixada neste julgamento não vai afetar os processos que ficaram sobrestados aguardando a definição do tema.

E a oferta de procedimentos terapêuticos não previstos na lista do SUS (inciso II do art. 19-M da Lei nº 8.080/90)?
O julgado acima comentado não abarca essa hipótese. O STJ e o STF ainda terão que se debruçar sobre essa discussão. A “tendência”, contudo, na minha opinião, será adotar os mesmos critérios acima explicados.






domingo, 29 de julho de 2018

INFORMATIVO Comentado 624 STJ




Olá amigos do Dizer o Direito,

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.


ÍNDICE DO INFORMATIVO 624 DO STJ

DIREITO ADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA SUBJETIVA DAS SANÇÕES
Súmula 615-STJ.

LICITAÇÃO
Flexibilização da Lei 8.666/93 no “Minha Casa, Minha Vida”.

SERVIDORES PÚBLICOS
Termo inicial do adicional de insalubridade.
VPNI: incorporação pelo subsídio e incidência do teto.

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
Súmula 611-STJ.

DIREITO CIVIL
SEGURO
Súmula 610-STJ.

CONDOMÍNIO
Ação de cobrança de débitos condominiais proposta contra o arrendatário.

PODER FAMILIAR
Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco.

ALIMENTOS
Dedução das despesas pagas in natura.

DIVÓRCIO
Mesmo já havendo um acordo homologado sobre a partilha de bens, é possível que seja feito um novo ajuste posteriormente.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
PODER FAMILIAR
Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco.

DIREITO AMBIENTAL
FATO CONSUMADO
Súmula 613-STJ.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Legitimidade do MP para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos.

DIREITO PENAL
LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS
Delito do art. 54 da Lei 9.605/98 é formal.

DIREITO PROCESSUAL PENAL
SUJEITOS DO PROCESSO
Nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica e dispensa de procuração.

DIREITO TRIBUTÁRIO
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Súmula 612-STJ.

IPTU
Súmula 614-STJ.

PIS / COFINS
É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF 247/2002 e 404/2004.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO
APOSENTADORIA
Segurado que tenha desempenhado serviço rurícola antes da Lei nº 8.213/91.

PREVIDÊNCIA PRIVADA
Desligamento de participante e fim do direito ao rateio do superávit.















INFORMATIVO Comentado 624 STJ - Versão Resumida


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Bons estudos.






Núcleo de Prática Jurídica precisa de procuração para fazer a defesa de réu em processo criminal?



O que são os Núcleos de Prática Jurídica?
O Núcleo de Prática Jurídica, também chamado de “escritório modelo”, é um espaço mantido pelas faculdades de direito no qual os alunos, geralmente finalistas do curso, sob a supervisão de um Professor que é advogado, oferecem assistência jurídica gratuita às pessoas economicamente carentes.
O Núcleo funciona, portanto, como uma prática jurídica real, matéria curricular obrigatória dos cursos de Direito.
Esta atividade tem duplo objetivo:
a) finalidade pedagógica: considerando que os alunos irão aplicar, na prática, os conhecimentos teóricos que receberam ao longo do curso, atuando como se fossem advogados, sempre com a supervisão e sob a responsabilidade de um Professor advogado;
b) finalidade social: contribuindo com a sociedade carente ao oferecer assistência jurídica gratuita.

Guardadas as devidas proporções, apenas para que você entenda o sentido geral, os núcleos de prática jurídica prestam um serviço assemelhado ao da Defensoria Pública. Vale ressaltar, contudo, que o modelo oferecido pela Defensoria Pública é o ideal para o assistido porque se trata de um serviço mais organizado, estruturado e com garantias institucionais que os núcleos infelizmente não possuem.

Apenas a título de curiosidade, veja o que diz a Portaria nº 1.886/94, que trata, entre outros temas, sobre os núcleos de prática jurídica:
Art. 10. O estágio de prática jurídica, supervisionado pela instituição de ensino superior, será obrigatório e integrante do currículo pleno, em um total de 300 horas de atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob controle e orientação do núcleo correspondente.
§ 1º O núcleo de prática jurídica, coordenado por professores do curso, disporá instalações adequadas para treinamento das atividades de advocacia, magistratura, Ministério Público, demais profissões jurídicas e para atendimento ao público.
§ 2º As atividades de prática jurídica poderão ser complementadas mediante convênios com a Defensoria Pública outras entidades públicas judiciárias empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em assistência jurídica, ou em juizados especiais que venham a ser instalados em dependência da própria instituição de ensino superior.
Art. 11. As atividades do estágio supervisionado serão exclusivamente práticas, incluindo redação de peças processuais e profissionais, rotinas processuais, assistência e atuação em audiências e sessões, vistas a órgãos judiciários, prestação de serviços jurídicos e técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação, sob o controle, orientação e avaliação do núcleo de prática jurídica.

Como funcionam, na prática?
A pessoa carente que precisa de uma assistência jurídica procura o Núcleo; é atendida por um acadêmico (estagiário) que, supervisionado pelo Professor, identifica o caso e a providência jurídica. Se for necessário, o acadêmico recolhe cópias dos documentos fornecidos pelo assistido e prepara uma peça judicial que será assinada pelo Professor advogado.

Imagine agora a seguinte situação:
João recebeu, em sua casa, a citação de uma denúncia criminal que foi oferecida contra ele pelo Ministério Público, imputando-lhe a prática do crime de furto.
O denunciado procura o Núcleo de Prática Jurídica.
O acadêmico atende João e prepara a sua resposta à acusação (art. 396 do CPP).
O Professor revisa e corrige a peça de defesa, assina e protocoliza.
O Promotor de Justiça alega que a resposta à acusação apresentada não pode ser conhecida considerando que João não outorgou procuração para o Professor advogado. Pede que a defesa seja intimada para apresentar o instrumento do mandato.
O Professor refuta a alegação do MP afirmando que, assim como ocorre com a Defensoria Pública (art. 128, XI, da LC 80/94), não se exige procuração para que o Núcleo de Prática Jurídica atue em favor do réu.

A alegação do MP está correta? Exige-se que a parte outorgue procuração para que o Núcleo de Prática Jurídica atue em favor do réu no processo criminal?
SIM. Em regra, o advogado integrante do Núcleo de Prática Jurídica não está dispensado de apresentar procuração, por ausência de previsão legal.
Neste ponto, não há equiparação com a Defensoria Pública.
A Defensoria Pública, por força de lei expressa, pode atuar na defesa de seus assistidos mesmo sem procuração.
No caso dos Núcleos de Prática Jurídica, embora prestem relevantes serviços, não existe previsão legal semelhante. Por essa razão, seus poderes de representação em juízo dependem necessariamente de procuração.
O Núcleo de Prática Jurídica, por não se tratar de entidade de direito público, precisa apresentar instrumento de mandato para comprovar que o réu hipossuficiente escolheu seu defensor, em consonância com o princípio da confiança.

É possível que a procuração seja outorgada para o Núcleo de Prática Jurídica? Ex: em vez de outorgar a Procuração para o Professor advogado, João poderia conferir o mandato para o Núcleo de Prática Jurídica?
NÃO. A procuração não pode ser outorgada para o Núcleo de Prática Jurídica.
O Núcleo de Prática Jurídica não possui capacidade para receber nomeação ou mandato. É necessário que, na procuração, seja especificado o advogado a quem são atribuídos os poderes de representação (STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 11.931/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 19/03/2013).

E se fosse uma nomeação judicial, haveria necessidade de procuração? Ex: o juiz nomeou o advogado Rui Salgado, Professor do Núcleo de Prática Jurídica, para fazer a defesa do réu no plenário do Tribunal do Júri. Além desta nomeação, será necessário que o réu outorgue uma procuração?
NÃO.
A nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica para patrocinar a defesa de réu dispensa a juntada de procuração.
Isso porque, neste caso, não há uma atuação provocada pelo assistido, mas sim o exercício de um munus público por determinação judicial.
STJ. 3ª Seção. EAREsp 798.496-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/04/2018 (Info 624).

Além disso, não se mostra razoável a exigência de procuração porque na maioria das vezes, em caso de nomeação judicial, não há um contato prévio do advogado com o acusado. A exigência de procuração acarretaria gravosos prejuízos à defesa da população necessitada, inviabilizando o acesso à Justiça.

Em suma:
O advogado integrante de Núcleo de Prática Jurídica, para representar os interesses do réu no processo penal, precisará de:
• procuração outorgada pelo réu; ou
• ato de nomeação judicial.

O advogado integrante de Núcleo de Prática Jurídica, no que tange aos poderes de representação em juízo, não está dispensado de apresentar procuração ou ato de nomeação apud acta, haja vista que somente é equiparado à Defensoria Pública quanto à intimação pessoal dos atos processuais.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1199054/DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/06/2018.




quarta-feira, 25 de julho de 2018

INFORMATIVO Comentado 623 STJ




Olá amigos do Dizer o Direito,

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.


ÍNDICE DO INFORMATIVO 623 DO STJ

DIREITO ADMINISTRATIVO
PODER DE POLÍCIA
Competência do DNIT para fiscalizar trânsito nas rodovias e estradas federais.

DIREITO CIVIL
POSSE
Ação possessória entre particulares e possibilidade de oposição do ente público.

PARENTESCO
Necessidade de consentimento do indivíduo maior de 18 anos para que possa ser reconhecido como filho.

DIREITO PENAL
HOMICÍDIO
O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo eventual.
Juiz da 1ª fase do Júri deve examinar se o agente que conduzia o veículo embriagado praticou homicídio doloso ou culposo.

PECULATO
Depositário judicial que vende os bens não pratica peculato.

DIREITO PROCESSUAL PENAL
INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO
Não é permitido o ingresso na residência do indivíduo pelo simples fato de haver denúncias anônimas e ele ter fugido da polícia.

PROVAS
Possibilidade de utilizar os dados da Receita Federal para instruir processo penal.

DIREITO TRIBUTÁRIO
ICMS
É devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.
Não incidência de ICMS sobre operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO
AUXÍLIO-DOENÇA
Segurado não precisa estar incapacitado para todo e qualquer trabalho para ter direito ao auxílio-doença.
















INFORMATIVO Comentado 623 STJ - Versão Resumida


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Bons estudos.






O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo eventual



Imagine a seguinte situação hipotética:
João, dirigindo embriagado, bateu na traseira de outro veículo, causando a morte do outro condutor.
O Ministério Público denunciou o sujeito por homicídio doloso (art. 121 do CP), sob a alegação de que agiu com dolo eventual de matar.

Procedimento do Tribunal do Júri
Quando a pessoa é denunciada por crime doloso contra a vida, ela responde a um processo penal que é regido por um procedimento especial próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP).

Procedimento bifásico do Tribunal do Júri
O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou escalonado) porque se divide em duas etapas:
1) Fase do sumário da culpa (iudicium accusationis): é a fase de acusação e instrução preliminar (formação da culpa). Inicia-se com o oferecimento da denúncia (ou queixa) e termina com a preclusão da sentença de pronúncia.
2) Fase de julgamento (iudicium causae).

Sentença que encerra o sumário da culpa
Ao final da 1ª fase do procedimento do júri (sumário da culpa), o juiz irá proferir uma sentença, que poderá ser de quatro modos:
Pronúncia
Impronúncia
Absolvição sumária
Desclassificação
O réu será pronunciado quando o juiz se convencer de que existem prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação.
O juiz, ao pronunciar, deverá utilizar linguagem sóbria e comedida, a fim de não exercer nenhuma influência nos jurados. Deve evitar adjetivos ou outras palavras de censura contra o réu, sob pena de ser nula por excesso de linguagem (“eloquência acusatória”).
O réu será impronunciado quando o juiz não se convencer:
• da materialidade do fato;
• da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.




Ex.: a única testemunha que havia reconhecido o réu no IP não foi ouvida em juízo.
O réu será absolvido, desde logo, quando estiver provado (a):
• a inexistência do fato;
• que o réu não é autor ou partícipe do fato;
• que o fato não constitui crime;
• que existe uma causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Ex.: todas as testemunhas ouvidas afirmaram que o réu não foi o autor dos disparos.
Ocorre quando o juiz se convencer de que o fato narrado não é um crime doloso contra a vida, mas sim um outro delito, devendo, então, remeter o processo para o juízo competente.
Ex.: juiz entende que não houve homicídio doloso, mas sim latrocínio.
Recurso cabível: RESE.
Recurso cabível: APELAÇÃO.
Recurso cabível: APELAÇÃO.
Recurso cabível: RESE.

Voltando ao nosso exemplo:
O juiz, ao fim da 1ª fase do procedimento do júri, pronunciou o acusado por homicídio doloso, designando dia para julgamento do réu pelo Plenário popular.
Diante disso, o réu interpôs recurso em sentido estrito argumentando que a embriaguez ao volante não é suficiente para configurar o dolo eventual. Requereu a desclassificação do fato típico imputado para o crime de homicídio tipo culposo, previsto no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro.

A primeira pergunta que surge é a seguinte: a embriaguez ao volante, por si só, já justifica considerar a existência de dolo eventual?
NÃO.
A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623).

O que isso quer dizer? Nem todo mundo que, dirigindo embriagado, causar a morte de outra pessoa, terá que responder por homicídio doloso (dolo eventual). Não há uma correlação obrigatória, automática, entre embriaguez ao volante e dolo eventual.
A embriaguez ao volante é uma circunstância negativa que deve ser levada em consideração no momento de se analisar se o réu agiu ou não com dolo eventual. No entanto, não se pode estabelecer como premissa que qualquer sempre haverá dolo eventual nesse caso.
Desse modo, não existe uma presunção de que o condutor que mata alguém no trânsito praticou o crime com dolo eventual.

Embriaguez ao volante + outros elementos = dolo eventual
Para que fique configurado o dolo eventual, além da embriaguez ao volante é necessário que haja outros elementos nos autos de que o condutor estivesse dirigindo de forma a assumir o risco de provocar acidente sem se importar com eventual resultado fatal de seu comportamento.
Ex1: condutor, além de embriagado, dirigia o automóvel em velocidade muito acima do permitido.
Ex2: condutor, além de embriagado, dirigia o automóvel, propositalmente, em zigue-zague na pista ou fazendo sucessivas ultrapassagens perigosas.
Ex3: condutor do automóvel, além de embriagado, dirigia desrespeitando sinal vermelho.
Ex4: condutor do automóvel, além de embriagado, “jogou” o veículo contra pedestres para assustá-los ou passou por outros automóveis “tirando fino” e freando logo em seguida.
Ex5: recentemente, o STF decidiu que configura dolo eventual o caso do condutor embriagado que entrou na contramão e atingiu uma motocicleta, causando a morte da vítima:
Verifica-se a existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na contramão. Esse é, portanto, um caso específico que evidencia a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual. O condutor assumiu o risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte de outrem.
STF. 1ª Turma. HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/5/2018 (Info 904).

Enfim, além da embriaguez, deve haver um plus, isto é, uma circunstância a mais que caracterize o dolo eventual.

Segunda pergunta: o juiz, no fim da 1ª fase do procedimento, pode desclassificar a conduta do réu que dirigia o carro embriagado para homicídio culposo ou isso seria uma forma de usurpar do Júri a competência para decidir o tema (art. 5º, XXXVIII, “d”, da CF/88)? Chegando um caso de homicídio causado por condutor embriagado, o juiz deverá obrigatoriamente pronunciar o réu para que o Tribunal do Júri decida se houve dolo eventual ou culpa consciente?
O juiz pode desclassificar sim. Ele não é obrigado a remeter para o Plenário do Júri e isso não viola o art. 5º, XXXVIII, “d”, da CF/88. Conforme decidiu o STJ:
Na primeira fase do Tribunal do Júri, ao juiz togado cabe apreciar a existência de dolo eventual ou culpa consciente do condutor do veículo que, após a ingestão de bebida alcoólica, ocasiona acidente de trânsito com resultado morte.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623).

A primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri tem o objetivo principal de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao seu juízo natural.
O juízo da acusação (iudicium accusationis) funciona, assim, como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae).
Não é uma tarefa fácil distinguir, na prática, o que seja dolo eventual ou culpa consciente, especialmente em homicídios causados na direção de automóvel. Isso porque é sempre muito difícil ter certeza sobre o elemento anímico que move a conduta do agente.
Se essa dificuldade existe para o julgador togado, “que emite juízos técnicos apoiados em séculos de estudos das ciências penais, o que se pode esperar de um julgamento realizado por pessoas que não possuem esse saber e que julgam a partir de suas íntimas convicções, sem explicitação dos fundamentos e razões que definem seus julgamentos?”
Se o legislador criou um procedimento bifásico para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, em que a primeira fase se encerra com uma avaliação técnica, empreendida por um juiz togado, o qual se socorre da dogmática penal e da prova dos autos, e mediante devida fundamentação, não se pode, então, desprezar esse “filtro de proteção para o acusado” e submetê-lo ao julgamento popular sem que se façam presentes as condições necessárias e suficientes para tanto.



Depositário judicial que vende os bens não pratica peculato



Imagine a seguinte situação hipotética:
A Fazenda Pública estadual ingressou com execução fiscal contra a empresa JC Calçados.
Foram penhorados 200 pares de sapatos, avaliados em R$ 10 mil.
O juiz da execução determinou que João (sócio da empresa) deveria ficar como depositário judicial desses sapatos.
Alguns meses depois o juiz expediu mandado de constatação e reavaliação dos bens (sapatos).
O oficial de justiça certificou ser inviável o cumprimento da determinação judicial porque o estabelecimento comercial encontrava-se fechado.
Houve, então, determinação judicial para que João apresentasse os bens penhorados ou o dinheiro correspondente. Ele informou que os havia vendido.
Interrogado no inquérito policial, João declarou que vendeu os pares de calçados porque ele necessitava de dinheiro para pagar seus funcionários.
Diante disso, o Ministério Público denunciou João pela prática do crime de peculato (art. 312 do CP):
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Segundo o MP, João, na condição de depositário judicial, é um “auxiliar do juízo” (art. 149 do CPC/2015), devendo, portanto, ser considerado como funcionário público para os fins penais, nos termos do art. 327 do CP:
Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

A tese do MP foi acolhida pelo STJ?
NÃO.
O depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o crime de peculato.
STJ. 6ª Turma. HC 402.949-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 13/03/2018 (Info 623).

Comete peculato o funcionário público que se apropria de bem móvel de que tem a posse em razão do cargo.
A definição legal de cargo público é fornecida pela Lei nº 8.112/90:
Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Cargo, segundo Nucci, “é o posto criado por lei na estrutura hierárquica da Administração Pública, com denominação e padrão de vencimentos próprios, ocupado por servidor com vínculo estatutário (ex.: cargo de delegado de polícia, de oficial de justiça, de auditor da receita etc.)”. (Código penal comentado. 13ª ed., São Paulo: RTJ, 2013, p. 1.203).

O depositário judicial não ocupa cargo criado por lei, não recebe vencimento nem tem vínculo estatutário.
Trata-se de uma pessoa que, embora tenha que exercer uma função no interesse público do processo judicial, é estranha aos quadros da justiça e, pois, sem ocupar qualquer cargo público, exerce um encargo por designação do juiz (munus público).
Não ocupa, de igual modo, emprego público nem função pública. É, na verdade, um auxiliar do juízo que fica com o encargo de cuidar de bem litigioso.
Desse modo, a conduta não se enquadra na figura típica do art. 312 do CP, porque não há funcionário público, para fins penais, nos termos do art. 327 do CP, em razão da ausência da ocupação de cargo público.

Observação
Vale ressaltar que o STJ decidiu apenas que a conduta do depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o crime de peculato, pois não é funcionário público e não ocupa cargo público. No entanto, a depender das peculiaridades do caso concreto, a conduta pode configurar, em tese, os tipos penais dos arts. 168, § 1º, II, 171 ou 179 do Código Penal:
Apropriação indébita
Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:
(...)
II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

Estelionato
Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.


Fraude à execução
Art. 179. Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.