segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Requisitos estipulados pelo STF para a validade da decretação da prisão temporária

 

Prisão temporária

A prisão temporária é...

- uma espécie de prisão cautelar (prisão antes da sentença condenatória definitiva)

- prevista não no CPP, mas sim na Lei nº 7.960/89

- decretada durante a fase de investigação criminal (antes da ação penal)

- somente cabível em casos envolvendo determinados crimes mais graves previstos na Lei.

A prisão temporária, ao lado da prisão em flagrante e da prisão preventiva, configura uma das modalidades de prisão cautelar. Ela ostenta natureza pré-processual e tem a finalidade de assegurar o resultado útil da investigação criminal.

 

Hipóteses

O art. 1º da Lei nº 7.960/89 prevê as hipóteses de cabimento da prisão temporária:

Art. 1º Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

p) crimes previstos na Lei de Terrorismo.

 

ADI

Foram ajuizadas duas ações diretas de inconstitucionalidade contra essa previsão.

A ADI 4109/DF foi proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PDT) e a ADI 3360/DF ajuizada pelo Partido Social Liberal (PSL).

Na ADI 3360, o autor alegou que o art. 1º da Lei nº 7.960/89 contrariaria direitos fundamentais constitucionalmente assegurados e que a decretação da prisão temporária somente seria possível se os requisitos previstos nos incisos do dispositivo questionado estivessem presentes de forma conjunta, sob pena de descumprir o devido processo legal material.

Sustentou, em síntese, que a redação imprecisa dos art. 1º, incisos I, II e III, da Lei nº 7.960/89 provoca controvérsias interpretativas na comunidade jurídica, com soluções desarrazoadas, em ofensa à cláusula do devido processo legal material.

Argumentou a inconstitucionalidade da lei diante do direito à liberdade provisória e da presunção de inocência, por ser uma modalidade de prisão com menos requisitos que a prisão preventiva e, portanto, inconstitucional.

 

O que o STF decidiu?

O STF, julgando conjuntamente as duas ações, julgou parcialmente procedentes os pedidos para dar interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1º da Lei 7.960/89.

Em outras palavras, o STF afirmou que a prisão temporária é constitucional, mas desde que siga os critérios de interpretação fixados pela Corte.

Vamos entender um pouco mais abaixo.

 

Inciso I. Pela análise do inciso I do art. 1º, percebe-se que a prisão temporária é uma prisão criada para servir aos interesses da investigação criminal. O objetivo dessa prisão é facilitar a investigação criminal. Diante disso, indaga-se: esse inciso I é constitucional? É possível uma espécie de prisão criada com esse objetivo?

SIM.

A prisão temporária, como vimos acima, é uma espécie de prisão de natureza cautelar.

A CF/88 autoriza a imposição de prisões cautelares no inciso LXI do art. 5º:

Art. 5º (...)

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

 

No entanto, como a Constituição consagra o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII), toda prisão cautelar (inclusive a prisão temporária) deve ser considerada como medida excepcionalíssima e somente se mostra cabível quando preenchidos os estritos requisitos legais e de forma devidamente fundamentada pela autoridade judicial competente.

Assim, desde que respeitado o princípio da não culpabilidade (que veda a execução antecipada da pena), nada impede que o legislador ordinário estabeleça uma modalidade de prisão cautelar voltada a assegurar o resultado útil da investigação criminal ou do processo penal.

Vale ressaltar que, além da Constituição Federal, a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos também não impedem ou proíbem a criação de prisões cautelares pelos Estados-partes.

Importante esclarecer, contudo, que a prisão temporária não pode servir como uma prisão para averiguação.

Leonardo Barreto Moreira Alves nos explica o que é uma prisão para averiguação, sendo ela inconstitucional:

“Antes da Constituição Federal de 1988, havia no país a denominada prisão para averiguações, que era uma prisão realizada pela polícia, sem ordem judicial, para auxiliar as suas atividades rotineiras e cotidianas de investigação, ou seja, no intuito de verificar se a pessoa presa possuía qualquer vínculo com alguma infração penal ou mesmo para apurar a sua vida pregressa, consultando, por exemplo, se havia contra ela algum mandado de prisão em aberto ou se estava foragida.

Com o advento da Carta Magna de 1988, passou-se a exigir, como regra, ordem judicial para a efetivação das prisões (cláusula de reserva de jurisdição), salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar e na prisão em flagrante. Em razão disso, a polícia não mais pôde proceder à prisão para fins de averiguações por conta própria, necessitando, para tanto, da autorização do juízo competente. Esclareça-se, contudo, que a exigência de ordem judicial para a prisão não impede seja feita abordagem policial, se preciso, solicitando identificação de indivíduos ou realizando busca pessoal deles: impede-se apenas a prisão sem autorização judicial para esse fim. No mais, atualmente, a simples prisão para averiguações (sem ordem judicial) é ilegal, configurando a prática de crime de abuso de autoridade (art. 9º, caput, da Lei nº 13.869/19).” (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 1097).

 

Conforme vimos acima, a prisão para averiguação não é compatível com a Constituição Federal de 1988.

Desse modo, não se pode admitir qualquer interpretação que transforme a prisão temporária em um meio de prisão para averiguação.

De igual forma, a prisão temporária não pode violar o direito à não autoincriminação.

A pessoa, ainda que suspeita de um crime, tem o direito de não se autoincriminar. Isso inclui o direito de não ser obrigada a ser interrogada.

Logo, a prisão temporária não pode servir como um instrumento para se impor, por vias transversas, que a pessoa preste depoimento na fase inquisitorial.

 

Inciso II. Não se trata de requisito necessário para a decretação da prisão temporária nem pode ser utilizado isoladamente para se decretar a custódia de ninguém

O inciso II do art. 1º da Lei nº 7.960/89 afirma que:

Art. 1º Caberá prisão temporária:

(...)

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

 

O STF explicou que esse inciso II do art. 1º da Lei nº 7.960/89, mostra-se dispensável ou, quando interpretado isoladamente, é inconstitucional.

Isso porque ou a circunstância de o representado não possuir residência física evidencia de modo concreto que a prisão temporária é imprescindível para as investigações (inciso I) ou não se pode decretar a prisão pelo simples fato de que alguém não possui endereço fixo.

Nesse sentido, não é constitucional a decretação da prisão temporária quando se verificar, por exemplo, apenas uma situação de vulnerabilidade econômico-social – pessoas em situação de rua, desabrigados – por violação ao princípio constitucional da igualdade em sua dimensão material.

 

Inciso III. O rol ali previsto é taxativo

O STF também decidiu que o rol do inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/89 é taxativo.

Trata-se de uma opção feita pelo Poder Legislativo, que, dentro de sua competência constitucional, entendeu que deveria dar especial atenção a determinados crimes. Essa escolha é perfeitamente compatível com a Constituição Federal.

Esse rol não admite analogia ou interpretação extensiva. Isso porque quando se está em jogo a imposição de medidas cautelares penais restritivas da liberdade individual, vigora o princípio da legalidade estrita.

O processo penal não é apenas forma, mas também garantia limitadora do direito de punir estatal, o qual deverá ocorrer sem arbítrios, estritamente com base na lei e, sobretudo, na Constituição Federal.

Dessa maneira, para que a intervenção estatal opere nas liberdades individuais com legitimidade, é necessário o respeito à estrita legalidade e às garantias fundamentais.

 

Novo requisito instituído pelo STF e não previsto na Lei nº 7.960/89: existência de fatos novos e contemporâneos (aplicação do § 2º do art. 312 do CPP à prisão temporária)

O art. 312, § 2º do CPP prevê o seguinte:

Art. 312 (...)

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

 

A doutrina denomina isso de princípio da atualidade ou contemporaneidade, segundo o qual a urgência no decreto de uma medida cautelar deve ser contemporânea à ocorrência do fato que gera os riscos que tal medida pretende evitar.

“A contemporaneidade diz respeito aos fatos que autorizam a medida cautelar e os riscos que ela pretende evitar, sendo irrelevante, portanto, se a prática do delito é atual ou não.

(...)

Por exemplo, se um crime é cometido em 2018 e o réu ameaça seriamente de morte testemunha-chave da acusação em 2021, é possível o decreto da prisão preventiva por conveniência da instrução criminal nesse mesmo ano; todavia, se a ameaça às testemunhas se deu em 2018, não se verifica a contemporaneidade do decreto da preventiva proferido em 2021.

(...)

Ademais, a contemporaneidade não está diretamente vinculada ao início ou ao fim de uma investigação criminal, tampouco à data da prática do fato delitivo, e sim à necessidade da medida cautelar, o que pode se revelar a qualquer tempo. É possível que uma investigação dure anos e, mesmo assim, ser constatada a necessidade de uma prisão preventiva, o que se dá principalmente em crimes de grande complexidade.” ((Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 984-985).

 

Desse modo, a motivação da prisão preventiva deve estar baseada em fatos novos ou contemporâneos. Não se pode decretar a prisão com base em fatos antigos.

Ainda que esse dispositivo tenha sido pensado para a prisão preventiva, o STF afirmou que ele deve ser obrigatoriamente aplicado também para a prisão temporária.

Trata-se não apenas de uma decorrência lógica da própria cautelaridade das prisões provisórias, como também consequência do princípio constitucional da não culpabilidade.

Vale ressaltar, mais uma vez, que esse dispositivo não impede que a prisão temporária seja decretada por crimes antigos. O que se proíbe apenas é a imposição de prisão caso não haja fato contemporâneo ao decreto que justifique, de maneira objetiva, o periculum libertatis.

 

Novo requisito instituído pelo STF e não previsto na Lei nº 7.960/89: aplicação do art. 282, II, do CPC à prisão temporária

A prisão temporária deve, ainda, ser adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado, nos termos do art.  282, inciso II, CPP:

Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:          

(...)

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

 

Ainda que a prisão temporária esteja prevista em lei extravagante (Lei nº 7.960/89), o art. 282, II, do CPP traz uma regra geral de aplicação a incidir sobre todas as modalidades de medida cautelar – seja de prisão ou não –, as quais, em atenção ao princípio da proporcionalidade, devem observar a necessidade e a adequação em vista da gravidade do crime, das circunstâncias do fato e das condições pessoais do representado.

 

STF afirmou que não se deve aplicar o art. 313 do CPP à prisão temporária

O art. 313 do CPP prevê o seguinte:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

 

Havia uma posição que defendia que esse art. 313 também fosse aplicado para a prisão temporária. O STF não acolheu esse entendimento.

Não se pode adotar interpretação que exija, para a prisão temporária, a observância do art. 313 do CPP.

Isso porque se trata de dispositivo específico para a prisão preventiva, uma vez que, no caso da prisão temporária, o legislador ordinário, no seu legítimo campo de conformação, já escolheu os delitos que julgou de maior gravidade para sua imposição (inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/89).

Entender de modo diverso implicaria confusão entre os pressupostos de decretação das prisões preventiva e temporária, bem como violação aos princípios da legalidade e da separação entre os poderes

 

STF não declarou a inconstitucionalidade da expressão “será” prevista no caput art. 2º da Lei nº 7.960/89

O caput do art. 2º da Lei nº 7.960/89 prevê o seguinte:

Art. 2º A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

 

Argumentava-se que esse verbo “será” deveria ser declarado inconstitucional porque imporia uma obrigação de o juiz sempre decretar a prisão temporária.

O STF não concordou com essa linha de raciocínio.

Apesar de o dispositivo utilizar a expressão “será”, isso não significa que o magistrado seja sempre obrigado a decretar a prisão. A decretação da prisão terá que ser obrigatoriamente fundamentada levando-se em consideração os aspectos acima mencionados.

Logo, o STF decidiu que não é incompatível com o texto constitucional a expressão “será” prevista no art. 2º, caput, da Lei nº 7.960/89 já que a decretação da prisão temporária não se revela como medida compulsória, devendo ser obrigatoriamente fundamentada (§ 2º do art. 2º da Lei nº 7.960/89 e art. 93, IX, da CF/88).

 

STF não declarou a inconstitucionalidade do prazo de 24h previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 7.960/89

O § 2º do art. 2º da Lei nº 7.960/89 prevê o seguinte:

Art. 2º (...)

§ 2º O despacho que decretar a prisão temporária deverá ser fundamentado e prolatado dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação ou do requerimento.

 

Havia pedido para que esse prazo fosse declarado inconstitucional. O STF não concordou com isso.

O prazo de 24 horas previsto no art. 2º, § 2º, da Lei nº 7.960/89 não possui qualquer vício de inconstitucionalidade considerando que:

• trata-se de prazo impróprio (que não produz consequências processuais caso seja descumprido); e

• que se justifica pela urgência na análise do pedido pelo magistrado visando à eficiência das investigações.

 

Resumindo o que o STF decidiu:

A decretação de prisão temporária somente é cabível quando

(i) for imprescindível para as investigações do inquérito policial;

(ii) houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado;

(iii) for justificada em fatos novos ou contemporâneos;

(iv) for adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado; e

(v) não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas.

STF. Plenário. ADI 4109/DF e ADI 3360/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia, redator para o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 11/2/2022 (Info 1043).



sábado, 26 de fevereiro de 2022

Revisão para o concurso de Defensor Público do Tocantins

Olá amigos do Dizer o Direito,

Está disponível a revisão para o concurso de Defensor Público do Estado do Tocantins (DPE-TO).













INFORMATIVO Comentado 724 STJ (completo e resumido)

Olá, amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

þ Baixar versão COMPLETA:



 



þ Baixar versão RESUMIDA:



 



Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 724 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

APOSENTADORIA

§  Até a edição da EC 103/2019, é admissível, aos servidores públicos, a conversão do tempo de serviço especial em comum objetivando a contagem recíproca de tempo de serviço.

 

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

§   É possível cobrar um valor da concessionária de serviço público pelo fato de ela estar utilizando faixas de domínio de uma rodovia?

 

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

§   Competência para julgar ação de improbidade proposta por Município contra ex-prefeito que não prestou contas de convênio federal.

 

DIREITO CIVIL

CONDOMÍNIO

§  Não cabe o arbitramento de aluguel em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO

§  A inexistência de responsabilidade solidária por fato do produto entre os fornecedores da cadeia de consumo impede a extensão do acordo feito por um réu em benefício do outro.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECLAMAÇÃO

§  É cabível condenação em honorários advocatícios no julgamento de reclamação indeferida liminarmente na qual a parte comparece espontaneamente para apresentar defesa.

 

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A HONRA (INJÚRIA)

§  O crime de injúria praticado pela internet por mensagens privadas, as quais somente o autor e o destinatário têm acesso ao seu conteúdo, consuma-se no local em que a vítima tomou conhecimento do conteúdo ofensivo.

 

LEI MARIA DA PENHA

§  Não cabe o arbitramento de aluguel em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  É ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo Ministério Público.

§  O MP pode requerer diretamente que a Apple, Google etc guardem os registros de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão de pessoas investigadas enquanto se aguarda pedido de quebra de sigilo de dados.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA

§   Prescrição para ajuizamento da ação de complementação de aposentadoria envolvendo a Portaria nº 966/1947 do Banco do Brasil.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Em uma investigação criminal, o Ministério Público pode requisitar diretamente da Receita Federal a declaração de imposto de renda do investigado?


Para entendermos o julgado, é necessário revisarmos alguns temas preliminares. 

É POSSÍVEL QUE O FISCO REQUISITE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INFORMAÇÕES BANCÁRIAS SOBRE OS CONTRIBUINTES SEM INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO?

O sigilo bancário é protegido pela CF/88?

SIM. A CF/88 não utiliza a expressão “sigilo bancário”, mas isso está sim protegido em dois incisos do art. 5º da CF/88. Confira:

Art. 5º (...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;  

(...)

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; 

 

O legislador infraconstitucional reafirmou a proteção ao sigilo bancário no caput do art. 1º da LC 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras:

Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

 

No § 1º do art. 1º da LC 105/2001, o legislador elenca quem são consideradas instituições financeiras. A lista é extensa e abrange bancos de qualquer espécie, distribuidoras de valores mobiliários, corretoras de câmbio e até as bolsas de valores.

 

Para que haja acesso aos dados bancários (“quebra do sigilo bancário”), é necessário autorização judicial?

Em regra, sim. Em regra, para que se tenha acesso aos dados bancários de uma pessoa, é necessário prévia autorização judicial por se tratar de verdadeira cláusula de reserva de jurisdição.

 

E no caso do Fisco (Administração Tributária)? A Receita Federal pode requisitar, sem autorização judicial, informações bancárias das instituições financeiras?

SIM. Essa possibilidade está prevista no art. 6º da LC 105/2001.

O art. 6º afirma que as autoridades e os agentes fiscais tributários podem ter acesso às movimentações bancárias, mesmo sem autorização judicial, desde que exista um processo administrativo instaurado ou um procedimento fiscal em curso e essas informações sejam indispensáveis. Confira:

Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

 

Logo, a lei autoriza que a Receita Federal requisite diretamente das instituições financeiras informações sobre as movimentações bancárias dos contribuintes.

 

Exemplo:

Samuel era sócio administrador de uma empresa.

A Receita Federal instaurou procedimento fiscal contra a sociedade empresária sob a suspeita de que estaria havendo sonegação de tributos.

No curso do procedimento, a Receita, sem autorização judicial, requisitou diretamente do banco, os extratos com as movimentações bancárias da pessoa jurídica.

A Receita fundamentou sua requisição no art. 6º da LC nº 105/2001.

De posse dos extratos fornecidos pelo banco, o Fisco constatou que realmente houve sonegação de tributos e, por conta disso, autuou a pessoa jurídica e fez a constituição definitiva do crédito tributário.

 

Tudo bem. Entendi que a Lei prevê essa possibilidade. Mas tal previsão é constitucional? Este art. 6º da LC 105/2001, que autoriza o Fisco a ter acesso a informações bancárias sem autorização judicial, é compatível com a CF/88?

SIM. Em 2016, o STF decidiu que o art. 6º da LC 105/2001 é CONSTITUCIONAL:

As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios podem requisitar diretamente das instituições financeiras informações sobre as movimentações bancárias dos contribuintes. Esta possibilidade encontra-se prevista no art. 6º da LC 105/2001, que foi considerada constitucional pelo STF. Isso porque esta previsão não se caracteriza como “quebra” de sigilo bancário, ocorrendo apenas a “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco.

STF. Plenário. ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016 (Info 815).

STF. Plenário. RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016 (repercussão geral) (Info 815).

 

É LEGÍTIMO O COMPARTILHAMENTO DOS DADOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL COM MINISTÉRIO PÚBLICO MESMO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

Em 2019, o STF debateu um desdobramento do tema acima explicado. O debate jurídico travado foi agora o seguinte: é possível que as informações bancárias obtidas pelo Fisco sem autorização judicial sejam compartilhadas com o Ministério Público para serem utilizadas em processos criminais?

Vamos entender melhor este tema com o seguinte exemplo:

Samuel era sócio administrador de uma empresa.

A Receita Federal instaurou procedimento fiscal contra a sociedade empresária sob a suspeita de que estaria havendo sonegação de tributos.

No curso do procedimento, a Receita, sem autorização judicial, requisitou diretamente do banco, os extratos com as movimentações bancárias da empresa (art. 6º da LC nº 105/2001).

De posse dos extratos, o Fisco constatou que realmente houve sonegação de tributos e, por conta disso, autuou a pessoa jurídica e fez a constituição definitiva do crédito tributário. Até aqui temos apenas um processo administrativo-tributário (cobrança de tributos e multas).

Ocorre que a Receita Federal, após o procedimento administrativo e constituição do débito tributário, encaminhou ao Ministério Público Federal uma “Representação Fiscal Para Fins Penais (RFFP)”, com os dados regularmente obtidos no curso da fiscalização e remetidos em caráter sigiloso pelo banco.

Vale ressaltar que é um dever da Receita encaminhar as representações fiscais para fins penais ao Ministério Público, se constatada possível prática de ilícito penal, conforme prevê o art. 83 da Lei nº 9.430/96:

Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

 

O Procurador da República, com base nesses elementos informativos, denunciou Samuel como incurso no crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 (sonegação fiscal):

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

(...)

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

 

Ao se defender, Samuel sustentou a ilicitude da prova colhida (extratos bancários) alegando que teria havido uma quebra de sigilo bancário sem autorização judicial.

Desse modo, esses dados não poderiam ser utilizados pelo Ministério Público no processo penal.

 

Desde 2016, não havia mais dúvidas de que o Fisco poderia requisitar diretamente as informações bancárias. Isso está previsto no art. 6º da LC 105/2001 e foi considerado constitucional pelo STF. A dúvida, como já dito, era a seguinte: esses dados podem ser compartilhados com o Ministério Público para serem utilizados em processos criminais?

SIM. Em 2019, o STF pacificou que:

É legítimo que a Receita Federal compartilhe o procedimento fiscalizatório que ela realizou para apuração do débito tributário com os órgãos de persecução penal para fins criminais (Polícia Federal, Ministério Público etc.), não sendo necessário, para isso, prévia autorização judicial.

STF. Plenário. RE 1055941/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 4/12/2019 (Repercussão Geral – Tema 990) (Info 962).

 

Garantia constitucional do sigilo não é absoluta

A Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X) e a inviolabilidade de dados (art. 5º, XII). Como decorrência dessas garantias, o texto constitucional protege os dados financeiros, o sigilo bancário e o sigilo fiscal. Entretanto, essa garantia não é absoluta.

Seja no direito constitucional brasileiro, seja no direito comparado, os direitos fundamentais não podem servir como escudo protetivo à prática de atividades ilícitas, de atividades criminosas. Não é essa a finalidade das garantias individuais, das liberdades públicas.

Em virtude de não se permitir um desvio de finalidade, não há mais dúvidas de que existe a possibilidade de relativização dessas inviolabilidades se existirem situações excepcionais, razoáveis e proporcionais.

 

Relatividade dos direitos fundamentais é prevista em documentos internacionais

A proteção lícita do exercício dos direitos fundamentais é prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Em seu art. XXIX, o documento afirma tanto a finalidade quanto a relatividade dos direitos individuais.

Na finalidade, sujeita o exercício dos direitos e liberdades individuais às limitações estabelecidas pela lei.

 

Restrições excepcionais às liberdades públicas são constitucionais

Diante desse caráter relativo, pode-se concluir que não existe inconstitucionalidade na previsão de excepcionais restrições às liberdades públicas, inclusive à intimidade, à vida privada e ao sigilo de dados, desde que a finalidade seja garantir direitos e liberdades dos demais membros da sociedade às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

A excepcional relativização das liberdades públicas, dentro de critérios razoáveis, é possível no âmbito dos três Poderes, salvo quando exista expressamente cláusula de reserva jurisdicional, que não é a situação em apreço.

No caso do sigilo financeiro, principalmente, há uma finalidade internacional da defesa da probidade, combate à criminalidade organizada e à corrupção.

 

O raciocínio jurídico construído na decisão do STF de 2016 pode ser aplicado aqui

O STF, ao julgar, em 24/02/2016, as ADIs 2390, 2386, 2397 e 2859 e o RE 601314/SP, declarou ser possível à Receita o acesso a dados genéricos e, se houver indícios de irregularidades e presentes os pressupostos legais, a instituição de procedimento fiscalizatório, admitida a quebra do sigilo fiscal e bancário, para verificar se há ou não ilicitude.

Naquela ocasião, o STF entendeu que a previsão do art. 6º da LC 105/2001, que relativizava o sigilo financeiro e o sigilo de dados, atendia aos requisitos de excepcionalidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Cumpridos os padrões internacionais, esse compartilhamento, mecanismo de inteligência financeira, tinha dupla finalidade: evitar o descumprimento de normas tributárias e combater práticas criminosas.

 

A atuação da Receita Federal ocorre em dois estágios

A atuação da Receita Federal, nestes casos, ocorre em dois estágios importantes e sequenciais:

Primeiro estágio

Previsto no art. 5º da LC 105/2001

É a possibilidade de acesso às operações bancárias, limitado aos dados genéricos e cadastrais dos correntistas, vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar a origem ou natureza dos gastos efetuados.

É um acesso amplo ou sistêmico.

Se, desses dados genéricos, surgirem informações indicativas da prática de um ilícito tributário, passa-se ao segundo estágio.

Segundo estágio

Previsto no art. 5º, § 4º, e art. 6º da LC 105/2001

Há um acesso incidental.

Aqui, a Receita, após instaurar um procedimento específico, poderá requisitar as informações e os documentos necessários, realizar fiscalização e auditoria para a apuração dos fatos.

Conforme já explicado, é preciso haver a instauração de procedimento administrativo fiscal por ordem de superior hierárquico e com prévia intimação do contribuinte. Se não o instaurar, a Receita não poderá quebrar o sigilo.

Para evitarem-se abusos, há normas que disciplinam com rigor o procedimento.

Percentualmente, o número de procedimentos que chegam ao segundo estágio é muito pequeno.

 

Por que é importantíssimo destacar a existência dessa sequência?

Porque, para chegar até o Ministério Público, vai ter que passar pelo primeiro estágio, vai ter que passar pelo segundo estágio.

Nesse segundo estágio, faz-se um filtro, e só o que for imprescindível é que pode ou não ser compartilhado com o Ministério Público.

De um mar de informações e de cruzamento de dados, no primeiro estágio, há um funil estreito para o segundo estágio, que é o acesso amplo e sistêmico. E mesmo desse, poucos casos irão ao Ministério Público, porque, muitos casos são de informações errôneas ou omissão não dolosa que o contribuinte corrige imediatamente. Ou seja, o funil é gigantesco do primeiro para o segundo estágio; e, também, é grande do segundo estágio para o compartilhamento para fins penais.

E esse segundo estágio só ocorre se houver anomalia no cruzamento de dados genéricos.

 

Trata-se de prova emprestada

Não permitir a informação da íntegra do procedimento fiscalizatório, com todos os dados fiscais e bancários a partir dos quais verificada a materialidade e indícios de autoria, vai contra o mecanismo legal de relativização.

Não há sentido em se produzir prova lícita, obtida de acordo com a Constituição e a legislação, e não permitir o compartilhamento com o titular da ação penal, que é outro órgão de fiscalização.

O compartilhamento dessa prova, obtida mediante procedimento regular, nada mais é que típica prova emprestada, lícita. Somente serão enviadas as informações imprescindíveis. Deverá ser encaminhada a prova lícita, produzida durante o procedimento que ensejou o lançamento definitivo do tributo e trouxe indícios de autoria de um crime material contra a ordem tributária. Isso porque apenas a partir do lançamento definitivo, conforme o Enunciado 24 da Súmula Vinculante do STF, a materialidade do delito fica constatada. Relembre:

Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

 

Receita pode enviar a integralidade do procedimento

A Receita pode enviar tudo — dados, provas, informações — que a fez chegar ao lançamento definitivo do tributo e embasá-lo, por ser necessário à constituição da materialidade na infração penal. O restante, como já é feito, ou se devolve ao contribuinte ou se destrói.

Eventual excesso, qualquer desvio formal ou material dessa atuação, deve ser combatido e poderá ser afastado pelo Poder Judiciário. O que se está dizendo é que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade no compartilhamento entre Receita e Ministério Público das provas e dados imprescindíveis à conformação e ao lançamento do tributo.

 

 

É ILEGAL A REQUISIÇÃO, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, DE DADOS FISCAIS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Imagine agora a seguinte situação adaptada:

O Ministério Público Federal instaurou procedimento de investigação criminal contra Regina.

Sem prévia autorização judicial, o Procurador da República requisitou diretamente da Receita Federal cópias das declarações de imposto de renda de Regina e da pessoa jurídica da qual ela é sócia.

A Receita Federal forneceu os dados e o Ministério Público os utilizou para instruir uma ação penal contra Regina.

 

Essa prova é lícita/válida?

NÃO.

O STF, ao julgar o RE 1.055.941/SP, firmou a orientação de que:

É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF* e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil (RFB), que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.

STF. Plenário. RE 1.055.941/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 4/12/2019 (Repercussão Geral – Tema 990) (Info 962).

 

Da leitura desatenta da ementa do julgado, poder-se-ia chegar à conclusão de que o STF autorizou também a requisição direta de dados pelo Ministério Público à Receita Federal, para fins criminais. No entanto, a análise acurada do acórdão demonstra que o Supremo não chegou a essa conclusão.

O RE 1.055.941/SP tratou sobre a Representação Fiscal para fins penais, instituto legal que autoriza o compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados relacionados a supostos ilícitos tributários ou previdenciários após devido procedimento administrativo fiscal.

Assim, a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no julgamento do RE 1.055.941/SP, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão.

Vale ressaltar que as poucas referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade.

Em um estado de direito não é possível se admitir que órgãos de investigação, em procedimentos informais e não urgentes, solicitem informações detalhadas sobre indivíduos ou empresas, informações essas constitucionalmente protegidas, salvo autorização judicial.

Uma coisa é órgão de fiscalização financeira, dentro de suas atribuições, identificar indícios de crime e comunicar suas suspeitas aos órgãos de investigação para que, dentro da legalidade e de suas atribuições, investiguem a procedência de tais suspeitas. Outra, é o órgão de investigação, a polícia ou o Ministério Público, sem qualquer tipo de controle, alegando a possibilidade de ocorrência de algum crime, solicitar ao COAF ou à Receita Federal informações financeiras sigilosas detalhadas sobre determinada pessoa, física ou jurídica, sem a prévia autorização judicial.

 

Em suma:

É ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo Ministério Público.

STJ. 3ª Seção. RHC 83.233-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 09/02/2022 (Info 724).