terça-feira, 30 de março de 2021

Lei 14.129/2021: dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital

  

Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje (30/03/2021), a Lei nº 14.129/2021, que dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital.

 

I – DISPOSIÇÕES GERAIS 

Sobre o que trata a Lei

A Lei nº 14.129/2021 dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o aumento da eficiência da administração pública, especialmente por meio da desburocratização, da inovação, da transformação digital e da participação do cidadão.

 

Outras leis que deverão nortear o sistema

Na aplicação da Lei nº 14.129/2021 deverá ser observado o disposto nas seguintes leis:

·  Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011);

· Lei de Proteção aos Usuários de Serviços Públicos (Lei nº 13.460/2017);

· Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018);

· Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66); e

· Lei do Sigilo Fiscal (LC 105/2001).

 

A quem se aplica a Lei

A Lei nº 14.129/2021 aplica-se:

I - aos órgãos da administração pública direta federal, abrangendo os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União, e o Ministério Público da União;

II - às entidades da administração pública indireta federal, incluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, que prestem serviço público, autarquias e fundações públicas; e

III - às administrações diretas e indiretas dos demais entes federados, desde que adotem os comandos desta Lei por meio de atos normativos próprios. Assim, a Lei nº 14.129/2021 somente se aplica aos Estados, Municípios e DF se o ente tiver editado seu ato normativo próprio.

 

Não se aplica para empresas estatais que explorem atividade econômica

A Lei nº 14.129/2021 não se aplica a empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, que não prestem serviço público.

 

Princípios e diretrizes do Governo Digital

São princípios e diretrizes do Governo Digital e da eficiência pública:

I - a desburocratização, a modernização, o fortalecimento e a simplificação da relação do poder público com a sociedade, mediante serviços digitais, acessíveis inclusive por dispositivos móveis;

II - a disponibilização em plataforma única do acesso às informações e aos serviços públicos, observadas as restrições legalmente previstas e sem prejuízo, quando indispensável, da prestação de caráter presencial;

III - a possibilidade aos cidadãos, às pessoas jurídicas e aos outros entes públicos de demandar e de acessar serviços públicos por meio digital, sem necessidade de solicitação presencial;

IV - a transparência na execução dos serviços públicos e o monitoramento da qualidade desses serviços;

V - o incentivo à participação social no controle e na fiscalização da administração pública;

VI - o dever do gestor público de prestar contas diretamente à população sobre a gestão dos recursos públicos;

VII - o uso de linguagem clara e compreensível a qualquer cidadão;

VIII - o uso da tecnologia para otimizar processos de trabalho da administração pública;

IX - a atuação integrada entre os órgãos e as entidades envolvidos na prestação e no controle dos serviços públicos, com o compartilhamento de dados pessoais em ambiente seguro quando for indispensável para a prestação do serviço, nos termos da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), e, quando couber, com a transferência de sigilo, nos termos do art. 198 do CTN e da LC 105/2001;

X - a simplificação dos procedimentos de solicitação, oferta e acompanhamento dos serviços públicos, com foco na universalização do acesso e no autosserviço;

XI - a eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;

XII - a imposição imediata e de uma única vez ao interessado das exigências necessárias à prestação dos serviços públicos, justificada exigência posterior apenas em caso de dúvida superveniente;

XIII - a vedação de exigência de prova de fato já comprovado pela apresentação de documento ou de informação válida;

XIV - a interoperabilidade de sistemas e a promoção de dados abertos;

XV - a presunção de boa-fé do usuário dos serviços públicos;

XVI - a permanência da possibilidade de atendimento presencial, de acordo com as características, a relevância e o público-alvo do serviço;

XVII - a proteção de dados pessoais, nos termos da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais);

XVIII - o cumprimento de compromissos e de padrões de qualidade divulgados na Carta de Serviços ao Usuário;

XIX - a acessibilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, nos termos da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência);

XX - o estímulo a ações educativas para qualificação dos servidores públicos para o uso das tecnologias digitais e para a inclusão digital da população;

XXI - o apoio técnico aos entes federados para implantação e adoção de estratégias que visem à transformação digital da administração pública;

XXII - o estímulo ao uso das assinaturas eletrônicas nas interações e nas comunicações entre órgãos públicos e entre estes e os cidadãos;

XXIII - a implantação do governo como plataforma e a promoção do uso de dados, preferencialmente anonimizados, por pessoas físicas e jurídicas de diferentes setores da sociedade, com vistas, especialmente, à formulação de políticas públicas, de pesquisas científicas, de geração de negócios e de controle social;

XXIV - o tratamento adequado a idosos, nos do Estatuto do Idoso;

XXV - a adoção preferencial, no uso da internet e de suas aplicações, de tecnologias, de padrões e de formatos abertos e livres, conforme disposto no inciso V do caput do art. 24 e no art. 25 da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet); e

XXVI - a promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação no setor público.

 

Conceitos utilizados pela Lei

· Autosserviço: acesso pelo cidadão a serviço público prestado por meio digital, sem necessidade de mediação humana;

· Base nacional de serviços públicos: base de dados que contém as informações necessárias sobre a oferta de serviços públicos de todos os prestadores desses serviços;

· Dados abertos: dados acessíveis ao público, representados em meio digital, estruturados em formato aberto, processáveis por máquina, referenciados na internet e disponibilizados sob licença aberta que permita sua livre utilização, consumo ou tratamento por qualquer pessoa, física ou jurídica;

· Dado acessível ao público: qualquer dado gerado ou acumulado pelos entes públicos que não esteja sob sigilo ou sob restrição de acesso nos termos da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação);

· Formato aberto: formato de arquivo não proprietário, cuja especificação esteja documentada publicamente e seja de livre conhecimento e implementação, livre de patentes ou de qualquer outra restrição legal quanto à sua utilização;

· Governo como plataforma: infraestrutura tecnológica que facilite o uso de dados de acesso público e promova a interação entre diversos agentes, de forma segura, eficiente e responsável, para estímulo à inovação, à exploração de atividade econômica e à prestação de serviços à população;

· Laboratório de inovação: espaço aberto à participação e à colaboração da sociedade para o desenvolvimento de ideias, de ferramentas e de métodos inovadores para a gestão pública, a prestação de serviços públicos e a participação do cidadão para o exercício do controle sobre a administração pública;

· Plataformas de governo digital: ferramentas digitais e serviços comuns aos órgãos, normalmente ofertados de forma centralizada e compartilhada, necessárias para a oferta digital de serviços e de políticas públicas;

· Registros de referência: informação íntegra e precisa oriunda de uma ou mais fontes de dados, centralizadas ou descentralizadas, sobre elementos fundamentais para a prestação de serviços e para a gestão de políticas públicas; e

· Transparência ativa: disponibilização de dados pela administração pública independentemente de solicitações.

 

II – DIGITALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PRESTAÇÃO DIGITAL DE SERVIÇOS PÚBLICOS - GOVERNO DIGITAL

II.1 Digitalização

Soluções digitais

A administração pública utilizará soluções digitais para a gestão de suas políticas finalísticas e administrativas e para o trâmite de processos administrativos eletrônicos.

 

Atestados e outros documentos em meio digital

Entes públicos que emitem atestados, certidões, diplomas ou outros documentos comprobatórios com validade legal poderão fazê-lo em meio digital, assinados eletronicamente.

 

Atos processuais eletrônicos

Nos processos administrativos eletrônicos, os atos processuais deverão ser realizados em meio eletrônico, exceto se o usuário solicitar de forma diversa, nas situações em que esse procedimento for inviável, nos casos de indisponibilidade do meio eletrônico ou diante de risco de dano relevante à celeridade do processo.

Não sendo o ato realizado em meio eletrônico, ele deverá ser praticado conforme as regras aplicáveis aos processos em papel, desde que posteriormente o documento-base correspondente seja digitalizado.

 

Assinatura eletrônica

Os documentos e os atos processuais serão válidos em meio digital mediante o uso de assinatura eletrônica, desde que respeitados parâmetros de autenticidade, de integridade e de segurança adequados para os níveis de risco em relação à criticidade da decisão, da informação ou do serviço específico, nos termos da lei.

 

Quando os atos processuais se consideram praticados

Os atos processuais em meio eletrônico consideram-se realizados no dia e na hora do recebimento pelo sistema informatizado de gestão de processo administrativo eletrônico do órgão ou da entidade, o qual deverá fornecer recibo eletrônico de protocolo que os identifique.

Quando o ato processual tiver que ser praticado em determinado prazo, por meio eletrônico, serão considerados tempestivos os efetivados, salvo disposição em contrário, até as 23h59 (vinte e três horas e cinquenta e nove minutos) do último dia do prazo, no horário de Brasília.

 

Acesso à integra do processo

O acesso à íntegra do processo para vista pessoal do interessado poderá ocorrer por intermédio da disponibilização de sistema informatizado de gestão ou por acesso à cópia do documento, preferencialmente em meio eletrônico.

 

Documentos nato-digitais são considerados originais

Os documentos nato-digitais assinados eletronicamente são considerados originais para todos os efeitos legais.

 

II.2 Governo Digital

Amplo acesso

A prestação digital dos serviços públicos deverá ocorrer por meio de tecnologias de amplo acesso pela população, inclusive pela de baixa renda ou residente em áreas rurais e isoladas, sem prejuízo do direito do cidadão a atendimento presencial.

O acesso à prestação digital dos serviços públicos será realizado, preferencialmente, por meio do autosserviço.

 

Componentes do Governo Digital

São componentes essenciais para a prestação digital dos serviços públicos na administração pública:

I - a Base Nacional de Serviços Públicos (reunirá informações necessárias sobre a oferta de serviços públicos em cada ente federado);

II - as Cartas de Serviços ao Usuário (Lei nº 13.460/2017);

III - as Plataformas de Governo Digital (instrumentos necessários para a oferta e a prestação digital dos serviços públicos de cada ente federativo).

 

 

III - NÚMERO SUFICIENTE PARA IDENTIFICAÇÃO

CPF (para pessoas físicas) e CNPJ (para pessoas jurídicas) passam a ser os únicos números de identificação necessários

O número do CPF ou o número do CNPJ é suficiente para a identificação do cidadão ou da pessoa jurídica, conforme o caso, nos bancos de dados de serviços públicos, garantida a gratuidade da inscrição e das alterações nesses cadastros.

 

Número do CPF passa a constar nos demais documentos

O número de inscrição no CPF deverá constar dos cadastros e dos documentos de órgãos públicos, do registro civil de pessoas naturais, dos documentos de identificação de conselhos profissionais e, especialmente, dos seguintes cadastros e documentos:

I - certidão de nascimento;

II - certidão de casamento;

III - certidão de óbito;

IV - Documento Nacional de Identificação (DNI);

V - Número de Identificação do Trabalhador (NIT);

VI - registro no PIS ou no Pasep;

VII - Cartão Nacional de Saúde;

VIII - título de eleitor;

IX - Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS);

X - Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou Permissão para Dirigir;

XI - certificado militar;

XII - carteira profissional expedida pelos conselhos de fiscalização de profissão regulamentada;

XIII - passaporte;

XIV - carteiras de identidade; e

XV - outros certificados de registro e números de inscrição existentes em bases de dados públicas federais, estaduais, distritais e municipais.

 

IV – GOVERNO COMO PLATAFORMA

IV.1 Abertura dos Dados

Os dados disponibilizados pelos prestadores de serviços públicos, bem como qualquer informação de transparência ativa, são de livre utilização pela sociedade, observados os princípios dispostos no art. 6º da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018).

 

Sem prejuízo da legislação em vigor, os órgãos e as entidades deverão divulgar na internet:

I - o orçamento anual de despesas e receitas públicas do Poder ou órgão independente;

II - a execução das despesas e receitas públicas;

III - os repasses de recursos federais aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal;

IV - os convênios e as operações de descentralização de recursos orçamentários em favor de pessoas naturais e de organizações não governamentais de qualquer natureza;

V - as licitações e as contratações realizadas pelo Poder ou órgão independente;

VI - as notas fiscais eletrônicas relativas às compras públicas;

VII - as informações sobre os servidores e os empregados públicos federais, bem como sobre os militares da União, incluídos nome e detalhamento dos vínculos profissionais e de remuneração;

VIII - as viagens a serviço custeadas pelo Poder ou órgão independente;

IX - as sanções administrativas aplicadas a pessoas, a empresas, a organizações não governamentais e a servidores públicos;

X - os currículos dos ocupantes de cargos de chefia e direção;

XI - o inventário de bases de dados produzidos ou geridos no âmbito do órgão ou instituição, bem como catálogo de dados abertos disponíveis;

XII - as concessões de recursos financeiros ou as renúncias de receitas para pessoas físicas ou jurídicas, com vistas ao desenvolvimento político, econômico, social e cultural, incluída a divulgação dos valores recebidos, da contrapartida e dos objetivos a serem alcançados por meio da utilização desses recursos e, no caso das renúncias individualizadas, dos dados dos beneficiários.

 

Aplica-se subsidiariamente, no que couber, as disposições da Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal).

 

IV.2 Interoperabilidade de Dados entre Órgãos Públicos

Os órgãos e as entidades responsáveis pela prestação digital de serviços públicos detentores ou gestores de bases de dados, inclusive os controladores de dados pessoais, deverão gerir suas ferramentas digitais, considerando:

I - a interoperabilidade de informações e de dados sob gestão dos órgãos e das entidades da Administração Pública, respeitados as restrições legais, os requisitos de segurança da informação e das comunicações, as limitações tecnológicas e a relação custo-benefício da interoperabilidade;

II - a otimização dos custos de acesso a dados e o reaproveitamento, sempre que possível, de recursos de infraestrutura de acesso a dados por múltiplos órgãos e entidades;

III - a proteção de dados pessoais, observada a legislação vigente, especialmente a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018).

 

Mecanismo de interoperabilidade

Será instituído mecanismo de interoperabilidade com a finalidade de:

I - aprimorar a gestão de políticas públicas;

II - aumentar a confiabilidade dos cadastros de cidadãos existentes na administração pública, por meio de mecanismos de manutenção da integridade e da segurança da informação no tratamento das bases de dados, tornando-as devidamente qualificadas e consistentes;

III - viabilizar a criação de meios unificados de identificação do cidadão para a prestação de serviços públicos;

IV - facilitar a interoperabilidade de dados entre os órgãos de governo;

V - realizar o tratamento de informações das bases de dados a partir do número de inscrição do cidadão no CPF, conforme previsto no art. 11 da Lei nº 13.444/2017.

 

Publicidade

Os órgãos e entidades serão responsáveis pela publicidade de seus registros de referência e pelos mecanismos de interoperabilidade.

As pessoas físicas e jurídicas poderão verificar a exatidão, a correção e a completude de qualquer um dos seus dados contidos nos registros de referência, bem como monitorar o acesso a esses dados.

Nova base de dados somente poderá ser criada quando forem esgotadas as possibilidades de utilização dos registros de referência existentes.

 

V – DOMICÍLIO ELETRÔNICO

Comunicações por meio eletrônico

Os órgãos e as entidades da Administração Pública, mediante opção do usuário, poderão realizar todas as comunicações, as notificações e as intimações por meio eletrônico.

Essa opção do administrado não gera, para si, um direito subjetivo podendo essa forma de comunicação não ser implementada caso os meios não estejam disponíveis.

O administrado poderá, a qualquer momento e independentemente de fundamentação, optar pelo fim das comunicações, das notificações e das intimações por meio eletrônico.

O ente público poderá realizar as comunicações, as notificações e as intimações por meio de ferramenta mantida por outro ente público.

 

Requisitos das ferramentas de comunicação por meio eletrônico

As ferramentas usadas para os atos de comunicação, notificação e intimação eletrônicos:

I - disporão de meios que permitam comprovar a autoria das comunicações, das notificações e das intimações;

II - terão meios de comprovação de emissão e de recebimento, ainda que não de leitura, das comunicações, das notificações e das intimações;

III - poderão ser utilizadas mesmo que legislação especial preveja apenas as comunicações, as notificações e as intimações pessoais ou por via postal;

IV - serão passíveis de auditoria;

V - conservarão os dados de envio e de recebimento por, pelo menos, 5 (cinco) anos.

 

VI – LABORATÓRIOS DE INOVAÇÃO

Laboratórios de inovação

Os entes públicos poderão instituir laboratórios de inovação, abertos à participação e à colaboração da sociedade para o desenvolvimento e a experimentação de conceitos, de ferramentas e de métodos inovadores para a gestão pública, a prestação de serviços públicos, o tratamento de dados produzidos pelo poder público e a participação do cidadão no controle da administração pública.

 

Diretrizes

Os laboratórios de inovação terão como diretrizes:

I - colaboração interinstitucional e com a sociedade;

II - promoção e experimentação de tecnologias abertas e livres;

III - uso de práticas de desenvolvimento e prototipação de softwares e de métodos ágeis para formulação e implementação de políticas públicas;

IV - foco na sociedade e no cidadão;

V - fomento à participação social e à transparência pública;

VI - incentivo à inovação;

VII - apoio ao empreendedorismo inovador e fomento a ecossistema de inovação tecnológica direcionado ao setor público;

VIII - apoio a políticas públicas orientadas por dados e com base em evidências, a fim de subsidiar a tomada de decisão e de melhorar a gestão pública;

IX - estímulo à participação de servidores, de estagiários e de colaboradores em suas atividades;

X - difusão de conhecimento no âmbito da administração pública.

 

VII – GOVERNANÇA, GESTÃO DE RISCOS, CONTROLE E AUDITORIA

Caberá à autoridade competente dos órgãos e das entidades da Administração Pública, observados as normas e os procedimentos específicos aplicáveis, implementar e manter mecanismos, instâncias e práticas de governança, em consonância com os princípios e as diretrizes estabelecidos nesta Lei.

Os mecanismos, as instâncias e as práticas de governança incluirão, no mínimo:

I - formas de acompanhamento de resultados;

II - soluções para a melhoria do desempenho das organizações;

III - instrumentos de promoção do processo decisório fundamentado em evidências.

 

Os órgãos e as entidades da Administração Pública deverão estabelecer, manter, monitorar e aprimorar sistema de gestão de riscos e de controle interno com vistas à identificação, à avaliação, ao tratamento, ao monitoramento e à análise crítica de riscos da prestação digital de serviços públicos que possam impactar a consecução dos objetivos da organização no cumprimento de sua missão institucional e na proteção dos usuários, observados os seguintes princípios:

I - integração da gestão de riscos ao processo de planejamento estratégico e aos seus desdobramentos, às atividades, aos processos de trabalho e aos projetos em todos os níveis da organização, relevantes para a execução da estratégia e o alcance dos objetivos institucionais;

II - estabelecimento de controles internos proporcionais aos riscos, de modo a considerar suas causas, fontes, consequências e impactos, observada a relação custo-benefício;

III - utilização dos resultados da gestão de riscos para apoio à melhoria contínua do desempenho e dos processos de governança, de gestão de riscos e de controle;

IV - proteção às liberdades civis e aos direitos fundamentais.

 

VIII – VIGÊNCIA

A Lei nº 14.129/2021 entra em vigor após decorridos:

I - 90 (noventa) dias de sua publicação oficial, para a União;

II - 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial, para os Estados e o Distrito Federal;

III - 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial, para os Municípios.

A Lei nº 14.129/2021 foi publicada em 30/3/2021.

 

 

 

sábado, 27 de março de 2021

Lei 14.128/2021: compensação financeira paga aos profissionais e trabalhadores da saúde na Covid-19

  

Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada ontem (26/03), a Lei nº 14.128/2021, que dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que ficaram permanentemente incapacitados para o trabalho em razão da Covid-19.

 

Veto

Vale ressaltar que esse projeto aprovado havia sido vetado pelo Presidente da República em 04/08/2020, apresentando as seguintes razões:

“Apesar do mérito da propositura e a boa intenção do legislador em determinar o pagamento de indenização pela União para familiares de profissionais de saúde que atuam diretamente no combate à pandemia e venham a falecer, bem como para aqueles que ficaram incapacitados permanentemente para o trabalho, a proposta, ao impor o apoio financeiro na forma do projeto, contém os seguintes óbices jurídicos.

A proposta viola o art. 8º da recente Lei Complementar nº 173, de 2020, por se estar prevendo benefício indenizatório para agentes públicos e criando despesa continuada em período de calamidade no qual tais medidas estão vedadas.

O segundo óbice está na falta de apresentação de estimativa do impacto orçamentário e financeiro, em violação às regras do art. 113 do ADCT.

Ademais da violação ao art. 113 do ADCT, tendo em vista que o período do benefício supera o prazo de 31.12.2020 (Art. 1º do Decreto Legislativo nº 6 de 2020), revela-se incompatível com os arts. 15, 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja violação pode acarretar responsabilidade para o Presidente da República.

O terceiro problema é a inconstitucionalidade formal, por se criar benefício destinado a outros agentes públicos federais e a agentes públicos de outros entes federados por norma de iniciativa de parlamentar federal, a teor do art. 1º e art. 61 § 1º da Constituição.

Por fim, ao dispor que durante o período de emergência decorrente da Covid-19, a imposição de isolamento dispensará o empregado da comprovação de doença por 7 (sete) dias, veicula matéria análoga ao do PL nº 702/2020, o qual foi objeto de veto presidencial, por gerar insegurança jurídica ao apresentar disposição dotada de imprecisão técnica, e em descompasso com o conceito veiculado na Portaria nº 356, de 2020, do Ministério da Saúde, e na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que tratam situação análoga como isolamento.”

 

Veto derrubado

O Congresso Nacional, no entanto, em sessão realizada no dia 17/03/2021, decidiu derrubar o veto, razão pela qual o projeto foi promulgado e publicado no dia 26/03/2021.

 

O que prevê a Lei nº 14.128/2021?

A Lei nº 14.128/2021 determina que a União pague...

- uma compensação financeira

- aos profissionais e trabalhadores de saúde que

- tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho,

- durante o período de emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus,

- por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes de Covid-19,

- ou por terem realizado visitas domiciliares (no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias).

 

Caso o indivíduo tenha falecido, a compensação financeira será paga ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários.

 

COMPENSAÇÃO FINANCEIRA DA LEI 14.128/2021

A União deve pagar uma compensação financeira...

I - ao profissional ou trabalhador de saúde que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da Covid-19;

II - ao agente comunitário de saúde e de combate a endemias que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da Covid-19, por ter realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições durante o Espin-Covid-19;

III - ao cônjuge/companheiro, aos dependentes e aos herdeiros necessários, caso o profissional de saúde ou os agentes mencionados tenham falecido nas situações descritas nos incisos I e II acima.

 

Quem é considerado profissional ou trabalhador da saúde?

a) aqueles cujas profissões, de nível superior, são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde, além de fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais e profissionais que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas;

b) aqueles cujas profissões, de nível técnico ou auxiliar, são vinculadas às áreas de saúde, incluindo os profissionais que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas;

c) os agentes comunitários de saúde e de combate a endemias;

d) aqueles que, mesmo não exercendo atividades-fim nas áreas de saúde, auxiliam ou prestam serviço de apoio presencialmente nos estabelecimentos de saúde para a consecução daquelas atividades, no desempenho de atribuições em serviços administrativos, de copa, de lavanderia, de limpeza, de segurança e de condução de ambulâncias, entre outros, além dos trabalhadores dos necrotérios e dos coveiros; e

e) aqueles cujas profissões, de nível superior, médio e fundamental, são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social, que atuam no Sistema Único de Assistência Social;

 

Quem são os dependentes?

São aqueles assim definidos pelo art. 16 da Lei nº 8.213/91.

A Lei divide os dependentes em três classes:

1ª CLASSE

a)      Cônjuge

b)     Companheiro (hétero ou homoafetivo)

c)      Filho menor de 21 anos, desde que não tenha sido emancipado;

d)     Filho inválido (não importa a idade);

e)     Filho com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade).

Para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 1ª classe NÃO precisam provar que eram dependentes economicamente do segurado (a dependência econômica é presumida pela lei).

2ª CLASSE

Pais do segurado.

Para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 2ª e 3ª classes PRECISAM provar que eram dependentes economicamente do segurado.

3ª CLASSE

a) Irmão menor de 21 anos, desde que não tenha sido emancipado;

b) Irmão inválido (não importa a idade);

c) Irmão com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade).

 

A Lei fala em Espin-Covid-19. O que é isso?

Espin-Covid-19 é o estado de emergência de saúde pública de importância nacional em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).

Esse estado de emergência foi iniciado juridicamente no Brasil com a Portaria nº 188/2020, do Ministério da Saúde:

Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020

Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV).

 

O estado de emergência só se encerrará com a publicação de novo ato do Ministro de Estado da Saúde, na forma dos §§ 2º e 3º do caput do art. 1º da Lei nº 13.979/2020:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

(...)

§ 2º Ato do Ministro de Estado da Saúde disporá sobre a duração da situação de emergência de saúde pública de que trata esta Lei.

§ 3º O prazo de que trata o § 2º deste artigo não poderá ser superior ao declarado pela Organização Mundial de Saúde.

 

Comprovação de que a incapacidade permanente foi causada pela Covid-19

Presume-se a Covid-19 como causa da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, mesmo que não tenha sido a causa única, principal ou imediata, desde que mantido o nexo temporal entre a data de início da doença e a ocorrência da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, se houver:

I - diagnóstico de Covid-19 comprovado mediante laudos de exames laboratoriais; ou

II - laudo médico que ateste quadro clínico compatível com a Covid-19.

 

Perícia médica

A concessão da compensação financeira nas hipóteses de incapacidade permanente para o trabalho estará sujeita à avaliação de perícia médica realizada por servidores integrantes da carreira de Perito Médico Federal.

 

Se o profissional ou trabalhador da saúde que ficou incapacitado ou que faleceu tinha comorbidades (exs: cardiopatia, obesidade, diabetes etc.) antes da contaminação pela Covid-19, ele ficará sem receber a compensação financeira?

NÃO. A presença de comorbidades não afasta o direito ao recebimento da compensação financeira.

 

Se o trabalhador ou profissional da saúde ficou incapacitado ou morreu de Covid-19 antes da Lei nº 14.128/2021, mesmo assim haverá pagamento da compensação financeira?

SIM. A compensação financeira será devida inclusive nas hipóteses de óbito ou incapacidade permanente para o trabalho anterior à data de publicação da Lei, desde que a infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) tenha ocorrido durante o Espin-Covid-19.

 

Se o trabalhador ou profissional da saúde ficou incapacitado ou morreu de Covid-19 depois do fim da Espin-Covid-19, mesmo assim haverá pagamento da compensação financeira?

SIM. A compensação financeira será devida inclusive nas hipóteses de óbito ou incapacidade permanente para o trabalho superveniente à declaração do fim do Espin-Covid-19, desde que a infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) tenha ocorrido durante o Espin-Covid-19.

 

Compensação financeira

A compensação financeira prevista na Lei nº 14.128/2021 será composta por duas verbas:

 

I – 1 (uma) única prestação em valor fixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Esse valor é pago ao profissional ou trabalhador de saúde incapacitado permanentemente.

Se ele tiver morrido, o valor será pago ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários. Nesse caso, será feito um rateio entre os beneficiários, em partes iguais, ao cônjuge ou companheiro e a cada um dos dependentes e herdeiros necessários.

 

II – 1 (uma) única prestação de valor variável paga a cada um dos dependentes do profissional ou trabalhador de saúde falecido.

Vale ressaltar, no entanto, que somente terão direito a essa prestação:

· os dependentes menores de 21 anos;

· os dependentes menores de 24 anos, se estiverem cursando curso superior;

· os dependentes com deficiência, independentemente da idade.

 

Qual é o valor dessa prestação do inciso II?

O valor será calculado mediante a multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número de anos inteiros e incompletos que faltarem, para cada um deles, na data do óbito do profissional ou trabalhador de saúde, para atingir a idade de 21 anos completos, ou 24 anos se cursando curso superior.

Ex: João era profissional da saúde e faleceu em decorrência da Covid-19. Ele deixou um filho (Lucas) de 11 anos. Lucas receberá prestação no valor de R$ 100.000,00 (10 mil x 10 anos que faltam para ele completar 21).

Ex2: Pedro era profissional da saúde e faleceu em decorrência da Covid-19. Ele deixou uma filha (Sofia) de 20 anos, que está na faculdade. Sofia receberá prestação no valor de R$ 40.000,00 (10 mil x 4 anos que faltam para ela completar 24).

 

E se for dependente com deficiência?

O 1º do art. 3º da Lei traz a seguinte regra:

Art. 3º (...)

§ 1º A prestação variável de que trata o inciso II do caput deste artigo será devida aos dependentes com deficiência do profissional ou trabalhador de saúde falecido, independentemente da idade, no valor resultante da multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número mínimo de 5 (cinco) anos.

 

Vejamos os seguintes exemplos que ilustram três situações possíveis:

· Ex1: dependente com deficiência tinha 11 anos no momento da morte do profissional de saúde. Ele receberá prestação no valor de R$ 100.000,00 (10 mil x 10 anos que faltam para ele completar 21).

· Ex2: dependente com deficiência tinha 18 anos no momento da morte do profissional de saúde e não cursava curso superior. Ele receberá prestação no valor de R$ 50.000,00. Se fosse aplicar a regra geral (regra dos dependentes sem deficiência), ele receberia R$ 30.000,00 (10 mil x 3 anos que faltam para ele completar 21). Ocorre que o § 1º do art. 3º, acima transcrito, trouxe uma regra mais favorável ao dizer que o dependente com deficiência deverá receber, no mínimo, as parcelas referentes a 5 anos. Logo, ele receberá R$ 50.000,00 (10 mil x 5 anos).

· Ex3: dependente com deficiência tinha 30 anos no momento da morte do profissional de saúde. Ele receberá prestação no valor de R$ 50.000,00 (10 mil x 5 anos).

 

Governo pode parcelar em até três vezes o pagamento da compensação financeira

Art. 3º (...) § 3º A integralidade da compensação financeira, considerada a soma das parcelas devidas, quando for o caso, será dividida, para o fim de pagamento, em 3 (três) parcelas mensais e sucessivas de igual valor.

 

Despesas de funeral também deverão ser pagas pela União

No caso de óbito do profissional ou trabalhador de saúde, será agregado o valor relativo às despesas de funeral à compensação financeira.

 

Regulamento ainda irá definir o órgão competente para a análise e deferimento dos pedidos

A compensação financeira será concedida após a análise e o deferimento de requerimento com esse objetivo dirigido ao órgão competente, na forma a ser definida em regulamento.

 

Não incide imposto de renda

A compensação financeira de que trata a Lei nº 14.128/2021 possui natureza indenizatória e não poderá constituir base de cálculo para a incidência de imposto de renda ou de contribuição previdenciária.

 

Benefícios previdenciários ou assistenciais continuam sendo devidos

O recebimento da compensação financeira não prejudica o direito ao recebimento de benefícios previdenciários ou assistenciais previstos em lei.

 

OUTRO ASSUNTO TRATADO PELA LEI 14.128/2021

Além da compensação financeira, a Lei nº 14.128/2021 trata de outro assunto, qual seja, a comprovação do empregado em geral que está doente e que não poderá comparecer ao trabalho.

A Lei nº 605/49 trata sobre o repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos.

O art. 6º, 1º, “f” da Lei nº 605/49 afirma que o trabalhador em geral (não estou mais tratando apenas sobre trabalhadores da área da saúde) que estiver comprovadamente doente e, por essa razão, faltar ao trabalho, não sofrerá qualquer desconto em sua remuneração:

Art. 6º Não será devida a remuneração quando, sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho.

§ 1º São motivos justificados:

(...)

f) a doença do empregado, devidamente comprovada.

 

Vale ressaltar que, em regra, essa doença deverá ser devidamente comprovada para haver esse abono da falta. Segundo a jurisprudência do TSE, essa comprovação é feita pelo serviço médico próprio da empresa ou àquele que for mantido mediante convênio. SE a empresa não possui médico próprio, é possível que o trabalhador apresente atestado emitido por outro médico de sua escolha.

Ocorre que, neste período de pandemia, não tem sido fácil obter essa comprovação.

Pensando nisso, a Lei nº 14.128/2021 acrescentou dois parágrafos ao art. 6º prevendo que, nesse período, o trabalhador que estiver doente não precisará comprovar a doença se o seu afastamento for de até 7 dias:

Art. 6º (...)

§ 4º Durante período de emergência em saúde pública decorrente da Covid-19, a imposição de isolamento dispensará o empregado da comprovação de doença por 7 (sete) dias.

 

A partir do 8º dia, se o trabalhador ainda não estiver apto a retornar ao trabalho, ele poderá apresentar documento de unidade de saúde do SUS ou documento eletrônico regulamentado pelo Ministério da Saúde:

Art. 6º (...)

§ 5º No caso de imposição de isolamento em razão da Covid-19, o trabalhador poderá apresentar como justificativa válida, no oitavo dia de afastamento, além do disposto neste artigo, documento de unidade de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) ou documento eletrônico regulamentado pelo Ministério da Saúde.

 

Vigência

A Lei nº 14.128/2021 entrou em vigor na data de sua publicação (26/03/2021).

 

Márcio André Lopes Cavalcante

Direitos humanos e fraternidade

O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) lançou na quinta-feira (25/03) o livro Direitos Humanos e Fraternidade: estudos em homenagem ao Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

A obra, editada pela Escola Superior da Magistratura do Maranhão (ESMAM) e pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), conta com 66 artigos de 97 autores, que analisam, cientificamente, a temática dos direitos humanos e a trajetória do Ministro Reynaldo.

Entre os colaboradores estão Ministros do TSE, do STJ e do STF, além de conselheiros do CNJ, Desembargadores, Juízes, membros do Ministério Público, professores e outros profissionais da área jurídica.

O material foi organizado pelo Desembargador Froz Sobrinho, pelo Juiz Federal Roberto Carvalho Veloso (coordenador do mestrado em direito da UFMA) e pelos Professores Marcelo de Carvalho Lima, Márcio Aleandro Correia Teixeira e Ariston Chagas Apoliano Júnior.

A obra pode ser baixada gratuitamente nos links abaixo:

Volume 1

Volume 2






Servidor público recebe valores pagos pela Administração Pública; posteriormente, constata-se que esse pagamento foi indevido; o servidor será obrigado a devolver as quantias recebidas?

 

SERVIDOR QUE RECEBE INDEVIDAMENTE VALORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DA LEI (TEMA 531): “ERRO DE DIREITO”

Servidor público recebe valores por força de decisão administrativa; posteriormente, essa decisão é revogada porque ela foi baseada em uma interpretação equivocada da lei; o servidor será obrigado a devolver as quantias recebidas?

NÃO.

É incabível a restituição ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.

Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto, ante a boa-fé do servidor público.

Em virtude do princípio da legítima confiança, o servidor público, em regra, tem a justa expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública, porque jungida à legalidade estrita.

Assim, diante da ausência da comprovação da má-fé no recebimento dos valores pagos indevidamente por erro de direito da Administração, não se pode efetuar qualquer desconto na remuneração do servidor público, a título de reposição ao erário.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.244.182-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 10/10/2012 (Recurso Repetitivo – Tema 531).

 

Exemplo:

É aprovada uma lei criando gratificação para os servidores de determinado órgão público.

A Administração Pública passa a pagar a gratificação a todos os servidores daquele órgão.

Ocorre que, posteriormente, constata-se que a interpretação foi equivocada e que a gratificação só é devida aos servidores que estejam nas atividades de efetiva fiscalização (“atividades em campo”), não sendo aplicada aos servidores que estejam desempenhando funções meramente administrativas.

Diante disso, o poder público deverá suspender os novos pagamentos, mas não poderá cobrar dos servidores a devolução dos valores já pagos, considerando que o pagamento foi feito em razão de errônea interpretação da lei por parte da Administração Pública (erro de direito), não havendo má-fé dos servidores que receberam.

 

Posição da AGU e do TCU

O Tema 531/STJ está em conformidade com a Súmula 34 da Advocacia Geral da União – AGU:

Súmula 34-AGU: Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.

 

Vale a pena conhecer também o entendimento do TCU, que é parecido com o do STJ, apesar de um pouco mais rigoroso ao exigir que o erro seja escusável:

Súmula 249 do TCU: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

 

SERVIDOR QUE RECEBE INDEVIDAMENTE VALORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM RAZÃO DE ERRO ADMINISTRATIVO (TEMA 1009): “ERRO DE FATO”

Servidor público recebe valores da Administração Pública; posteriormente, constata-se que o pagamento foi indevido e que ocorreu em razão de um erro operacional da Administração; em regra, o servidor será obrigado a devolver as quantias recebidas?

O pagamento indevido feito ao servidor público e que decorreu de erro administrativo está sujeito à devolução, salvo se o servidor, no caso concreto, comprovar a sua boa-fé objetiva.

Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.769.306/AL, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 10/03/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1009) (Info 688).

 

Possibilidade encontra-se prevista na lei

A possibilidade de exigir do servidor a devolução das quantias pagas encontra-se prevista no art. 46, caput, da Lei nº 8.112/90:

Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.

 

Trata-se de disposição legal expressa, plenamente válida, embora com interpretação dada pela jurisprudência com alguns temperamentos, especialmente em observância aos princípios gerais do direito, como boa-fé.

 

Diferença em relação à interpretação errônea

Diferentemente dos casos de errônea ou má aplicação de lei, em que o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o beneficiário recebeu o valor de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido indevidamente, na hipótese de erro material ou operacional deve-se analisar caso a caso, de modo a averiguar se o servidor tinha condições de compreender a ilicitude no recebimento dos valores, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Pública.

Impossibilitar a devolução dos valores recebidos indevidamente por erro perceptível da Administração Pública, sem a análise do caso concreto da boa-fé objetiva, permitiria o enriquecimento sem causa por parte do servidor, em flagrante violação do art. 884 do Código Civil:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

 

Por tudo isso, não há que se confundir erro na interpretação de lei com erro operacional, de modo que àquele não se estende o entendimento fixado no Recurso Especial Repetitivo nº 1.244.182/PB (Tema 531), sem a observância da boa-fé objetiva do servidor público, o que possibilita a restituição ao Erário dos valores pagos indevidamente decorrentes de erro de cálculo ou operacional da Administração Pública.

 

· Interpretação errônea da lei (Tema 531): o elemento objetivo, ou seja, as circunstâncias fáticas já permitem concluir que o servidor público agiu de boa-fé. Existe, portanto, uma presunção de que o servidor estava de boa-fé. Se até a Administração Pública equivocou-se na intepretação da lei, não é razoável que esse erro de direito fosse questionado pelo servidor.

· Erro administrativo (Tema 1009): em princípio, a devolução é devida. Mas, o servidor pode demonstrar, no caso concreto, que não tinha condições de perceber a ilicitude no recebimento dos valores.

 

Exemplo 1:

João é servidor público e ocupava função de confiança pela qual recebia uma gratificação de R$ 5 mil.

O servidor deixou a função e, portanto, a gratificação não mais tem sido paga a ele há alguns meses.

Ocorre que houve uma falha no sistema que gera a folha de pagamentos e, em razão disso, a ordem de pagamento da gratificação foi reinserida.

Assim, João recebeu R$ 5 mil a mais no mês. Ao examinar o seu contracheque, verificou que ali constava novamente a gratificação pelo exercício da função que já havia deixado.

Neste caso, houve um pagamento indevido decorrente de erro administrativo (da espécie erro operacional). Ressalte-se que não se trata de interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração. Foi uma falha operacional.

O servidor público terá que devolver os valores recebidos porque, no caso concreto, era plenamente possível que ele tivesse constatado o pagamento indevido.

 

Exemplo 2:

Pedro é servidor público há muitos anos.

Ficou reconhecido que Pedro deveria ter recebido valores da Administração Pública e que não foram pagos no período certo. Diante disso, foi realizado um acordo e Pedro recebe todos os meses parcelas desse acordo até que a dívida esteja totalmente satisfeita.

Ocorre que o valor recebido mensalmente varia, considerando que é pago com base em cálculos que levam em consideração a correção monetária e juros aplicáveis.

Assim, todos os meses, o departamento de pessoal calcula os juros e efetua o pagamento dessas verbas atrasadas.

Constatou-se, contudo, que, durante 1 ano, o departamento de pessoal pagou, mensalmente, R$ 150,00 a mais ao servidor porque os juros foram calculados incorretamente. Houve, portanto, um erro administrativo (da espécie erro de cálculo).

Neste caso, o servidor público poderá facilmente demonstrar a sua boa-fé objetiva a fim de não ter que devolver os valores recebidos. Isso porque ele não tinha como constatar que os cálculos – que são complexos e não aparecem no contracheque – estavam sendo feitos de forma equivocada.

 

Posição do STF

Vale ressaltar que o STF não distingue muito bem as duas situações na sua jurisprudência. Veja alguns julgados da Corte sobre o tema:

 

Servidor que recebe indevidamente valores da administração pública em razão de interpretação errônea da lei (julgados do STF)

As quantias percebidas pelos servidores em razão de decisão administrativa dispensam a restituição quando:

a) auferidas de boa-fé;

b) há ocorrência de errônea interpretação da Lei pela Administração;

c) ínsito o caráter alimentício das parcelas percebidas, e

d) constatar-se o pagamento por iniciativa da Administração Pública, sem ingerência dos servidores beneficiados.

STF. 1ª Turma. MS 31244 AgR-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22/05/2020.

 

O STF firmou entendimento no sentido de que, atendidos os pressupostos estabelecidos pelo TCU e pela jurisprudência da Corte – boa-fé do servidor; ausência de influência, pelo servidor, na concessão da vantagem; existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida; interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração – descabe a restituição de valores percebidos indevidamente.

STF. 2ª Turma. MS 34243 AgR, Rel. Edson Fachin, julgado em 07/03/2017.

 

Servidor que recebe indevidamente valores da administração pública em razão de erro operacional (julgado do STF)

(...) 3. Servidor Público Estadual. Verba recebida a maior. Pagamento espontâneo do Ente Público decorrente de erro operacional. Servidor de boa-fé. Impossibilidade de restituição. Precedentes. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. (...)

STF. 2ª Turma. ARE 1203420 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 16/08/2019.

 

 

HERDEIRO DE SERVIDOR QUE RECEBE VALORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DE ERRO OPERACIONAL

Imagine a seguinte situação hipotética:

Maria era servidora pública aposentada e recebia todos os meses seus proventos na conta bancária.

Determinado dia, Maria faleceu e seus dois filhos informaram ao departamento de pessoal do Estado a morte da mãe.

Com o falecimento da servidora, o correto seria que cessasse o pagamento dos proventos, já que os filhos não tinham direito à pensão por morte, considerando que eram maiores e capazes.

Ocorre que, por uma falha no programa de computador do órgão público, os proventos continuaram a ser depositados na conta bancária da falecida, o que perdurou por três meses.

Os filhos de Maria tinham o cartão e a senha da conta bancária e, à medida que os valores iam sendo depositados, eles sacavam as quantias.

A Administração, enfim, percebeu o erro, cessou os novos pagamentos e cobrou dos filhos a restituição dos três meses pagos.

 

O pleito da Administração Pública deverá ser atendido? Os herdeiros da servidora deverão devolver o dinheiro?

SIM.

Os herdeiros devem restituir os proventos que, por erro operacional da Administração Pública, continuaram sendo depositados em conta de servidor público após o seu falecimento.

STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1.387.971-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/3/2016 (Info 579).

 

Vale ressaltar que, neste caso, nem se analisa se o herdeiro estava ou não de boa-fé. A boa-fé aqui não importa. Isso porque:

1) Os valores pagos já não mais possuem caráter alimentar

Os salários ou proventos do servidor possuem natureza alimentar somente em relação ao próprio servidor. Se ele já morreu, tais valores são considerados como herança e herança não é remuneração nem aposentadoria. Logo, não é uma verba alimentícia.

Pelo princípio da saisine, com a morte, houve a transferência imediata da titularidade da conta bancária da falecida aos seus herdeiros e os valores que foram nela depositados (por erro) não tinham mais qualquer destinação alimentar. Logo, por não se estar diante de verbas de natureza alimentar, não é nem mesmo necessário analisar se os herdeiros estavam ou não de boa-fé ao sacar o dinheiro.

 

2) O herdeiro não possui nenhum direito sobre as verbas

O herdeiro é obrigado a devolver porque ele não tem qualquer razão jurídica para ficar com aquele dinheiro em prejuízo da Administração Pública.

Não havia nenhuma relação jurídica entre o herdeiro e o Estado.

O fundamento aqui, para que ocorra a devolução, está baseado no princípio da proibição do enriquecimento sem causa, previsto no art. 884 do CC:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.