terça-feira, 29 de junho de 2021

Se houver duplicidade de intimações, ou seja, o advogado for intimado tanto pelo Diário de Justiça Eletrônico como também pelo Portal Eletrônico de Intimação, qual deverá prevalecer?

 As duas formas mais comuns de intimação atualmente são as seguintes:

a) Diário da Justiça eletrônico;

b) Intimação eletrônica (por meio de Portal Eletrônico – portal de intimações).

Essas duas espécies de intimação estão previstas na Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Judicial Eletrônico).

 

Diário da Justiça eletrônico (DJe)

É como se fosse o antigo Diário Oficial, no entanto, agora não mais em papel e sim por meio de um site que divulga as intimações em pdf ou página de internet (html).

Apenas para você entender melhor, é como se fosse o papel, porém agora veiculado na internet. Assim, todos os dias úteis é publicado um Diário Oficial com os números dos processos e os nomes dos advogados.

Encontra-se previsto no art. 4º da Lei nº 11.419/2006:

Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.

(...)

§ 2º A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal.

 

Exemplo:

 

Intimação eletrônica (Portal de Intimação eletrônica – Portal Eletrônico)

É um sistema criado pelos Tribunais por meio do qual o advogado se cadastra em um site e, a partir daí, recebe intimações sobre os processos em que atua.

Foi disciplinado pelo art. 5º da Lei nº 11.419/2006:

Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.

§ 1º Considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização.

§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, nos casos em que a consulta se dê em dia não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte.

§ 3º A consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.

§ 4º Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual nos termos do § 3º deste artigo, aos que manifestarem interesse por esse serviço.

§ 5º Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz.

§ 6º As intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais.

 

Exemplo:

 

 

Diário Eletrônico de Justiça (art. 4º)

Portal Eletrônico (art. 5º)

Envolve a inserção da informação em diário publicado periodicamente. O servidor insere a informação no jornal eletrônico do Tribunal, o qual é disponibilizado, em regra, ao final do dia.

Implica o envio da comunicação por intermédio de um sistema eletrônico de controle de processos, cada vez mais utilizado no âmbito do Poder Judiciário.

A comunicação do ato processual ocorre “por dentro” do sistema informatizado.

O advogado, devidamente cadastrado, acessa o processo judicial eletrônico e é intimado.

Há regra específica segundo a qual a publicação do ato judicial é considerada no dia seguinte ao da disponibilização, marcando o começo dos prazos processuais.

Os prazos são contados com a exclusão do dia do começo e com a inclusão do dia do término.

Logo, o primeiro dia do prazo ocorre apenas no dia seguinte ao considerado como data da publicação.

Há um prazo de 10 dias para acesso à informação. Após o envio da intimação pelo processo judicial eletrônico, a parte tem 10 dias para consultar o teor da informação.

Caso consulte a informação dentro desse lapso temporal, o ato judicial será considerado publicado no dia da consulta, dando-se início ao cômputo do prazo a partir do primeiro dia subsequente.

Caso não consulte nos 10 dias previstos, a intimação será automática, de maneira que será considerada realizada na data do término desse prazo, independentemente de consulta, iniciando-se, a seguir, a contagem do prazo processual.

 

Se houver duplicidade de intimações, ou seja, o advogado for intimado tanto pelo DJe como pelo Portal Eletrônico de Intimação, qual deverá prevalecer? Ex: a decisão foi publicada no Dje do dia 15/02/2018; ocorre que, depois disso, houve intimação eletrônica em 19/2/2018. Qual deverá ser considerada?

Havia três correntes sobre o tema:

· 1ª posição: deve prevalecer a realizada no Diário da Justiça Eletrônico, com base no art. 4º, § 2º da Lei do Processo Eletrônico (Lei nº 11.419/2006).

· 2ª posição: deve prevalecer a intimação realizada pelo Portal Eletrônico, nos termos do art. 5º da Lei do Processo Eletrônico.

· 3ª posição: deve prevalecer a primeira validamente efetuada. Fundamento da terceira corrente: as partes e seus advogados tomam ciência do ato judicial ou administrativo logo na primeira intimação oficialmente realizada que, normalmente, costuma ser a publicação da imprensa eletrônica, podendo, a partir de então, recorrer ou promover o ato processual adequado. Portanto, não é concebível que se aguarde a ultimação da outra intimação para se considerar devidamente cientificado.

 

Qual foi a posição adotada pelo STJ?

A 2ª corrente.

Em caso de dupla intimação, deve prevalecer a intimação realizada pelo Portal Eletrônico, pois essa modalidade de intimação dispensa a publicação via Diário de Justiça Eletrônico, conforme expressamente previsto no caput do art. 5º da Lei nº 11.419/2006:

Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.

 

Veja como o tema foi cobrado em prova:

þ (Juiz do Trabalho TRT2 2016) As intimações serão feitas por meio eletrônico, em portal próprio, aos que se cadastrarem na forma da lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico. (certo)

 

Essa previsão expressa de dispensa de publicação no DJe reforça a conclusão de que a intimação eletrônica é a que deve prevalecer.

O CPC/2015, no seu art. 270, prestigiou o meio eletrônico como forma preferencial de comunicação dos atos processuais:

Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.

 

A intimação pela publicação em órgão oficial deve ser utilizada de forma subsidiária à intimação eletrônica, conforme demonstra o art. 272, caput, do CPC/2015:

Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.

 

Assim, há de prevalecer a intimação prevista no art. 5º da Lei do Processo Eletrônico, à qual o § 6º do art. 5º atribui status de intimação pessoal. A intimação pelo Portal Eletrônico é considerada como forma especial e, portanto, prevalece sobre a forma genérica, privilegiando-se a boa-fé processual e a confiança dos operadores jurídicos nos sistemas informatizados de processo eletrônico, bem como garantindo-se a credibilidade e eficiência desses sistemas.

Caso preponderasse a intimação pela forma geral (DJe), quando esta fosse primeiramente publicada, é evidente que o advogado cadastrado perderia o prazo para falar nos autos ou praticar o ato, pois, confiando no sistema, ficaria aguardando a intimação específica pelo Portal Eletrônico.


Em suma:

O termo inicial de contagem dos prazos processuais, em caso de duplicidade de intimações eletrônicas, dá-se com a realizada pelo portal eletrônico, que prevalece sobre a publicação no Diário da Justiça (DJe).

STJ. Corte Especial. EAREsp 1.663.952-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 19/05/2021 (Info 697).



segunda-feira, 28 de junho de 2021

Revisão - Procurador do Estado do RJ

Olá amigos do Dizer o Direito,


Está disponível a revisão para o concurso de Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

Boa prova :) 




domingo, 27 de junho de 2021

INFORMATIVO Comentado 1017 STF

               

Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 1017 STF.

Confira abaixo o índice. Bons estudos.

 

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1017 DO STF

 

Direito Constitucional

DIREITOS SOCIAIS

§  STF determinou que a União adote todas as medidas legais necessárias para viabilizar a realização do Censo, inclusive com a previsão dos créditos orçamentários necessários à pesquisa.

 

DIREITO À SAÚDE

§  É possível condenar judicialmente Estado ou Município a investir na saúde os valores mínimos que não foram aplicados em anos anteriores.

 

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  Lei estadual não pode proibir a suspensão de planos de saúde por inadimplência, mesmo durante a pandemia.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

§  O § 1º do art. 37 da CF/88 não admite flexibilização por norma infraconstitucional ou regulamentar.

 

DIREITO EMPRESARIAL

PATENTE

§  É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

§  O Poder Judiciário não pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA

§  Pessoa com deficiência pode ser enquadrada como dependente, mesmo que seja apta a trabalhar, mas desde que não receba remuneração que exceda as deduções legalmente autorizadas.

§  Estados são titulares do IR sobre rendimentos pagos diretamente por suas autarquias e fundações.

 

ICMS

§  A inadimplência do usuário não afasta a incidência ou a exigibilidade do ICMS sobre serviços de telecomunicações.

§  É constitucional a cobrança antecipada de diferencial de alíquota de ICMS de sociedade empresária optante pelo Simples Nacional, independentemente de o contribuinte estar na condição de consumidor final no momento da aquisição.

 

PIS/COFINS

§  A tese fixada no RE 574706 (Tema 69) produz efeitos a partir de 15/3/2017, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até essa data.

 

DIREITO FINANCEIRO

§  É possível condenar judicialmente Estado ou Município a investir na saúde os valores mínimos que não foram aplicados em anos anteriores.

§  STF determinou que a União adote todas as medidas legais necessárias para viabilizar a realização do Censo, inclusive com a previsão dos créditos orçamentários necessários à pesquisa.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

§  É constitucional a expressão “de forma não cumulativa” constante do caput do art. 20 da Lei nº 8.212/91.











INFORMATIVO Comentado 1017 STF - Versão Resumida


Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 1017 STF - Versão Resumida.

Bons estudos.








Revisão - MPDFT

  Olá amigos do Dizer o Direito,


Está disponível a revisão para o concurso de Promotor de Justiça do MPDFT.

Boa prova :) 




quarta-feira, 23 de junho de 2021

Lei 14.176/2021: disciplina o auxílio-inclusão


Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje mais uma novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 14.176/2021 que tratou de dois assuntos muito relevantes:

1) promoveu diversas mudanças no benefício de prestação continuada (BPC);

2) disciplinou o benefício de auxílio-inclusão.

Neste post, irei discorrer a respeito do chamado auxílio-inclusão. No post já publicado, tratei sobre as alterações promovidas pela Lei no BPC.

A Lei nº 14.176/2021 acrescentou os arts. 26-A a 26-H na Lei nº 8.742/93 (que trata sobre assistência social) disciplinando um benefício pago às pessoas com deficiência, chamado de auxílio-inclusão.

 

Esse benefício foi criado pela Lei nº 14.176/2021?

NÃO. Esse benefício já era previsto no art. 94 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), tendo sido agora apenas disciplinado pela Lei nº 14.176/2021.

Vale ressaltar, no entanto, que o benefício não era pago porque o Estatuto da Pessoa com Deficiência exigia que houvesse uma outra lei disciplinando o auxílio, o que só veio agora com a Lei nº 14.176/2021.

 

Quem tem direito ao auxílio-inclusão?

O benefício de amparo assistencial previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93 é incompatível com atividade remunerada. Isso significa que, se uma pessoa estiver recebendo BPC e passar a trabalhar em atividade remunerada, ela deverá ter o benefício suspenso. É o que prevê o art. 21 da Lei nº 8.742/93:

Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual.

 

O Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Lei nº 14.176/2021 decidiram “mitigar” essa vedação.

Assim, a pessoa com deficiência que estava recebendo o BPC e que passou a exercer atividade remunerada:

· antes da Lei nº 14.176/2021: ficava com o BPC suspenso e, consequentemente, deixava de receber esse benefício assistencial.

· depois da Lei nº 14.176/2021: deixa de ter direito ao BPC, mas poderá receber outro benefício em seu lugar, qual seja, o auxílio-inclusão.

 

Quais são os requisitos para a pessoa ter direito ao auxílio-inclusão?

O tema é tratado no novo art. 26-A da Lei nº 8.742/93:

Art. 26-A.  Terá direito à concessão do auxílio-inclusão de que trata o art. 94 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a pessoa com deficiência moderada ou grave que, cumulativamente:

I – receba o benefício de prestação continuada, de que trata o art. 20 desta Lei, e passe a exercer atividade:

a) que tenha remuneração limitada a 2 (dois) salários-mínimos; e

b) que enquadre o beneficiário como segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social ou como filiado a regime próprio de previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;

 

II – tenha inscrição atualizada no CadÚnico no momento do requerimento do auxílio-inclusão;

 

III – tenha inscrição regular no CPF; e

 

IV – atenda aos critérios de manutenção do benefício de prestação continuada, incluídos os critérios relativos à renda familiar mensal per capita exigida para o acesso ao benefício, observado o disposto no § 4º deste artigo.

 

§ 1º O auxílio-inclusão poderá ainda ser concedido, nos termos do inciso I do caput deste artigo, mediante requerimento e sem retroatividade no pagamento, ao beneficiário:

I – que tenha recebido o benefício de prestação continuada nos 5 (cinco) anos imediatamente anteriores ao exercício da atividade remunerada; e

II – que tenha tido o benefício suspenso nos termos do art. 21-A desta Lei.

 

§ 2º O valor do auxílio-inclusão percebido por um membro da família não será considerado no cálculo da renda familiar mensal per capita de que trata o inciso IV do caput deste artigo, para fins de concessão e de manutenção de outro auxílio-inclusão no âmbito do mesmo grupo familiar.

 

§ 3º O valor do auxílio-inclusão e o da remuneração do beneficiário do auxílio-inclusão de que trata a alínea “a” do inciso I do caput deste artigo percebidos por um membro da família não serão considerados no cálculo da renda familiar mensal per capita de que tratam os §§ 3º e 11-A do art. 20 desta Lei para fins de manutenção de benefício de prestação continuada concedido anteriormente a outra pessoa do mesmo grupo familiar.

 

§ 4º Para fins de cálculo da renda familiar per capita de que trata o inciso IV do caput deste artigo, serão desconsideradas:

I – as remunerações obtidas pelo requerente em decorrência de exercício de atividade laboral, desde que o total recebido no mês seja igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos; e

II – as rendas oriundas dos rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem.

 

Qual é o valor do auxílio-inclusão?

50% do valor do benefício de prestação continuada (art. 26-B)

O auxílio-inclusão não está sujeito a desconto de qualquer contribuição e não gera direito a pagamento de abono anual (art. 26-E).

Esse benefício deve ser pago desde a data do requerimento.

 

Requerimento do auxílio-reclusão gera a suspensão do BPC

Ao requerer o auxílio-inclusão, o beneficiário autorizará a suspensão do benefício de prestação continuada, nos termos do art. 21-A da Lei nº 8.742/93.

 

Não pode ser cumulado com determinados pagamentos (art. 26-C)

O pagamento do auxílio-inclusão não será acumulado com o pagamento de:

I – benefício de prestação continuada;

II – prestações a título de aposentadoria, de pensões ou de benefícios por incapacidade pagos por qualquer regime de previdência social; ou

III – seguro-desemprego.

 

Cessação do pagamento (art. 26-D)

O pagamento do auxílio-inclusão cessará na hipótese de o beneficiário:

I – deixar de atender aos critérios de manutenção do benefício de prestação continuada; ou

II – deixar de atender aos critérios de concessão do auxílio-inclusão.

 

Pagamento é efetuado pelo INSS

Compete ao Ministério da Cidadania a gestão do auxílio-inclusão, e ao INSS a sua operacionalização e pagamento (art. 26-F).

As despesas decorrentes do pagamento do auxílio-inclusão correrão à conta do orçamento do Ministério da Cidadania (art. 26-G).

 

Vigência

As regras da Lei nº 14.176/2021 que tratam sobre o auxílio-inclusão somente entram em vigor no dia 1º de outubro de 2021.

 

 

Márcio André Lopes Cavalcante

Juiz Federal

 

 

Lei 14.176/2021: fixa em 1/4 do salário-mínimo a renda mensal per capita para concessão do amparo assistencial e promove outras alterações no benefício

 

Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje mais uma novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 14.176/2021 que tratou de dois assuntos muito relevantes:

1) promoveu diversas mudanças no benefício de prestação continuada (BPC);

2) disciplina o chamado auxílio-inclusão. 

Neste primeiro post, irei discorrer apenas sobre as alterações promovidas pela Lei no BPC. No post seguinte, tratarei a respeito do chamado auxílio-inclusão.

A Lei nº 14.176/2021 tratou sobre o requisito da renda familiar mensal para recebimento do benefício de amparo assistencial e outros aspectos do BPC. 

Vamos entender a mudança, mas, para isso, é necessário fazer uma breve revisão sobre o tema.

 

Benefício mensal de um salário-mínimo para pessoa com deficiência ou idoso

A ideia de um benefício assistencial de prestação continuada a pessoas com deficiência e idosos carentes tem previsão na própria Constituição Federal que, em seu art. 203, V, estabelece:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

 

A fim de dar cumprimento ao comando constitucional, foi editada a Lei nº 8.742/93 que, em seus arts. 20 a 21-A, disciplinou como seria pago esse benefício.

 

Nomenclatura

O art. 20 da Lei nº 8.742/93 denomina esse direito de “Benefício de Prestação Continuada”. Ele também pode ser chamado pelos seguintes sinônimos: “Amparo Assistencial”, “Benefício Assistencial” ou “LOAS”.

 

Em que consiste esse benefício:

Pagamento de um salário-mínimo por mês

• à pessoa com deficiência; ou

Desde que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

• ao idoso com 65 anos ou mais.

 

Para receber esse benefício, é necessário que a pessoa contribua ou tenha contribuído para a seguridade social?

NÃO. Trata-se de um benefício de assistência social, que será prestado a quem dele necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. A assistência social é caracterizada por ser um sistema não-contributivo, ou seja, é prestada independentemente de contribuição.

 

Quem administra e concede esse benefício?

Apesar de o LOAS não ser um benefício previdenciário, mas sim assistencial, ele é concedido e administrado pelo INSS. Vale ressaltar, no entanto, que os recursos necessários ao seu pagamento são fornecidos pela União (art. 29, parágrafo único, da Lei nº 8.742/93).

Assim, a competência para julgar ações que discutam esse benefício é da Justiça Federal.

 

Vimos acima que a CF/88 afirma que só receberão o benefício as pessoas “que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. Existe algum critério na Lei para definir isso?

A Lei nº 8.742/93 previa o seguinte:

Art. 20 (...)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.                  (Redação vigente na época da Lei nº 12.435/2011)

 

O STF, no entanto, ao analisar esse dispositivo, afirmou que esse critério não era absoluto:

Em 2013, o Plenário da Corte declarou a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 (sem pronúncia de nulidade) por considerar que esse critério estava defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.

O STF afirmou que, para aferir que o idoso ou deficiente não tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo previsto no § 3º do art. 20.

O Min. Gilmar Mendes afirmou que “a economia brasileira mudou completamente nos últimos 20 anos. Desde a promulgação da Constituição, foram realizadas significativas reformas constitucionais e administrativas com repercussão no âmbito econômico e financeiro. A inflação galopante foi controlada, o que tem permitido uma significativa melhoria na distribuição de renda”. Tais modificações proporcionaram que fossem modificados também os critérios para a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais que podem ser “mais generosos” que o parâmetro de 1/4 do salário mínimo mencionado no § 3º do art. 20 acima referido.

O Relator esclareceu que, atualmente, os programas de assistência social no Brasil utilizam o valor de 1/2 salário mínimo como referencial econômico para a concessão de benefícios. Ele ressaltou que este é um indicador bastante razoável e que, portanto, o critério de 1/4 do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e inadequado para aferir a miserabilidade das famílias.

STF. Plenário. RE 567985/MT e RE 580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18/4/2013 (Info 702).

 

Esse foi também o entendimento do STJ:

(...) A Terceira Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC/1973, firmou a compreensão de que o critério objetivo de renda per capita mensal inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo - previsto no art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93 - não é o único parâmetro para aferir hipossuficiência, podendo tal condição ser constatada por outros meios de prova.

STJ. 2ª Turma. REsp 1797465/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/03/2019.

 

O legislador, de forma acertada, encampou o entendimento jurisprudencial acima explicado e, por meio da Lei nº 13.146/2015, inseriu o § 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93 prevendo o seguinte:

Art. 20 (...)

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

 

O que fez a Lei nº 13.981/2020 (publicada em 24/03/2020)?

Atualizou o § 3º do art. 20, aumentando a renda mensal per capita de 1/4 para 1/2 do salário-mínimo:

LEI Nº 8.742/93

Antes da Lei 13.981/2020

Depois da Lei 13.981/2020

Art. 20 (...)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

Art. 20 (...)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo.

 

Vale ressaltar que o projeto que deu origem à Lei nº 13.981/2020 havia sido vetado pelo Presidente da República, mas o veto foi derrubado e a Lei foi promulgada pelo Congresso Nacional, entrando em vigor no dia 24/03/2020 (data de sua publicação).

Ocorre que a confusão não acabou aí.

No dia 02/04/2020 foi publicada a Lei nº 13.982/2020, que alterou novamente o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.

Vamos entender.

 

O que previa o projeto aprovado que deu origem à Lei nº 13.982/2020?

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja:

I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020;

II - igual ou inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo, a partir de 1º de janeiro de 2021.

 

Ocorre que esse inciso II foi vetado pelo Presidente da República. Logo, ficou só a redação do inciso I, com o critério de 1/4 do salário-mínimo e prazo final em 31/12/2020.

 

Vejamos a evolução histórica:

LEI 8.742/93

Critério objetivo de miserabilidade para fins de recebimento do BPC previsto no § 3º do art. 20

Redação dada pela

Lei 12.435/2011

Redação dada pela

Lei 13.981/2020

Redação dada pela

Lei 13.982/2020

Renda mensal per capita

inferior a 1/4 (um quarto) do SM

Renda mensal per capita inferior a 1/2 (meio) SM

Renda mensal per capita

igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do SM até 31/12/2020

 

Lei nº 14.176/2021

A Lei nº 14.176/2021 (fruto da conversão da MP 1.023/2020) acrescentou novo capítulo a esse enredo, tendo alterado a redação do inciso I do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 para dizer que:

· considera-se miserável, para fins do amparo assistencial, quem possuir renda mensal per capita igual ou inferior a 1/4 do salário-mínimo;

·  esse critério de 1/4 deve ser aplicado de forma indefinida (não apenas até 31/12/2020).

 

Essa é a redação atual do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93:

Art. 20. (...)

§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

 

Vejamos a evolução histórica atualizada sobre o tema:

LEI 8.742/93

Critério objetivo de miserabilidade para fins de recebimento do BPC

Redação dada pela

Lei 12.435/2011

Redação dada pela

Lei 13.981/2020

Redação dada pela

Lei 13.982/2020

Redação dada pela

Lei 14.176/2021

(MP 1023/2020)

Renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do SM

Renda mensal per capita inferior a 1/2 (meio) SM

Renda mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do SM até 31/12/2020

Renda mensal per capita igual ou inferior

a 1/4 (um quarto) do SM (sem termo final)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

 

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja:

I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020;

II - (VETADO).

§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

 

O que se entende por renda familiar mensal per capita? Como isso é calculado?

Normalmente, um assistente social vai até a residência da pessoa que está requerendo o benefício e faz entrevistas com ela e os demais moradores da casa, indagando sobre as fontes de renda de cada, verificando as condições estruturais do lar, os móveis e eletrodomésticos existentes no local etc.

Após isso, é elaborado um laudo social.

A renda familiar mensal per capita é calculada da seguinte forma: soma-se todos os rendimentos dos membros da família que moram na mesma casa que o requerente do benefício e depois divide-se esse valor pelo número de familiares (incluindo o requerente). Ex.: Carla (pessoa com deficiência) mora com seus pais (João e Maria) e mais um irmão (Lucas). João e Maria trabalham e ganham um salário-mínimo, cada. Cálculo da renda mensal per capita: 2 salários-mínimos divididos por 4 pessoas = 2:4. Logo, a renda mensal per capita será igual a 1/2 do salário-mínimo.

 

O que se entende por família?

Para os fins da renda familiar do LOAS, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º).

 

Exceção ao critério legal de 1/4 do salário-mínimo

O Poder Executivo federal poderá editar decreto ampliando esse limite de renda mensal familiar per capita para até 1/2 salário-mínimo. É o que prevê o § 11-A do art. 20 da Lei nº 8.742/93, inserido pela Lei nº 14.176/2021:

Art. 20 (...)

§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.

 

Obs: esse § 11-A somente entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2022. Além disso, a Lei nº 14.176/2021 condicionou à sua eficácia à edição de um Decreto pelo Presidente da República regulamentando o tema segundo as regras orçamentárias e de responsabilidade fiscal:

Art. 6º (...)

Parágrafo único. A ampliação do limite de renda mensal de 1/4 (um quarto) para até 1/2 (meio) salário-mínimo mensal, de que trata o § 11-A do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, mediante a utilização de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do grupo familiar, na forma do art. 20-B da referida Lei, fica condicionada a decreto regulamentador do Poder Executivo, em cuja edição deverá ser comprovado o atendimento aos requisitos fiscais.

 

A Lei nº 14.176/2021 acrescentou o art. 20-B prevendo aspectos que devem ser analisados para que possa haver a ampliação do critério de miserabilidade:

Art. 20-B.  Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:

I – o grau da deficiência;

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e

III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.

§ 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento.

§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.

§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei.

§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.

 

Obs: esse art. 20-B somente entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2022.

 

Critério vincula o INSS

Vale ressaltar que esse critério de 1/4 ou de 1/2 vincula apenas o INSS na concessão administrativa do benefício. Isso porque, segundo decidiu o STF, o Poder Judiciário, quando analisa a possibilidade ou não de concessão judicial do BPC está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 (ou 1/2) do salário-mínimo previsto na Lei (STF. Plenário. RE 567985/MT e RE 580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18/4/2013).

 

Revisão periódica do BPC

Conforme vimos acima, o benefício de prestação continuada deve ser pago

- à pessoa com deficiência ou ao idoso com 65 anos ou mais

- desde que essa pessoa com deficiência ou esse idoso comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Algumas vezes esses requisitos podem estar presentes no momento da concessão, no entanto, posteriormente, em razão de alterações fáticas supervenientes, eles deixam de existir. É o caso, por exemplo, de um casal que é pai de um filho com deficiência. No momento da concessão, os pais estavam desempregados. No entanto, posteriormente, a mãe foi aprovada em um concurso público e passou a receber uma remuneração com a qual pode prover o sustento da família. Assim, um dos requisitos para o benefício (situação de miserabilidade) deixou de existir.

Pode-se dizer, portanto, que a concessão e a manutenção do BPC obedecem à cláusula rebus sic stantibus, podendo o benefício ser cancelado se, posteriormente, um dos requisitos não mais estiver presente.

Pensando nisso, o legislador previu, no art. 21 da Lei nº 8.742/91, a necessidade de o INSS reanalisar, a cada dois anos, a situação do beneficiário do BPC a fim de verificar se ainda estão preenchidos os requisitos que levaram à concessão do benefício. Confira a redação legal:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

 

Nessa revisão periódica, o INSS pode cancelar um benefício assistencial que tenha sido concedido pela via judicial?

Para facilitar o entendimento, vou responder essa pergunta a partir da análise da seguinte situação hipotética:

João, alegando que possui deficiência visual, ingressou com requerimento administrativo no INSS pedindo a concessão de BPC.

O pedido foi negado pela autarquia.

Diante disso, ele propôs ação no Juizado Especial Federal, tendo sido concedido o benefício por meio de sentença judicial transitada em julgado.

João ficou recebendo o LOAS por dois anos, quando, então, foi chamado ao INSS para uma nova avaliação, conforme prevê o art. 21 da Lei nº 8.742/93 acima transcrito.

Nessa nova avaliação, o INSS percebeu que João teria sido recentemente aprovado em um concurso público e que, portanto, adquiriu meios de se sustentar. Por essa razão, após um processo administrativo no qual foram assegurados o contraditório e a ampla defesa, o INSS decidiu por cancelar o benefício.

Inconformado, João propôs nova ação no JEF, alegando que a decisão do INSS violou o “princípio do paralelismo das formas”.

 

O que significa esse princípio?

Princípio do paralelismo das formas é um postulado existente em diversos ramos do Direito e significa que uma situação jurídica somente pode ser extinta ou modificada por outro instrumento jurídico que ostente a mesma forma daquele que a criou.

O mesmo instrumento empregado para se instituir algo deve também ser utilizado para se extingui-lo.

É também chamado de homologia ou princípio da congruência das formas.

Assim, a tese de João foi a seguinte: o benefício foi concedido por decisão judicial; logo, ele somente poderá ser cancelado por decisão judicial (e nunca por decisão administrativa), sob pena de se estar violando o princípio do paralelismo das formas.

 

A tese é acolhida pelo STJ?

NÃO. O STJ tem entendimento consolidado no sentido de que:

O INSS pode suspender ou cancelar administrativamente o “benefício de prestação continuada” (LOAS) que havia sido concedido judicialmente, desde que garanta previamente ao interessado o contraditório e a ampla defesa.

Não se aplica, ao caso, o princípio do paralelismo das formas, que não é um princípio absoluto.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.429.976-CE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/2/2014 (Info 536).

 

Não se deve invocar o princípio do paralelismo das formas por quatro motivos:

1) a legislação previdenciária, que é muito prolixa, não faz essa exigência, não podendo o Poder Judiciário criar obstáculos ao INSS que não estejam previstos na lei;

2) essa exigência contraria a razoabilidade e a proporcionalidade, uma vez que o processo administrativo previdenciário, respeitado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, é suficiente para avaliar a suspensão/cancelamento do benefício. Além disso, nada impede que a parte lesada busque posterior revisão judicial;

3) a coisa julgada formada em favor do beneficiário possui natureza rebus sic stantibus, pois a imutabilidade dos efeitos da decisão transitada em julgado só persiste enquanto mantida a mesma situação fática;

4) a grande maioria dos benefícios de amparo assistencial acaba sendo concedida por meio de decisão judicial. Se fosse ser adotado o princípio do paralelismo das formas, isso acarretaria uma demanda excessiva sobre a Procuradoria Federal e o Poder Judiciário, além da necessidade de o beneficiário ter que buscar um advogado ou Defensor Público para se defender no processo judicial.

 

Assim, não é necessária a observância do princípio do paralelismo das formas nos casos de suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário.

O que a jurisprudência do STJ exige é a concessão do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal sempre que houver necessidade de revisão do benefício previdenciário, por meio do processo administrativo previdenciário, impedindo, com isso, o cancelamento unilateral por parte da autarquia.

 

Esse entendimento jurisprudencial acima explicado foi reforçado pela Lei nº 14.176/2021, que acrescentou o § 5º ao art. 21 da Lei nº 8.742/93 prevendo:

Art. 21 (...)

§ 5º O beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada concedido judicial ou administrativamente poderá ser convocado para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, sendo-lhe exigida a presença dos requisitos previstos nesta Lei e no regulamento.

 

Avaliação da deficiência e grau de impedimento

A concessão do benefício assistencial ao deficiente ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93:

Art. 20 (...)

§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146/2015)

 

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) diz como deve ser feita a avaliação da deficiência. Confira o que ele diz:

Art. 2º (...)

§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:

I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;

III - a limitação no desempenho de atividades; e

IV - a restrição de participação.

 

Essa avaliação será feita por meio de “instrumentos” que serão ainda regulamentados em ato infralegal do Poder Executivo federal, conforme determinou o art. 2º, § 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência:

Art. 2º (...)

§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.

 

A Lei nº 14.176/2021 acrescentou o art. 40-B na Lei nº 8.742/93 tratando sobre o tema:

Art.  40-B. Enquanto não estiver regulamentado o instrumento de avaliação de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação do grau da deficiência e do impedimento de que trata o § 2º do art. 20 desta Lei, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas, respectivamente, pela Perícia Médica Federal e pelo serviço social do INSS, com a utilização de instrumentos desenvolvidos especificamente para esse fim.

 

Cobrança administrativa de valores indevidamente recebidos pelo beneficiário

Se o beneficiário de BPC (art. 20 da Lei nº 8.742/93) ou de auxílio-inclusão (art. 26-A da Lei nº 8.742/93) receberem eventualmente algum valor a mais do que seria devido, a Lei nº 14.176/2021 autorizou que o INSS desconte esse valor do próprio benefício recebido mensalmente. Veja o artigo inserido na Lei nº 8.742/93:

Art. 40-C.  Os eventuais débitos do beneficiário decorrentes de recebimento irregular do benefício de prestação continuada ou do auxílio-inclusão poderão ser consignados no valor mensal desses benefícios, nos termos do regulamento. (acrescentado pela Lei nº 14.176/2021)

 

Regras excepcionais para análise da deficiência válidas até 31/12/2021

Os anos de 2020 e 2021 exigiram adaptações nos procedimentos administrativos em razão da pandemia decorrente da Covid-19. O legislador, atento a essa realidade, estabeleceu duas regras excepcionais e transitórias que serão aplicáveis à análise dos pedidos de BPC até 31/12/2021.

Confira o que diz o art. 3º da Lei nº 14.176/2021:

Art. 3º Para avaliação da deficiência que justifica o acesso, a manutenção e a revisão do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, fica o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) autorizado a adotar as seguintes medidas excepcionais, até 31 de dezembro de 2021:

I – realização da avaliação social, de que tratam o § 6º do art. 20 e o art. 40-B da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, por meio de videoconferência; e

II – concessão ou manutenção do benefício de prestação continuada aplicado padrão médio à avaliação social, que compõe a avaliação da deficiência de que trata o § 6º do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, desde que tenha sido realizada a avaliação médica e constatado o impedimento de longo prazo.

 

§ 1º É vedada a utilização da medida prevista no inciso II do caput deste artigo para indeferimento de requerimentos ou para cessação de benefícios.

§ 2º Os requisitos para aplicação das medidas previstas no caput deste artigo serão definidos em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS.

§ 3º O prazo de aplicação das medidas previstas no caput deste artigo poderá ser prorrogado mediante ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS.

 

 

Márcio André Lopes Cavalcante

Juiz Federal