segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A ausência de defensor, devidamente intimado, à sessão de julgamento não implica, por si só, nulidade processual



Imagine a seguinte situação hipotética:
João é uma autoridade que possui foro por prerrogativa de função no Tribunal de Justiça.
João foi denunciado e estava respondendo ação penal no TJ.
Como ele é advogado, estava fazendo a sua própria defesa.
Ao final da instrução, o acusado, mesmo intimado por Diário Oficial e depois pessoalmente, deixou de apresentar alegações finais.
Diante disso, o Desembargador encaminhou os autos à Defensoria Pública e um dos membros da Instituição apresentou alegações finais num documento de 34 páginas.
O julgamento das ações penais originárias nos Tribunais é feito de forma colegiada, ou seja, é marcada uma sessão de julgamento no qual o colegiado (Câmara, Turma, Pleno etc.) irá ouvir o voto do Relator e os demais julgadores irão dizer se concordam ou não.
Essa sessão de julgamento foi marcada para o dia 20/09.
O Defensor Público foi pessoalmente intimado, mas não compareceu no dia da sessão de julgamento.
O réu foi condenado pelo TJ.
Após isso, ele constituiu advogado que impetrou habeas corpus afirmando que o julgamento foi nulo porque não houve a presença da defesa técnica que poderia ter feito a sustentação oral prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.038/90:
Art. 12. Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte:
I - a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação;
II - encerrados os debates, o Tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.

A tese da defesa foi acolhida pelo STF? Houve nulidade?
NÃO.
A sustentação oral, possível no julgamento colegiado de ação penal originária, não é ato essencial à defesa, mas mera faculdade da parte.
Conforme já explicado, o defensor foi intimado para a sessão de julgamento, não sendo possível à parte alegar nulidade que, se existente, teria sido por ela mesmo provocada (art. 565 do CPP):
Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.

O STF e o STJ possuem diversos julgados nesse mesmo sentido:
Intimada a defesa para a sessão de julgamento da ação penal originária, a ausência da sustentação oral prevista no art. 12 da Lei nº 8.038/90 não invalida a condenação.
STF. 1ª Turma. RHC 119194, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 02/09/2014.

Para afastar a alegação de nulidade pela falta da sustentação oral prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.038/90, basta que tenha havido a regular intimação do advogado do réu para a sessão de julgamento, pois é faculdade da parte o comparecimento e a produção da sustentação oral a que alude o referido dispositivo.
STJ. 6ª Turma. HC 281.263/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/08/2016.

Em suma:
A ausência de defensor, devidamente intimado, à sessão de julgamento não implica, por si só, nulidade processual.
STF. 1ª Turma. HC 165534/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 3/9/2019 (Info 950).

Vale ressaltar, por fim, que a intimação é indispensável. O que não causa nulidade é a ausência do defensor se ele foi devidamente intimado.



domingo, 29 de setembro de 2019

Revisão - Juiz de Direito AL

Olá amigos do Dizer o Direito,

Está disponível a revisão para o concurso de Juiz de Direito de Alagoas.

Boa prova :)







sexta-feira, 27 de setembro de 2019

INFORMATIVO Comentado 948 STF


Aviso sobre o Informativo 948 do STF

O Informativo 948 do STF divulgou apenas o início de três julgamentos:
• ADI 2238/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 21 e 22.8.2019;
• Rcl 33147 AgR/GO, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 20.8.2019;
• RE 1210551 AgR/GO, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20.8.2019.

Ocorre que nenhum dos processos foi concluído, tendo havido pedidos de vista ou de adiamento.
Assim, o Informativo 948 do STF não divulgou nenhum julgado que tenha sido concluído e que, portanto, deva ser comentado.
Os julgados acima serão comentados quando forem concluídos.










INFORMATIVO Comentado 948 STF - Versão Resumida


Aviso sobre o Informativo 948 do STF

O Informativo 948 do STF divulgou apenas o início de três julgamentos:
• ADI 2238/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 21 e 22.8.2019;
• Rcl 33147 AgR/GO, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 20.8.2019;
• RE 1210551 AgR/GO, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20.8.2019.

Ocorre que nenhum dos processos foi concluído, tendo havido pedidos de vista ou de adiamento.
Assim, o Informativo 948 do STF não divulgou nenhum julgado que tenha sido concluído e que, portanto, deva ser comentado.
Os julgados acima serão comentados quando forem concluídos.










quinta-feira, 26 de setembro de 2019

INFORMATIVO Comentado 652 STJ


Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 652 STJ.

Confira abaixo o índice. Bons estudos.


INFORMATIVO COMENTADO 652 DO STJ

DIREITO ADMINISTRATIVO
ANISTIA POLÍTICA
O acórdão concessivo do MS que determina o pagamento retroativo dos valores devidos a anistiado político deve incluir também os juros de mora e correção monetária.

DIREITO EMPRESARIAL
FALÊNCIA
Em caso de falência do banco, os titulares de CDB deverão tentar receber seus créditos habilitando-os na falência, não sendo possível mero pedido de restituição.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Em caso de recuperação judicial pedido por meio de litisconsórcio ativo, a exigência dos 2 anos deverá ser contada individualmente.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL
MULTA COMINATÓRIA
É cabível multa cominatória para compelir provedor de acesso a internet ao fornecimento de dados para identificação de usuário.

EXECUÇÃO
O prazo para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dias úteis.
A oposição de embargos do devedor por aquele que recorreu contra a decisão que incluiu seu nome no polo passivo da execução não representa prática de ato incompatível com a vontade de recorrer.

DIREITO PENAL
PRESCRIÇÃO
O termo “sentença” contido no art. 115 do Código Penal se refere à primeira decisão condenatória, seja a do juiz singular ou a proferida pelo Tribunal, não se operando a redução do prazo prescricional quando a sentença condenatória é confirmada em sede de apelação.

DIREITO PROCESSUAL PENAL
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
É possível a deflagração de investigação criminal com base em matéria jornalística.

DIREITO TRIBUTÁRIO
EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO
É cabível a suspensão da exigibilidade do crédito não tributário mediante a apresentação de fiança bancária ou de seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de 30%.

IPI
Crédito presumido de IPI integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO
APOSENTADORIA ESPECIAL
O tempo que o segurado fica afastado do trabalho gozando de auxílio-doença pode ser considerado “tempo especial” para fins de aposentadoria especial.
O Decreto 53.831/64, no seu item 2.2.1, considera como insalubre somente os serviços e atividades profissionais desempenhados na agropecuária, não se enquadrando como tal a atividade laboral exercida apenas na lavoura da cana-de-açúcar.

PENSÃO POR MORTE
Em caso de revisão de pensão por morte mediante revisão da RMI da aposentadoria que a originou, o termo inicial do prazo decadencial para a ação é a data da concessão da aposentadoria (benefício originário).












INFORMATIVO Comentado 652 STJ - Versão Resumida


Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 652 STJ - Versão Resumida.

Bons estudos.





terça-feira, 24 de setembro de 2019

O prazo para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dias úteis



Procedimento para execução
O procedimento para execução de quantia pode ser realizado de duas formas:
a)       execução de quantia fundada em título executivo extrajudicial;
b)      execução de quantia fundada em título executivo judicial (cumprimento de sentença).

Imagine a seguinte situação hipotética:
João ajuíza uma ação de cobrança contra Pedro.
O juiz julgou a sentença procedente, condenando Pedro a pagar R$ 1 milhão ao autor.
Houve o trânsito em julgado.

O que acontece agora?
João terá que ingressar com uma petição em juízo requerendo o cumprimento da sentença.

O início da fase de cumprimento da sentença pode ser feito de ofício pelo juiz?
NÃO. O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, só pode ser feito a requerimento do exequente (art. 513, § 1º do CPC/2015).
Cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante demonstrativo discriminado e atualizado do crédito (art. 524 do CPC/2015).
Em outras palavras, o início da fase de cumprimento da sentença exige um requerimento do credor:
Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

A partir do requerimento do credor, o que faz o juiz?
O juiz determina a intimação do devedor para pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias.

O prazo de 15 dias, previsto no art. 523 do CPC/2015, tem natureza processual ou material?
Vou já responder, mas antes faço uma nova pergunta: qual a relevância prática disso?
A importância disso está na forma da contagem do prazo.
Isso porque os prazos de natureza processual são contados em dias úteis, nos termos do caput do art. 219 do CPC:
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Os prazos de natureza material, por sua vez, são contados em dias contínuos, conforme se pode concluir pela leitura do parágrafo único do art. 219 do CPC:
Art. 219 (...)
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.

• Prazos processuais: dias úteis.
• Prazos materiais: dias contínuos (corridos).

E, então? O prazo de 15 dias, previsto no art. 523 do CPC/2015, é processual ou material? Ele é contado em dias úteis ou corridos?
É um prazo processual e, portanto, contado em dias úteis.
O prazo previsto no art. 523, caput, do Código de Processo Civil, para o cumprimento voluntário da obrigação, possui natureza processual, devendo ser contado em dias úteis.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.708.348-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/06/2019 (Info 652).

Esta é também a posição da doutrina majoritária:
Enunciado 89 – I Jornada CJF: Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC.

Embora o pagamento seja um ato a ser praticado pela parte, é preciso lembrar que a intimação para o cumprimento voluntário da sentença, nos termos do art. 523 do CPC/2015, ocorre, como regra, na pessoa do advogado constituído nos autos. É o que determina o art. 513, § 2º, I, do CPC/2015.
Assim, considerando que a intimação para o cumprimento de sentença se dá na pessoa do advogado constituído (e não da parte devedora), esse fato acarretará um ônus ao causídico, que deverá comunicar ao seu cliente não só o resultado desfavorável da demanda, como também as próprias consequências jurídicas da ausência de cumprimento voluntário da sentença, tais como a imposição de multa e fixação de honorários advocatícios, dentre outras.
Logo, o prazo do art. 523 do CPC gera um “trabalho” para o advogado da parte e a razão de ser do art. 219, caput, do CPC/2015 foi a de dar maior tranquilidade aos advogados, possibilitando, por exemplo, que eles não tenham que trabalhar nos finais de semana, feriados ou recessos.

Esse prazo de 15 dias é contado a partir de quando?
Da intimação do devedor para pagar. Não basta que o devedor já tenha sido intimado anteriormente da sentença que o condenou. Para começar o prazo de 15 dias para pagamento, é necessária nova intimação.
Assim, a multa de 10% depende de nova intimação prévia do devedor.
A forma dessa intimação está prevista no art. 513 do CPC/2015:
Art. 513 (...)
§ 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:
I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos;
II - por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV;
III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos
IV - por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de conhecimento.
§ 3º Na hipótese do § 2º, incisos II e III, considera-se realizada a intimação quando o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no parágrafo único do art. 274.
§ 4º Se o requerimento a que alude o § 1º for formulado após 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença, a intimação será feita na pessoa do devedor, por meio de carta com aviso de recebimento encaminhada ao endereço constante dos autos, observado o disposto no parágrafo único do art. 274 e no § 3º deste artigo.

Se os executados forem litisconsortes com diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, este prazo de 15 dias poderá ser contado em dobro?
SIM.
O prazo comum para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dobro no caso de litisconsortes com procuradores distintos, em autos físicos.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.693.784-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017 (Info 619).

Conforme já afirmado, o cumprimento voluntário da sentença possui natureza dúplice. Cuida-se de ato a ser praticado pela própria parte, mas a fluência do prazo para pagamento inicia-se com a intimação do advogado pela imprensa oficial, o que impõe ônus ao patrono, qual seja, o dever de comunicar o devedor do desfecho desfavorável da demanda, alertando-o das consequências jurídicas da ausência do cumprimento voluntário.

Assim, uma vez constatada a hipótese prevista no art. 229 do CPC/2015 (litisconsortes com procuradores de escritórios diferentes), o prazo comum para pagamento espontâneo deverá ser computado em dobro, ou seja, será de 30 dias úteis.



quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Lei 13.873/2019: altera a Lei 13.364/2016 para reforçar que as atividades de rodeio, vaquejada e laço são bens de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro



Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada ontem (18/09/2019), a Lei nº 13.873/2019, que altera a Lei nº 13.364/2016, para incluir o laço, bem como as respectivas expressões artísticas e esportivas, como manifestação cultural nacional, elevar essas atividades à condição de bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro e dispor sobre as modalidades esportivas equestres tradicionais e sobre a proteção ao bem-estar animal.

Vamos entender com calma.

Rodeio
O rodeio, a vaquejada e o laço são práticas culturais comuns em alguns Estados do Brasil.
“O rodeio é uma prática competitiva que consiste em permanecer por até oito segundos sobre um animal, normalmente um cavalo ou touro. A avaliação é feita por dois árbitros cuja nota é de 0 a 50 cada; um árbitro avalia o competidor e o outro avalia o animal, totalizando a pontuação de 0 a 100.” (https://www.wikiwand.com/pt/Rodeio)

Vaquejada
Na vaquejada, dois vaqueiros, cada um montado em seu cavalo, perseguem o boi na arena e, após emparelhá-lo com os cavalos, tentam conduzi-lo até uma região delimitada, onde deverão derrubar o boi puxando-o pelo rabo.
Se o boi, quando foi derrubado, ficou, ainda que por alguns instantes, com as quatro patas para cima antes de se levantar, o juiz declara ao público “Valeu boi!” e a dupla recebe os pontos.
Se o boi caiu, mas não ficou com as patas para cima, o juiz anuncia “Zero!”, e a dupla não pontua.
Algumas regras mudam de acordo com a organização do evento, mas, em regra, cada dupla enfrenta cinco bois. O primeiro vale 8 pontos, o segundo 9 pontos, o terceiro 10 pontos, o quarto 11 e o quinto 12, totalizando 50 pontos.

Laço
Provas de laço são uma forma de competição na qual o objetivo é imobilizar o animal por meio do laço.

Críticas e defensores
As associações protetoras dos animais criticam bastante os rodeios, as vaquejadas e as provas de laço, alegando que os animais envolvidos sofrem maus tratos e que, com frequência, ficam com sequelas decorrentes das agressões e do estresse que passam.
Os defensores da atividade, por sua vez, alegam que os animais não sofrem maus tratos e que esta prática é centenária, fazendo parte do patrimônio cultural do povo brasileiro. Além disso, argumentam que se trata de um esporte e que os eventos geram inúmeros empregos e renda no país.

Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará
O Ceará editou a Lei estadual nº 15.299/2013, regulamentando a atividade de “vaquejada” no Estado. A norma fixou os critérios para a competição e obrigou os organizadores a adotarem medidas de segurança para os vaqueiros, público e animais.
O Procurador-Geral da República, no entanto, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a lei.
Segundo a ação, com a profissionalização da vaquejada, algumas práticas passaram a ser adotadas, como o enclausuramento dos  animais antes de serem lançados à pista, momento em que são açoitados e instigados para que entrem agitados na arena quando da abertura do portão. Tais práticas acarretam danos e constituem crueldade contra os animais, o que é vedado pelo art. 225, § 1º, VII, da CF/88:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

O pedido do PGR foi acolhido pelo STF? A vaquejada foi considerada uma prática contrária à CF?
SIM.

Conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais
O caso em tela revela um conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais:
• De um lado, a CF/88 proíbe as práticas que submetam os animais a crueldade (art. 225, § 1º, VII);
• De outro, o texto constitucional garante o pleno exercício dos direitos culturais, das manifestações culturais e determina que o Estado proteja as manifestações das culturas populares (art. 215, caput e § 1º).

Direito fundamental de terceira geração
O art. 225 da CF/88 consagra a proteção da fauna e da flora como modo de assegurar o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. É, portanto, direito fundamental de terceira geração, fundado na solidariedade, de caráter coletivo ou difuso, dotado de "altíssimo teor de humanismo e universalidade" (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 523).
A manutenção do ecossistema é um dever de todos em benefício das gerações do presente e do futuro.
Nas questões ambientais, o indivíduo é considerado titular do direito e, ao mesmo tempo, destinatário dos deveres de proteção. Daí porque a doutrina fala que existe um verdadeiro “direito-dever” fundamental.

Laudos técnicos comprovaram consequências nocivas aos animais
O PGR juntou aos autos laudos técnicos que comprovam que as vaquejadas provocam consequências nocivas à saúde dos bovinos, tais como fraturas nas patas, ruptura dos ligamentos e dos vasos sanguíneos, traumatismos e deslocamento da articulação do rabo e até seu arrancamento, das quais resultam comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais, dores físicas e sofrimento mental.
Diante desses dados, o STF concluiu que é indiscutível que os animais envolvidos sofrem tratamento cruel, o que contraria o art. 225, § 1º, VII, da CF/88.

Proibição da crueldade prevalece sobre a proteção cultural
O STF entendeu que a crueldade provocada pela “vaquejada” faz com que, mesmo sendo esta uma atividade cultural, não possa ser permitida.
A expressão “crueldade”, constante da parte final do inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, engloba a tortura e os maus-tratos sofridos pelos bovinos durante a prática da vaquejada, de modo a tornar intolerável esta conduta que havia sido autorizada pela norma estadual impugnada.
Assim, mesmo reconhecendo a importância da vaquejada como manifestação cultural regional, esse fator não torna a atividade imune aos outros valores constitucionais, em especial à proteção ao meio ambiente.

Resultado
O placar foi bastante apertado (6x5):
• Inconstitucionalidade da lei: Ministros Marco Aurélio, Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
• Constitucionalidade da lei (vencidos): Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki (agora falecido), Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Resumindo:
É inconstitucional lei estadual que regulamenta a atividade da “vaquejada”.
Segundo decidiu o STF, os animais envolvidos nesta prática sofrem tratamento cruel, razão pela qual esta atividade contraria o art. 225, § 1º, VII, da CF/88.
A crueldade provocada pela “vaquejada” faz com que, mesmo sendo esta uma atividade cultural, não possa ser permitida.
A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, que veda práticas que submetam os animais à crueldade.
STF. Plenário. ADI 4983/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 06/10/2016 (Info 842).

Lei federal nº 13.364/2016
Pouco mais de um mês após esta decisão do STF acima explicada (ADI 4983/CE) o Congresso Nacional editou a Lei nº 13.364/2016, prevendo que o Rodeio e a Vaquejada devem ser considerados como expressões artístico-culturais e manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.
Foi uma “reação” do Poder Legislativo à decisão do STF.
O Congresso Nacional poderia editar esta Lei, em tese, contrariando o que decidiu o STF na ADI 4983?
Sim, porque a decisão do STF restringiu-se a uma lei do Ceará, que permitia a realização da vaquejada naquele Estado. O efeito vinculante do acórdão se limita a isso. Assim, esta lei do Ceará é inconstitucional e ninguém pode contrariar isso. A decisão do STF não impede, contudo, que o Congresso Nacional ou mesmo outros Estados editem leis permitindo a vaquejada. Formalmente, tais leis não violam a decisão do STF.

EC 96/2017
A Lei nº 13.364/2016, acima mencionada, sozinha, não teria força jurídica suficiente para superar a decisão do STF. Isso porque, na visão do Supremo, a prática da vaquejada não era proibida por ausência de lei. Ao contrário, a Corte entendeu que, mesmo havendo lei regulamentando a atividade, a vaquejada era inconstitucional por violar o art. 225, § 1º, VII, da CF/88.
Assim, essa Lei nº 13.364/2016 não ajudava muito os partidários da vaquejada e era certo que o STF iria manter a proibição.
Ciente disso, o Congresso Nacional decidiu alterar a própria Constituição, nela inserindo a previsão expressa de que são permitidas práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais.
Veja a íntegra do § 7º que foi inserido pela EC 96/2017 no art. 225 da CF/88:
Art. 225. (...)
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.

Foi uma tentativa de superação legislativa da jurisprudência (reversão jurisprudencial), uma manifestação de ativismo congressual.

Efeito Backlash
A EC 96/2017 é um exemplo do que a doutrina constitucionalista denomina de “efeito backlash”.
Em palavras muito simples, efeito backlash consiste em uma reação conservadora de parcela da sociedade ou das forças políticas (em geral, do parlamento) diante de uma decisão liberal do Poder Judiciário em um tema polêmico.
George Marmelstein resume a lógica do efeito backlash ao ativismo judicial:
“(1) Em uma matéria que divide a opinião pública, o Judiciário profere uma decisão liberal, assumindo uma posição de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais. (2) Como a consciência social ainda não está bem consolidada, a decisão judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados, recheados de falácias com forte apelo emocional. (3) A crítica massiva e politicamente orquestrada à decisão judicial acarreta uma mudança na opinião pública, capaz de influenciar as escolhas eleitorais de grande parcela da população. (4) Com isso, os candidatos que aderem ao discurso conservador costumam conquistar maior espaço político, sendo, muitas vezes, campeões de votos. (5) Ao vencer as eleições e assumir o controle do poder político, o grupo conservador consegue aprovar leis e outras medidas que correspondam à sua visão de mundo. (6) Como o poder político também influencia a composição do Judiciário, já que os membros dos órgãos de cúpula são indicados politicamente, abre-se um espaço para mudança de entendimento dentro do próprio poder judicial. (7) Ao fim e ao cabo, pode haver um retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa ainda pior do que a que havia antes da decisão judicial, prejudicando os grupos que, supostamente, seriam beneficiados com aquela decisão.” (Disponível em: https://direitosfundamentais.net/2015/09/05/efeito-backlash-da-jurisdicao-constitucional-reacoes-politicas-a-atuacao-judicial/).

Lei nº 13.873/2019
Agora, vem a Lei nº 13.873/2019 que teve dois objetivos;
• incluir as atividades de laço na Lei nº 13.364/2016;
• reforçar que o Rodeio, a Vaquejada e o Laço são manifestações culturais nacionais e suas atividades são bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro.

Vamos verificar agora as mudanças feitas pela Lei nº 13.873/2019

Alteração na ementa da Lei
Ementa da Lei nº 13.364/2016
Redação originária
Redação dada pela Lei nº 13.873/2019
Eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial.
Reconhece o rodeio, a vaquejada e o laço, bem como as respectivas expressões artísticas e esportivas, como manifestações culturais nacionais; eleva essas atividades à condição de bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro; e dispõe sobre as modalidades esportivas equestres tradicionais e sobre a proteção ao bem-estar animal. (Redação dada pela Lei nº 13.873/2019)


Alteração no art. 1º para incluir o laço
Ementa da Lei nº 13.364/2016
Redação originária
Redação dada pela Lei nº 13.873/2019
Art. 1º Esta Lei eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.
Art. 1º  Esta Lei reconhece o rodeio, a vaquejada e o laço, bem como as respectivas expressões artísticas e esportivas, como manifestações culturais nacionais, eleva essas atividades à condição de bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro e dispõe sobre as modalidades esportivas equestres tradicionais e sobre a proteção ao bem-estar animal.


Alteração no art. 2º
Ementa da Lei nº 13.364/2016
Redação originária
Redação dada pela Lei nº 13.873/2019
Art. 2º O Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, passam a ser considerados manifestações da cultura nacional.

Art. 2º O rodeio, a vaquejada e o laço, bem como as respectivas expressões artísticas e esportivas, são reconhecidos como manifestações culturais nacionais e elevados à condição de bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro, enquanto atividades intrinsecamente ligadas à vida, à identidade, à ação e à memória de grupos formadores da sociedade brasileira.

Inserção do art. 3º-A
Art. 3º-A. Sem prejuízo do disposto no art. 3º desta Lei, são consideradas modalidades esportivas equestres tradicionais as seguintes atividades:
I - adestramento, atrelagem, concurso completo de equitação, enduro, hipismo rural, salto e volteio;
II - apartação, time de curral, trabalho de gado, trabalho de mangueira;
III - provas de laço;
IV - provas de velocidade: cinco tambores, maneabilidade e velocidade, seis balizas e três tambores;
V - argolinha, cavalgada, cavalhada e concurso de marcha;
VI - julgamento de morfologia;
VII - corrida;
VIII - campereada, doma de ouro e freio de ouro;
IX - paleteada e vaquejada;
X - provas de rodeio;
XI - rédeas;
XII - polo equestre;
XIII - paraequestre.

Inserção do art. 3º-B para prever cuidados com o bem-estar dos animais
Art. 3º-B.  Serão aprovados regulamentos específicos para o rodeio, a vaquejada, o laço e as modalidades esportivas equestres por suas respectivas associações ou entidades legais reconhecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
§ 1º  Os regulamentos referidos no caput deste artigo devem estabelecer regras que assegurem a proteção ao bem-estar animal e prever sanções para os casos de descumprimento.
§ 2º  Sem prejuízo das demais disposições que garantam o bem-estar animal, deve-se, em relação à vaquejada: 
I - assegurar aos animais água, alimentação e local apropriado para descanso;
II - prevenir ferimentos e doenças por meio de instalações, ferramentas e utensílios adequados e da prestação de assistência médico-veterinária;
III - utilizar protetor de cauda nos bovinos;
IV - garantir quantidade suficiente de areia lavada na faixa onde ocorre a pontuação, respeitada a profundidade mínima de 40 cm (quarenta centímetros).

Vigência
A Lei nº 13.873/2019 entrou em vigor na data de sua publicação (18/09/2019).




Lei 13.872/2019: direito de as mães amamentarem seus filhos durante a realização de concursos públicos federais



Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada ontem (18/09/2019) a Lei nº 13.872/2019, que assegura importante direito para as mães lactantes que estão prestando concurso público.

Vamos entender melhor.

O que a Lei estabelece?
As mães que tenham filho de até 6 meses de idade possuem direito de ter um tempo para amamentar a criança durante a realização do concurso público, compensando o tempo despendido na amamentação para que ela não “perca” esse período.
Ex: se a prova está marcada para terminar 17h e a candidata amamentou durante 30 minutos, a prova, para ela, poderá durar até às 17h30min.

Até 6 meses de idade
Esse direito só é assegurado se a criança tiver até 6 meses de idade, considerado no dia da realização da prova ou da etapa avaliatória.
A partir desse período, o legislador entende que o bebê já se alimenta por outros meios além do aleitamento materno.
A prova da idade será feita mediante declaração no ato de inscrição para o concurso e apresentação da respectiva certidão de nascimento durante sua realização.

Lei aplicável apenas para concursos federais
Literalmente, a Lei nº 13.872/2019 só assegura esse direito para concursos federais.
Essa omissão se explica porque existe uma reticência do Congresso Nacional em editar normas que disciplinem os concursos públicos em nível estadual, distrital ou municipal por receio de que isso possa ser considerando inconstitucional já que se estaria invadindo a autonomia desses entes. Nesse sentido, podemos citar, por exemplo, a Lei nº 12.990/2014, que previu cotas em concursos públicos apenas nos concursos federais.

Concursos de quaisquer dos Poderes
Esse direito existe em concursos federais, de quaisquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), abrangendo também os órgãos autônomos que não se enquadram exatamente em nenhum desses Poderes, como o Ministério Público da União.

Prévia solicitação
A candidata deverá previamente solicitar esse direito à instituição organizadora.

Provas ou etapas avaliatórias
Esse direito à amamentação existe tanto durante as provas como nas demais etapas avaliatórias que não recebem o nome de prova, como, por exemplo, exames médicos ou psicotécnico.

E a criança fica esperando com quem no período em que a mãe estiver fazendo a prova?
A mãe deverá, no dia da prova ou da etapa avaliatória, indicar uma pessoa acompanhante que será a responsável pela guarda da criança durante o período necessário.
A pessoa acompanhante somente terá acesso ao local das provas até o horário estabelecido para fechamento dos portões e ficará com a criança em sala reservada para essa finalidade, próxima ao local de aplicação das provas.

Qual é o tempo de amamentação?
A mãe terá o direito de fazer a amamentação a cada intervalo de 2 horas, por até 30 minutos, por filho.
O tempo despendido na amamentação será compensado durante a realização da prova, em igual período.

Mãe será acompanhada por fiscal
Durante o período de amamentação, a mãe será acompanhada por fiscal.

Editais deverão prever esse direito
Os editais dos concursos deverão prever expressamente esse direito estabelecendo um prazo para que a mãe manifeste seu interesse em exercê-lo.

Vigência
A Lei nº 13.872/2019 entra em vigor no dia 18/10/2019.

Como funciona na prática, atualmente?
Alguns Estados possuem leis semelhantes. É o caso, por exemplo, da Lei 7.613/2012, do Pará. Nestas hipóteses, o edital do concurso já prevê esse direito.
Outros Estados e Municípios não possuem lei. Neste caso, mesmo havendo essa omissão, o edital deverá, obrigatoriamente, prever a possibilidade de a candidata amamentar seu filho. No entanto, não existe um direito de a mãe candidata compensar esse tempo utilizado, ou seja, a mãe não terá direito a um tempo extra pelo fato de ter amamentado.



quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Lei 13.871/2019: autor de violência doméstica deve ressarcir os gastos do poder público com a assistência à saúde da vítima e com os dispositivos de segurança utilizados para evitar nova agressão



Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje (18/09/2019), a Lei nº 13.871/2019, que altera a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e prevê que:
O autor de violência doméstica praticada contra mulher terá que ressarcir os custos relacionados com:
• os serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência doméstica e familiar e
• com os dispositivos de segurança utilizados pelas vítimas para evitar nova violência.

Vamos entender melhor.

ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
O art. 9º da Lei nº 11.340/2006 prevê que a mulher vítima de violência doméstica deverá receber a devida assistência a ser prestada no âmbito:
• da saúde;
• da assistência social;
• e da segurança pública.

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

NOVO § 4º DO ART. 9º
Ressarcimento dos gastos com os serviços de saúde prestados à mulher
A Lei nº 13.871/2019 acrescenta o § 4º ao art. 9º da Lei Maria da Penha prevendo o seguinte:
O agente que...
- por ação ou omissão,
- causar
• lesão,
• violência (física, sexual ou psicológica) e
• dano (moral ou patrimonial) ...

- a mulher
- fica obrigado a ressarcir todos os danos causados.

Quando se fala em ressarcir todos os danos causados, isso significa que o agressor tem o dever, inclusive, de pagar ao Sistema Único de Saúde (SUS) as despesas que foram realizadas com os serviços de saúde prestados para o total tratamento da vítima em situação de violência doméstica e familiar.
Ex: custos com cirurgia, com medicamentos, com atendimento de psicóloga etc.
Assim, mesmo o SUS sendo um serviço oferecido gratuitamente à população, o agressor tem o dever de ressarcir os gastos que o poder público teve com isso.
O legislador entendeu que não é “justo” que toda a coletividade tenha que arcar as despesas que o poder público teve com o tratamento da vítima considerando que o responsável por isso foi o agressor. Logo, o Estado cumpre seu papel e presta toda a assistência à vítima. No entanto, posteriormente, cobra esse valor do real causador dos gastos.

Como se calculará o valor desses tratamentos?
Esse ressarcimento será feito de acordo com os valores previstos na tabela do SUS.
Ex: se a vítima quebrou o braço em decorrência das agressões, o agente terá que pagar os custos de um atendimento médico, do gesso, dos exames e demais gastos necessários para o procedimento.

Fundo de Saúde
Os recursos arrecadados serão recolhidos ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.
Ex: se a mulher foi atendida em um hospital da rede estadual de saúde, os valores pagos pelo agressor irão ser revertidos para o Fundo Estadual de Saúde.
Caso não pague voluntariamente, o ente que custeou às despesas (União, Estado, DF ou Município) deverá ajuizar ação de indenização contra ele o agressor.

Os gastos que a vítima teve em hospitais particulares, também deverão ser ressarcidos?
SIM. No entanto, esse não foi o objetivo do novo § 4º. Isso porque nunca houve dúvidas de que o agressor tinha que indenizar as despesas que a própria vítima teve que desembolsar. Esse dever decorre das regras ordinárias de responsabilidade civil.
A grande novidade da Lei nº 13.871/2019 foi exigir do causador da agressão os gastos que o Poder Público teve com a assistência integral da vítima.

Redação do § 4º
Veja a redação do novo dispositivo:
§ 4º  Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.


NOVO § 5º DO ART. 9º
Mecanismos para evitar a aproximação do agressor em relação à vítima
É comum que o autor da violência doméstica, mesmo já sabendo que as autoridades estão apurando o crime praticado, tente procurar novamente a vítima, seja sob a alegação de que quer se desculpar, seja com o objetivo declarado de se vingar.
Justamente por isso a Lei nº 11.340/2006 prevê que poderão ser concedidas medidas protetivas de urgência, sendo a mais comum delas a determinação imposta pelo juiz no sentido de que o agressor não deve se aproximar da vítima (art. 22, III, “a”).
O agressor que descumprir essa medida pode ter a prisão preventiva decretada (art. 313, III, do CPP), além de responder por novo crime, previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006.
Ocorre que, mesmo com isso tudo, ainda assim são frequentes os casos em que o agressor descumpriu a medida imposta, aproximou-se da ofendida buscando uma reconciliação e, como a vítima se recusou, acabou sendo morta.
Diante desse cenário, percebeu-se que, por se tratarem de crimes passionais, não basta a ameaça de sanção. É necessário utilizar a tecnologia para proteger a vítima evitando a aproximação mesmo que o agressor tente isso.

“Botão do pânico”
Um exemplo desse mecanismo de proteção das vítimas de violência doméstica é o chamado “botão do pânico”, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo em conjunto com o Município de Vitória (ES) e com o Instituto Nacional de Tecnologia Preventiva (INTP).
Trata-se de um equipamento fornecido para mulheres que estão sob medida protetiva e que pode ser acionado caso o agressor não mantenha a distância mínima determinada na decisão judicial.
Assim, se o agressor se aproxima da vítima, esta poderá acionar o “botão do pânico” e o equipamento, que conta com um GPS, enviará imediatamente a localização da mulher para uma central de monitoramento, de forma que uma equipe da polícia será enviada ao local a fim de garantir a segurança da mulher e eventual prisão do agressor.
O aparelho também inicia um sistema de gravação do áudio ambiente, que fica armazenado e poderá ser usado, judicialmente, contra o agressor. Mais informações: http://www.tjes.jus.br/botao-do-panico-dispositivo-de-seguranca-que-ajuda-a-proteger-mulheres-vitimas-de-violencia-domestica-completa-6-anos/
Essa experiência tem sido adotada em outros Estados.

Tornozeleira eletrônica com dispositivo de aproximação que fica com a mulher
Outro exemplo de tecnologia preventiva para a proteção da mulher vítima de violência doméstica são as tornozeleiras eletrônicas. No entanto, além de o agressor ficar com a tornozeleira, a vítima utiliza também um dispositivo por meio do qual se o indivíduo se aproximar da mulher em distância inferior àquela que é permitida, a vítima e as autoridades são informadas, podendo assim garantir a sua segurança.

Ressarcimento dos gastos com esses dispositivos
Esses dispositivos tecnológicos de proteção preventiva da mulher acarretam despesas, tanto no momento do seu desenvolvimento como manutenção.
A Lei nº 13.871/2019 acrescenta o § 5º ao art. 9º da Lei Maria da Penha prevendo que o agressor terá que ressarcir os custos com tais dispositivos de segurança, caso eles tenham que ser empregados para proteção da vítima.

Veja a redação do parágrafo inserido:
§ 5º Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.


NOVO § 6º DO ART. 9º
A Lei nº 13.871/2019 acrescenta o § 6º ao art. 9º com três importantes informações:

1) O ressarcimento não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes
Isso significa que, se o agressor for casado com a vítima ou com ela tiver filhos, o ressarcimento terá que ser feito pelo agente com seu patrimônio próprio, não podendo utilizar o dinheiro que seria comum do casal ou dos filhos.
Ex: João agrediu fisicamente sua esposa Laura; em virtude das agressões, Laura teve que fazer uma cirurgia de emergência em um hospital público, para onde foi levada; João terá que ressarcir os custos com o atendimento médico e hospitalar feito em Laura; suponhamos que João e Laura, casados em comunhão universal de bens, tinham um investimento financeiro de R$ 100 mil; Laura terá direito aos seus R$ 50 mil e João pagará o ressarcimento com a sua parte, ou seja, com os seus R$ 50 mil.

2) O fato de o agressor ter feito o ressarcimento não configura atenuante
O art. 65 do Código Penal traz uma lista de circunstâncias atenuantes.
O inciso III, “b”, deste artigo prevê o seguinte:
Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
(...)
III - ter o agente:
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;

O agressor que faz o ressarcimento poderia pretender invocar essa atenuante. Antevendo isso, o legislador incluiu no § 6º do art. 9º a proibição de que o juiz utilize o ressarcimento feito pelo agressor como uma circunstância atenuante.

3) O ressarcimento não enseja possibilidade de substituição da pena aplicada
O ressarcimento de que tratam os §§ 4º e 5º do art. 9º não configura pena restritiva de direitos.
Assim, o fato de o agente ter feito esse ressarcimento não implica qualquer alteração na pena aplicada.
Aliás, o art. 17 da Lei nº 11.340/2006 afirma que “é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.”
Nesse sentido:
Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Vigência
As alterações promovidas pela Lei nº 13.871/2019 somente entram em vigor no dia 02/11/2019 (art. 1º da LINDB).

TEMA CORRELATO
INSS PODE AJUIZAR AÇÃO DE REGRESSO CONTRA O AUTOR DO HOMICÍDIO PARA SER RESSARCIDO DAS DESPESAS COM O PAGAMENTO DA PENSÃO POR MORTE AOS DEPENDENTES DO SEGURADO

Imagine a seguinte situação hipotética:
Ricardo e Andrea viviam em união estável.
Andrea tinha 2 filhos (Pedro e Isabela, de 6 e 8 anos), frutos de um relacionamento passado.
Determinado dia, motivado por ciúmes, Ricardo matou Andrea.
Ricardo foi julgado e condenado, com sentença transitada em julgado, por homicídio doloso.
Andrea trabalhava como garçonete, sendo, portanto, segurada do regime geral da previdência social.

Os dependentes de Andrea terão direito de receber pensão por morte?
Seus dois filhos menores: SIM.
Seu ex-companheiro (Ricardo): NÃO

Por que Ricardo não terá direito à pensão por morte?
Porque foi ele quem matou a segurada, incidindo, portanto, na vedação prevista no art. 74, § 1º da Lei nº 8.213/91:
Art. 74 (...)
§ 1º Perde o direito à pensão por morte o condenado criminalmente por sentença com trânsito em julgado, como autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou de tentativa desse crime, cometido contra a pessoa do segurado, ressalvados os absolutamente incapazes e os inimputáveis. (Redação dada pela Lei nº 13.846/2019)

Ok. Suponha, então, que Pedro e Isabela estão recebendo do INSS a pensão por morte decorrente do falecimento de sua mãe. A autarquia previdenciária poderá ajuizar ação contra Ricardo (o homicida) pedindo o ressarcimento dos valores que pagou e ainda irá pagar a título de pensão por morte?
SIM.
É possível que o INSS ajuíze ação regressiva contra o autor do homicídio pedindo o ressarcimento dos valores pagos a título de pensão por morte aos filhos de segurada, vítima de homicídio praticado por seu ex-companheiro.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.431.150-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 23/8/2016 (Info 596).

Qual é o fundamento legal para isso?
Em 2016, quando o STJ proferiu a decisão acima, não existia um dispositivo específico tratando sobre o tema. Diante disso, o STJ determinou que deveria ser aplicado o art. 120 da Lei nº 8.213/91 por meio de uma interpretação extensiva e sistemática, que envolvia também o art. 121 da Lei nº 8.213/91 e os arts. 186 e 927 do Código Civil.
Ocorre que, posteriormente à decisão, já em 2019, foi editada a Lei nº 13.846/2019 prevendo expressamente essa possibilidade:
LEI 8.213/91
Antes da Lei 13.846/2019
Depois da Lei 13.846/2019 (atualmente)
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Art. 120. A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de:
I - negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva;
II - violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.