sexta-feira, 30 de abril de 2021

INFORMATIVO Comentado 1012 STF

          

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

 

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1012 DO STF

 

Direito Constitucional

LIBERDADE RELIGIOSA

§  É inconstitucional lei estadual que obriga que as escolas e bibliotecas públicas tenham um exemplar da Bíblia.

 

DIREITO À SAÚDE / LIBERDADE DE CULTO

§  Estados e Municípios podem restringir temporariamente atividades religiosas coletivas presenciais a fim de evitar a proliferação da Covid-19.

 

DIREITO À SAÚDE

§  STF determinou à União o restabelecimento dos leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 que estavam custeados pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021.

 

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  É constitucional lei estadual que proibiu o corte de energia elétrica durante a pandemia da Covid-19.

§  É inconstitucional lei estadual que autoriza o Poder Executivo a cobrar um valor das concessionárias de energia elétrica pela utilização das faixas de domínio e das áreas adjacentes às rodovias estaduais e federais delegadas.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

AUTOTUTELA

§  Em regra, o prazo decadencial para que a Administração Pública anule atos administrativos inválidos é de 5 anos, aplicável a todos os entes federativos, por força do princípio da isonomia

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO

§  O procedimento de execução extrajudicial de imóvel objeto de dívida hipotecária, previsto no Decreto-lei 70/1966, é compatível com o vigente ordenamento constitucional.

 

PROCESSO COLETIVO

§  É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial de seu órgão prolator.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  Descumprimento do art. 212 do CPP e eventual nulidade processual.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

§  A imunidade tributária estabelecida no art. 150, VI, “c”, da CF/88 abrange o IOF incidente inclusive sobre operações financeiras praticadas pelas entidades mencionadas no dispositivo, desde que vinculadas às finalidades essenciais dessas instituições.

 

CONTRIBUIÇÕES

§  A CIDE destinada ao Incra foi recepcionada pela CF/88, mesmo após o advento da EC 33/2001.










INFORMATIVO Comentado 1012 STF - Versão Resumida

  

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Bons estudos.








quinta-feira, 29 de abril de 2021

O entendimento exposto na súmula 347 do STF ainda prevalece ou está superado?

  

Súmula 347-STF: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.

 

· Existe divergência se essa súmula está superada.

· Manifestaram-se expressamente pela superação da súmula: Ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.

· Manifestaram-se expressamente pela manutenção da súmula: Ministros Roberto Barroso e Edson Fachin.

· A Min. Rosa Weber afirmou que o Tribunal de Constas pode “pelo voto da maioria absoluta de seus membros, afaste a aplicação concreta de dispositivo legal reputado inconstitucional, quando em jogo matéria pacificada nesta Suprema Corte”.

 

Veja abaixo o um resumo dos argumentos dos Ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes apontando as razões pelas quais o entendimento estaria superado:

 

Não cabe ao Tribunal de Contas, que não tem função jurisdicional, exercer o controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos nos processos sob sua análise

O Tribunal de Contas é órgão técnico de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, que tem suas competências delimitadas pelo art. 71 da Constituição Federal.

Compete ao Tribunal de Contas exercer na plenitude todas as suas competências administrativas, sem obviamente poder usurpar o exercício da função de outros órgãos, inclusive a função jurisdicional de controle de constitucionalidade. Esse mesmo raciocínio se aplica para outros órgãos administrativos, como o Banco Central, o CADE, as Agências Reguladoras, o CNJ, o CNMP, o CARF. Todos eles também estão impedidos de realizar controle de constitucionalidade.

 

Permitir que o Tribunal de Contas faça controle de constitucionalidade acarretaria triplo desrespeito à Constituição

Ao declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de dispositivos de lei aos casos concretos submetidos à sua apreciação, o Tribunal de Contas, na prática, retira a eficácia da lei e acaba determinando aos órgãos da administração pública federal que deixem de aplicá-la aos demais casos idênticos, extrapolando os efeitos concretos e entre as partes de suas decisões. Isso faz com que ocorra um triplo desrespeito à Constituição Federal, tendo em vista que essa postura atenta contra:

· o Poder Legislativo (que edita as leis);

· o Poder Judiciário (que detém as competências jurisdicionais);

· o Supremo Tribunal Federal (que possui a missão de declarar constitucional ou inconstitucional as leis ou atos normativos, de forma geral e vinculante).

 

A declaração incidental de inconstitucionalidade somente é permitida de maneira excepcional aos juízes e tribunais para o pleno exercício de suas funções jurisdicionais, devendo o magistrado garantir a supremacia das normas constitucionais ao solucionar, de forma definitiva, o caso concreto posto em

juízo. Trata-se, portanto, de excepcionalidade concedida somente aos órgãos exercentes de função jurisdicional, aceita pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes na separação de poderes e não extensível a qualquer outro órgão administrativo.

 

Impossibilidade de transcendência dos efeitos do controle difuso

Vale ressaltar que a possibilidade de exercício do controle de constitucionalidade pelo TCU é mais grave do que somente a configuração de usurpação de função jurisdicional por órgão administrativo. Isso porque os efeitos dessa decisão da Corte de Contas poderiam ser estendidos para todos os procedimentos administrativos no âmbito da Administração Pública.

Explicando melhor: o controle difuso exercido administrativamente pelo Tribunal de Contas traria consigo a transcendência dos efeitos, pois, na maioria das vezes, ao declarar a inconstitucionalidade ou, eufemisticamente, afastar incidentalmente a aplicação de uma lei federal, o TCU não só estaria julgando o caso concreto, mas também acabaria determinando aos órgãos de administração que deixassem de aplicar essa mesma lei para todos os demais casos idênticos, extrapolando os efeitos concretos e interpartes e tornando-os erga omnes e vinculantes no âmbito daquele tribunal.

A decisão do TCU configuraria, portanto, além de exercício não permitido de função jurisdicional, clara hipótese de transcendência dos efeitos do controle difuso, com usurpação cumulativa das competências constitucionais exclusivas tanto do STF (controle abstrato de constitucionalidade – art. 102, I, “a”, da CF/88), quanto do Senado Federal (mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade – art. 52, X, da CF/88).

Assim, se o TCU decide que é inconstitucional a lei que concedeu determinada gratificação a servidor público federal, na prática, essa decisão tem efeitos erga omnes e vinculantes no âmbito da Administração Pública federal. Logo, na prática, o TCU estaria retirando essa lei do ordenamento jurídico.

Haveria, portanto, a transcendência dos efeitos do controle difuso, instituto que o STF não admite nem mesmo para as suas próprias decisões (Reclamação 4.335/AC). Assim, a transcendência dos efeitos do controle difuso não é admitida em nosso ordenamento jurídico constitucional nem mesmo em âmbito jurisdicional, quanto mais em âmbito administrativo.

 

Ofensa ao papel do STF de guardião da Constituição

Aceitar a possibilidade de exercício de controle difuso pelo Tribunal de Contas da União seria reconhecer substancial e inconstitucional acréscimo à sua competência de controle da atividade administrativa e financeira da administração pública federal, quando o próprio legislador constituinte de 1988 não o fez.

Ademais, isso representaria ofensa à missão constitucional conferida ao STF de “Guardião da Constituição”.

 

Um breve histórico sobre o enunciado

A súmula 343 foi aprovada em 13/12/1963, em contexto constitucional totalmente diferente do atual.

Até o advento da Emenda Constitucional 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos não jurisdicionais, da aplicação de lei considerada inconstitucional.

A introdução do controle abstrato, em 1965, representou uma alteração relevante no sistema de controle de constitucionalidade. A Constituição de 1988, por sua vez, introduziu mudança radical no nosso sistema de controle de constitucionalidade.

A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103), permitindo que praticamente todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao STF mediante processo de controle abstrato de normas.

Ao ampliar, de forma significativa, os legitimados para o controle abstrato de leis e atos normativos, o constituinte acabou por restringir a amplitude e relevância do controle difuso de constitucionalidade.

A ampla legitimação, a presteza e a celeridade para que foi pensado esse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado mediante pedido de cautelar, fazem com que as grandes questões constitucionais sejam solvidas, na sua maioria, mediante a utilização da ação direta, típico instrumento do controle concentrado.

Esse sensível incremento do controle abstrato de constitucionalidade, inclusive com efeito vinculante e eficácia contra todos, gera a conclusão de que se tornou desnecessário que o sistema de controle difuso de constitucionalidade extrapole a esfera do Judiciário. Não é mais necessário, como ocorria antes da EC 16/1965 e, principalmente, depois da CF/88, que os órgãos não jurisdicionais recusem a aplicação de lei considerada inconstitucional.

STF. Plenário. MS 35410, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/04/2021.

 

 

Palavras do Min. Roberto Barroso:

“1. Acompanho o relator para assentar a impossibilidade de exercício de controle de constitucionalidade com efeitos erga omnes e vinculantes pelo Tribunal de Contas da União – TCU. Reconheço também que – pela estrutura decisória do acórdão proferido no processo TC 021.009/2017-1 e pelas características daquele procedimento, que não tratava de nenhum caso concreto – o controle de constitucionalidade ali exercido pelo TCU teve efeitos transcendentes e equivaleu ao afastamento da eficácia dos arts. 7º, §§ 2º e 3º, e 17 da Lei nº 13.464/2017. Trata-se,

portanto, de provimento vedado pela Constituição.

2. Ressalvo, contudo, minha discordância em relação ao primeiro dos dois fundamentos expostos no voto do relator, como tenho feito nas demais ações em que se discute a possibilidade de controle incidental de constitucionalidade por órgãos administrativos. Toda autoridade administrativa de nível superior pode, a meu ver, incidentalmente declarar a inconstitucionalidade de lei, desde que limitada ao caso concreto. No presente caso, considerando que tal restrição de efeitos não foi observada, voto igualmente pelo afastamento.”

 

Palavras do Min. Edson Fachin:

“E, de fato, não parece desbordar de sua competência que a Corte de Contas verifique a compatibilidade dos atos administrativo submetidos à sua análise, com o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.

Aqui, entendo ser aplicável o mesmo entendimento já expresso por este Supremo Tribunal Federal no que concerne às competência do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, em especial no julgamento da PET 4.656/PB (Relatora Ministra Cármen Lúcia, Plenário, julgamento em 19.12.2016), em que se distinguiu a não aplicação da lei reputada inconstitucional e a declaração de sua inconstitucionalidade, reconhecendo a competência do órgão correicional para, uma vez concluída a apreciação da inconstitucionalidade de determinado diploma normativo, determinar a inaplicabilidade de ato administrativo regulamentador da lei inconstitucional.

(...)

Desta feita, esta Corte assentou na oportunidade a diferenciação entre declaração de inconstitucionalidade, com efeitos erga omnes, e possibilidade de não aplicação da norma no caso concreto, não excluindo a norma do ordenamento jurídico, reconhecendo a órgãos como CNJ, CNMP e TCU a competência para a última hipótese, no estrito exercício de seu mister.

(...)

Assim, inexistindo razão para a superação do entendimento esposado na Pet 4656, compreendo que a mesma ratio deve ser aplicada na hipótese presente, reconhecendo ao Tribunal de Contas a possibilidade de, por maioria absoluta de seus membros, no desempenho de suas competências constitucionais, deixar de aplicar em caso concreto lei que considere flagrantemente inconstitucional, mantendo-se hígida a redação da Súmula 347 do STF.”

 

Palavras da Min. Rosa Weber:

“Considero que a ordem jurídica inaugurada pela Carta de 1988 não permite ao Tribunal de Contas da União a fiscalização da validade de lei em caráter abstrato, apenas possibilita que aquele órgão de controle, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, afaste a aplicação concreta de dispositivo legal reputado inconstitucional, quando em jogo matéria pacificada nesta Suprema Corte.”

 

Demais Ministros: 

O Min. Marco Aurélio votou em sentido contrário ao Min. Alexandre de Moraes, ou seja, mantendo a higidez da Súmula.

Os demais Ministros acompanharam o voto do Min. Alexandre de Moraes sem fazer ressalvas, ou seja, em tese, concordaram com os argumentos do Relator.

 


quarta-feira, 28 de abril de 2021

INFORMATIVO Comentado 691 STJ

          

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

 

ÍNDICE DO INFORMATIVO 691 STJ

 

DIREITO CONSTITUCIONAL

TRIBUNAL DE CONTAS

§  Procuradores de contas podem requerer informações e documentos diretamente aos órgãos, entidades e agentes submetidos ao controle externo.

 

DIREITO CIVIL

ARBITRAGEM

§  A impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, devido à ocorrência dos vícios elencados no art. 32 da Lei nº 9.307/96, possui prazo decadencial de 90 dias.

 

DIREITO EMPRESARIAL

DUPLICATA

§  O terceiro de boa-fé, endossatário, em operação de endosso-caução, não perde seu crédito de natureza cambial em vista da quitação feita ao endossante (credor originário), sem resgate da cártula.

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ADOÇÃO

§  É possível a rescisão de sentença concessiva de adoção se a pessoa não desejava verdadeiramente ter sido adotada e, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

ASTREINTES

§  É possível que o magistrado, a qualquer tempo, e mesmo de ofício, revise o valor desproporcional das astreintes.

 

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

§  Não cabe ao STJ majorar honorários advocatícios ainda a serem fixados em liquidação de sentença, na forma do inciso II, do § 4º, do art. 85 do CPC/2015

 

IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

§  A impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, devido à ocorrência dos vícios elencados no art. 32 da Lei nº 9.307/96, possui prazo decadencial de 90 dias.

 

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

§  Fazenda Pública executada apresenta impugnação alegando excesso de execução e pede a concessão de prazo para apresentação da planilha com o valor devido; é razoável que o juiz conceda o referido prazo.

 

PRECATÓRIO

§  É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei nº 13.463/2017?

 

 

PROCESSO COLETIVO

§  Imobiliária deverá pagar dano moral coletivo por vender lotes com falsa propaganda sobre regularização.

 

DIREITO PENAL

ESTELIONATO

§  A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso?

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

CITAÇÃO / CARTA ROGATÓRIA

§  Se for expedida carta rogatória para citar um acusado no exterior, o prazo prescricional ficará suspenso até que ela seja cumprida, ou seja, o prazo prescricional voltará a correr antes mesmo que a carta seja juntada aos autos.

 

PRISÃO

§  Não é possível que o juiz, de ofício, decrete a prisão preventiva; vale ressaltar, no entanto, que, se logo depois de decretar, a autoridade policial ou o MP requererem a prisão, o vício de ilegalidade que maculava a custódia é suprido.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

ISSQN

§  Mesmo sendo constituída sob a forma de sociedade limitada, é possível que uma sociedade de médicos faça jus ao recolhimento do ISSQN na forma privilegiada prevista no art. 9º, §§ 1º e 3º do DL 406/1968.










INFORMATIVO Comentado 691 STJ - Versão Resumida

 


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terça-feira, 27 de abril de 2021

Súmula 648 do STJ comentada


Clique AQUI para baixar em pdf ou leia os comentários abaixo. 

Súmula 648-STJ: A superveniência da sentença condenatória prejudica o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em habeas corpus.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 14/04/2021, DJe 19/04/2021.

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

O Ministério Público ajuizou ação penal contra João acusando-o da prática de determinado crime.

O juiz recebeu a denúncia e determinou a citação do réu para responder a acusação.

João apresentou resposta escrita alegando que não havia justa causa e que, portanto, ele deveria ser absolvido sumariamente.

O magistrado, contudo, rejeitou o pedido de absolvição sumária e determinou o início da instrução penal.

 

João ainda continuava inconformado. Existe algum recurso que ele possa interpor? Cabe algum recurso contra a decisão do juiz que rejeita o pedido de absolvição sumária?

NÃO. Não existe recurso cabível na legislação para esse caso. Diante disso, a jurisprudência admite a impetração de habeas corpus sob o argumento de que existe risco à liberdade de locomoção.

Desse modo, em nosso exemplo, a defesa de João impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça pedindo o trancamento da ação penal por falta de justa causa.

O Desembargador negou o pedido de liminar e designou o dia 15/08 para o julgamento do habeas corpus pela Câmara Criminal do TJ.

Ocorre que, antes disso, no dia 08/08, o juiz proferiu sentença condenando o réu.

 

Diante desse cenário, o que acontece com o julgamento do habeas corpus? O Tribunal de Justiça irá apreciar o mérito do habeas corpus?

NÃO. A superveniência de sentença condenatória torna prejudicado o pedido feito no habeas corpus no se buscava o trancamento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa.

A sentença condenatória analisa a existência de justa causa de forma mais aprofundada, após a instrução penal com contraditório e ampla defesa. Logo, não faz mais sentido o Tribunal examinar a decisão de rejeição da absolvição sumária se já há uma nova decisão mais aprofundada. Será essa nova manifestação (sentença) que precisará ser analisada.

Logo, o réu terá que interpor apelação contra a sentença condenatória, recurso de cognição ampla por meio do qual toda a matéria será devolvida ao Tribunal, que terá a possibilidade de examinar de se a condenação foi acertada, ou não.

 

Não é cabível examinar a inépcia da inicial acusatória, bem como a justa causa para ação penal, após a prolação de sentença condenatória, porquanto todos os elementos da exordial acusatória, bem como da conduta criminosa, foram amplamente debatidos pelas instâncias ordinárias, em cognição vertical e exauriente.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 463.788/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 13/11/2018.

 

O pedido de trancamento do processo por inépcia da denúncia ou por ausência de justa causa para a persecução penal não é cabível quando já há sentença, pois seria incoerente analisar a mera higidez formal da acusação ou os indícios da materialidade delitiva se a própria pretensão condenatória já houver sido acolhida, depois de uma análise vertical do acervo fático e probatório dos autos.

STJ. 6ª Turma. RHC 32.524/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 4/10/2016.

 

E se a sentença tivesse sido absolutória? Se o juiz tivesse absolvido João, o HC também ficaria prejudicado?

SIM. Com maior razão, o habeas corpus estaria prejudicado, mas agora por outro motivo: falta de interesse processual já que a providência buscada pela defesa foi alcançada em 1ª instância. Nesse sentido:

A superveniência de sentença absolutória, na linha da orientação firmada nesta Corte, torna prejudicado o pedido que buscava o trancamento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa.

STJ. 6ª Turma. AgInt no RHC 31.478/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 26/03/2019.

 

Essa foi a explicação da súmula. Vejamos agora três situações correlatadas envolvendo habeas corpus.

 

Situação 1:

O juiz, a requerimento do MP, decretou a prisão preventiva de Pedro.

A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça alegando que não estavam presentes os pressupostos da prisão preventiva. Logo, o advogado pediu, no habeas corpus, a revogação da prisão preventiva. Esse foi o pedido do writ.

Antes que o habeas corpus fosse julgado, o juiz prolatou sentença condenando Pedro pelo crime e, na oportunidade, manteve a prisão cautelar, negando o direito do réu de recorrer em liberdade.

 

Indaga-se: o habeas corpus fica prejudicado?

Depende:

· se, na sentença, o juiz, para manter a prisão preventiva, se valeu dos mesmos fundamentos que havia utilizado na decisão anterior: o habeas corpus NÃO fica prejudicado. O Tribunal terá que apreciar.

· se, na sentença, o juiz, para manter a prisão preventiva, se valeu de outros fundamentos diferentes do que já havia utilizado na decisão anterior: o habeas corpus fica prejudicado. Isso porque ainda que o Tribunal entendesse que os argumentos utilizados na decisão não foram corretos, o magistrado já mencionou outros fundamentos para a prisão, devendo esses novos argumentos serem também impugnados. Ex: na decisão que decretou a prisão preventiva, o juiz afirmou que o réu estaria ameaçando as testemunhas (prisão decretada por conveniência da instrução processual). Na sentença, o magistrado manteve a prisão preventiva sob a alegação de que existiria risco concreto de o réu fugir caso ele fosse solto (prisão para assegurar a aplicação da lei penal).

 

A sentença penal condenatória superveniente que não permite ao réu recorrer em liberdade, somente prejudica o exame do recurso em habeas corpus quando contiver fundamentos diversos daqueles utilizados na decisão que decretou a prisão preventiva, o que não ocorreu no caso dos autos.

STJ. 5ª Turma. RHC 105.673/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/08/2019.

 

Situação 2: habeas corpus e concessão de suspensão condicional do processo

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado pela prática do crime de descaminho (art. 334, caput, do CP).

O juiz recebeu a denúncia e designou audiência.

A defesa de Pedro impetrou habeas corpus no TRF pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa.

O habeas corpus ficou no TRF aguardando ser julgado.

Antes que o writ fosse apreciado, chegou o dia da audiência.

Como a pena mínima deste delito é igual a 1 ano, o MP ofereceu proposta de suspensão condicional do processo. João, acompanhado de seu advogado, aceitou a proposta pelo período de prova de 2 anos.

 

Diante disso, indaga-se: com a suspensão condicional do processo, o habeas corpus que estava pendente fica prejudicado ou o TRF deverá julgá-lo mesmo assim?

O Tribunal deverá julgar o habeas corpus. É a posição tranquila da jurisprudência:

O fato de o denunciado ter aceitado a proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público (art. 89 da Lei nº 9.099/95) não constitui empecilho para que seja proposto e julgado habeas corpus em seu favor, no qual se pede o trancamento da ação penal. Isso porque o réu que está cumprindo suspensão condicional do processo fica em liberdade, mas ao mesmo tempo terá que cumprir determinadas condições impostas pela lei e pelo juiz e, se desrespeitá-las, o curso do processo penal retomará. Logo, ele tem legitimidade e interesse de ver o HC ser julgado para extinguir de vez o processo.

STJ. 5ª Turma. RHC 41527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015 (Info 557).

 

Situação 3: habeas corpus e transação penal

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Pedro foi denunciado pela prática de lesões corporais dolosas.

O juiz recebeu a denúncia.

A defesa de Pedro impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa.

O habeas corpus ficou lá no TJ aguardando ser julgado.

Enquanto isso, foi designada audiência. No curso da audiência, o Ministério Público, melhor analisando os fatos, entendeu que houve lesões corporais culposas, infração de menor potencial ofensivo, prevista no art. 129, § 6º do Código Penal.

Assim, na própria audiência, o Promotor de Justiça pediu a desclassificação para lesões corporais culposas, pleito que foi acolhido pelo juiz.

Em seguida, o Promotor ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita por João.

O juiz homologou o acordo de transação penal e tornou sem efeito a decisão de recebimento da denúncia.

A decisão que recebeu a denúncia foi anulada pelo juiz considerando que o benefício da transação penal ocorre antes do início da ação penal.

 

Como você lembra, havia um habeas corpus tramitando no TJ e que ainda não havia sido julgado. Diante disso, indaga-se: com a celebração da transação penal, o habeas corpus que estava pendente fica prejudicado ou o TJ deverá julgá-lo mesmo assim?

• STJ: SIM. Fica prejudicado.

A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal.

STJ. 6ª Turma. HC 495148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

 

• STF: NÃO. Não impede e o TJ deverá julgar o mérito do habeas corpus.

A realização de acordo de transação penal não enseja a perda de objeto de habeas corpus anteriormente impetrado.

A aceitação do acordo de transação penal não impede o exame de habeas corpus para questionar a legitimidade da persecução penal.

Embora o sistema negocial possa trazer aprimoramentos positivos em casos de delitos de menor gravidade, a barganha no processo penal pode levar a riscos consideráveis aos direitos fundamentais do acusado. Assim, o controle judicial é fundamental para a proteção efetiva dos direitos fundamentais do imputado e para evitar possíveis abusos que comprometam a decisão voluntária de aceitar a transação.

Não há qualquer disposição em lei que imponha a desistência de recursos ou ações em andamento ou determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça.

STF. 2ª Turma. HC 176785/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/12/2019 (Info 964).

 




segunda-feira, 26 de abril de 2021

O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública é inconstitucional

 

Art. 16 da Lei nº 7.347/85 e a eficácia subjetiva da ACP

Falar em “eficácia subjetiva” significa estudarmos “para quem” a sentença proferida na ACP produz efeitos, isto é, as pessoas que são atingidas juridicamente pelo que foi decidido.

O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), com redação dada pela Lei nº 9.494/97, estabelece o seguinte:

LEI Nº 7.347/85 (LEI DA ACP)

Redação original

Redação dada pela Lei nº 9.494/97

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

 

Esse artigo foi alterado pela Lei nº 9.494/97 com o objetivo de restringir a eficácia subjetiva da coisa julgada, ou seja, ele determinou que a coisa julgada na ACP deveria produzir efeitos apenas dentro dos limites territoriais do juízo que prolatou a sentença.

Em outras palavras, o que o art. 16 quis dizer foi o seguinte: a decisão do juiz na ação civil pública não produz efeitos no Brasil todo. Ela irá produzir efeitos apenas na comarca (se for Justiça Estadual) ou na seção ou subseção judiciária (se for Justiça Federal) do juiz prolator.

 

Críticas da doutrina

A doutrina criticou bastante essa alteração promovida no art. 16 e afirmou que a regra ali prevista não deveria ser aplicada por ser inconstitucional, impertinente e ineficaz.

Resumo das principais críticas ao dispositivo (DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes):

• Gera prejuízo à economia processual e pode ocasionar decisões contraditórias entre julgados proferidos em Municípios ou Estados diferentes;

• Viola o princípio da igualdade por tratar de forma diversa os brasileiros (para uns irá "valer" a decisão, para outros não);

• Os direitos coletivos “lato sensu” são indivisíveis, de forma que não há sentido que a decisão que os define seja separada por território;

• A redação do dispositivo mistura “competência” com “eficácia da decisão”, que são conceitos diferentes. O legislador confundiu, ainda, “coisa julgada” e “eficácia da sentença”. Sobre esse ponto, vale a pena citar Hugo Nigro Mazzilli:

“Com efeito, a Lei 9.494/97 confundiu competência com coisa julgada. A imutabilidade erga omnes de uma sentença não tem nada a ver com a competência do juiz que a profere. A competência importa para saber qual órgão da jurisdição vai decidir a ação; mas a imutabilidade do que ele decidiu estende-se a todo o grupo, classe ou categoria de lesados, de acordo com a natureza do interesse defendido, o que muitas vezes significa, necessariamente, ultrapassar os limites territoriais do juízo que proferiu a sentença”. (A defesa dos interesses difusos em Juízo. 30ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 698).

 

• O art. 93 do CDC, que se aplica também à Lei da ACP, traz regra diversa, já que prevê que, em caso de danos nacional ou regional, a competência para a ação será do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, o que indica que essa decisão valeria, no mínimo, para todo o Estado/DF.

 

Para o STJ, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido? A decisão do juiz na ação civil pública fica restrita apenas à comarca ou à seção (ou subseção) judiciária do juiz prolator?

NÃO. O STJ decidiu que:

A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas NÃO deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão.

STJ. Corte Especial. EREsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/10/2016.

 

Interessante também transcrever trecho do voto do brilhante Min. Luis Felipe Salomão, no REsp 1.243.887/PR (STJ. Corte Especial, julgado em 19/10/2011):

“A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é “efeito” ou “eficácia” da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la “imutável e indiscutível”.

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites da lide e das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (“o que” se decidiu) e subjetivo (em relação “a quem” se decidiu), mas não de competência territorial.”

 

E para o STF? Para o STF, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido?

Também NÃO.

É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, na redação dada pela Lei nº 9.494/97.

É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial de seu órgão prolator.

STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012).

 

Proteção constitucional dos interesses difusos e coletivos

A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua efetividade.

Como exemplos disso, podemos citar a previsão do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), da ação popular (art. 5º, LXXII) e a constitucionalização da ação civil pública (art. 129, III).

No âmbito infraconstitucional, o sistema protetivo dos interesses difusos e coletivos nasceu com a edição da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65) e foi ampliado com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) foi mais uma evolução legislativa trazendo maior efetividade à proteção dos interesses difusos e coletivos.

O art. 90 do CDC, somado ao art. 21 da LACP, estabeleceu um verdadeiro microssistema processual coletivo, com destaque para a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública:

Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.

 

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.       (Incluído Lei nº 8.078/90)

 

Esse microssistema significa que as normas desses diplomas deverão ser aplicadas mutuamente a fim de se garantir uma proteção mais efetiva dos interesses difusos e coletivos.

 

Lei nº 9.494/94 representa retrocesso na proteção dos interesses difusos e coletivos

A alteração do art. 16 da Lei nº 7.347/85 promovida pela Lei nº 9.494/97, fruto da conversão da MP 1.570/97, veio na contramão do avanço institucional de proteção aos direitos metaindividuais. Vale ressaltar, inclusive, que essa modificação viola os preceitos norteadores da tutela coletiva e atenta contra os comandos pertinentes ao amplo acesso à Justiça e à isonomia entre os jurisdicionados.

A versão original do art. 16 da LACP previa a coisa julgada erga omnes da sentença civil proferida em processo na qual decididos direitos difusos e coletivos. O CDC, editado em 1990, ampliou a efetividade ao estender esses efeitos para os direitos individuais com dimensão coletiva (art. 103).

Nesse contexto, as Leis nº 7.347/85 e 8.078/90 seguiram o mesmo padrão de proteção dos direitos metaindividuais. Elas estão de acordo com os princípios da unidade da Constituição e da máxima efetividade das normas constitucionais. A indevida restrição criada pelo art. 16 da LACP, por sua vez, foi contra os princípios da igualdade e da eficiência na prestação jurisdicional, razão pela qual se mostra inconstitucional.

 

Grave prejuízo à isonomia e a efetividade da prestação jurisdicional

A alteração legislativa promovida pela Lei nº 9.494/97 passou a exigir dos legitimados, nos casos em que a lesão ou ameaça a direito fosse de âmbito regional ou nacional, a propositura de tantas demandas quanto fossem os territórios em que residem as pessoas lesadas. Ex: em um dano nacional, teria que ser proposta uma ação em cada comarca. Percebe-se, sem muito esforço, que isso acarreta grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, além de afrontar claramente eficiência na prestação da atividade jurisdicional.

Na ação civil pública, os beneficiados podem ser indetermináveis – direitos difusos – , ou indeterminados, em um primeiro momento – direitos coletivos e individuais homogêneos –, sendo possível que os titulares do direito estejam dispersos em diferentes Municípios ou Estados; ou ainda em todos os Estados e Municípios brasileiros; mas sempre devendo ser observados, na efetividade da prestação jurisdicional, os princípios da igualdade e da eficiência.

Mais uma vez se mostra salutar recorrer às palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.” (REsp 1.243.887/PR)

 

Patente, portanto, o desrespeito aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional.

 

Com a declaração de inconstitucionalidade da redação modificada do art. 16 da LACP, surge uma relevante indagação a ser feita: de quem é a competência para julgar uma ação civil pública?

Quanto às ações civis públicas cujo objeto seja de âmbito apenas local, deve-se aplicar o art. 2º da Lei nº 7.347/85:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

 

E se a ACP tiver projeção regional ou nacional?

Neste caso, como não há norma expressa na LACP tratando sobre o tema, deve-se recorrer ao art. 93, II, do CDC, com base na noção de microssistema processual (art. 21 da LACP).

Assim, a definição do juízo competente para o processamento de ações civis públicas cuja sentença tenha projeção regional ou nacional deve observar o disposto no art. 93, II, do CDC:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

(...)

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

 

Portanto, em se tratando de ação civil pública com abrangência nacional ou regional, sua propositura deve ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, de capital de Estado ou no Distrito Federal.

Em se tratando de alcance geograficamente superior a um Estado, a opção por capital de Estado evidentemente deve contemplar uma que esteja situada na região atingida.

Com isso, impede-se a escolha de juízos aleatórios para o processo e julgamento de ações que versem sobre esses direitos difusos e coletivos.

 

Como evitar decisões conflitantes proferidas por juízos diversos em ações civis públicas que estejam tramitando em comarcas diferentes?

O ordenamento jurídico oferece um critério que impede esse problema, com base nos art. 55, § 3º e art. 286 do CPC, além do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85:

Art. 55 (...)

§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

 

Art. 286.  Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:

I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;

II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;

III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento.

Parágrafo único.  Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.

 

Art. 2º (...)

Parágrafo único  A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

 

Dessa maneira, o juiz competente – nos termos do artigo 2º da LACP e 93 do CDC – , que primeiro conhecer da matéria ficará prevento para processar e julgar todas as demandas que proponham o mesmo objeto.

A aplicação dessas normas torna possível definir qual o juiz competente, inclusive para ações cuja decisão tenha efeitos regionais ou nacionais. E, uma vez fixada essa competência, o primeiro que conhecer da matéria, entre os competentes, ficará prevento.

 

Em suma:

I - É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterada pela Lei nº 9.494/97.

II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC).

III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas.

STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012).