quinta-feira, 31 de março de 2022

É possível a penhora do bem de família para pagar dívida do proprietário com a empreiteira que construiu a casa?

 

Espécies de bem de família

No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família:

a) bem de família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil);

b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90).

 

Bem de família legal

O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar.

Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional).

 

Proteção conferida ao bem de família legal

O bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/90.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João tinha um terreno vazio e contratou a empresa Constrói Ltda. para construir uma casa no local.

O contrato celebrado foi do tipo “empreitada global”. Isso ocorre quando “o cliente contrata a empresa para realizar a obra, tomando esta total responsabilidade por seus custos e execução. O grande benefício desta empreitada é que o cliente não tem preocupação alguma com a execução da obra a não ser o pagamento dos valores acordados nas datas corretas, recebendo ao final do prazo estipulado uma construção sólida, a um custo previamente acordado, pronta para utilização.” (http://www.atilaengenharia.com.br/)

João combinou de pagar R$ 500 mil a empresa pela construção da casa, de forma parcelada em 10 vezes.

Ocorre que ele não pagou as últimas parcelas do contrato com a empresa e ficou devendo o valor de R$ 100 mil, materializado em notas promissórias.

Diante disso, a empresa ajuizou execução de título extrajudicial contra João e o juiz determinou a penhora da casa que foi construída, onde o devedor reside.

João apresentou exceção de pré-executividade alegando que o imóvel é bem de família e, portanto, impenhorável.

A empresa contra argumentou afirmando que a dívida em questão se amolda à exceção legal prevista no art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

 

A questão chegou até o STJ. A penhora sobre o imóvel foi mantida?

SIM.

Como vimos acima, o bem de família é impenhorável, mas essa regra não é absoluta. O próprio art. 3º da Lei nº 8.009/90 prevê uma série de exceções à impenhorabilidade.

O inciso II do art. 3º, acima transcrito, afirma que, se o devedor tomou dinheiro emprestado para financiar a construção ou a aquisição do imóvel, o credor (que emprestou essa quantia) poderá pedir a penhora do bem de família do mutuário.

Verifica-se, portanto, que a situação descrita no inciso II do art. 3º não é idêntica ao caso acima narrado.

O STJ, no entanto, afirmou que, mesmo assim, é possível aplicar o raciocínio do inciso II para essa hipótese.

Em outras palavras, é possível aplicar o inciso II do art. 3º para a cobrança de dívida relacionada com o contrato de empreitada global, por meio do qual o empreiteiro se obriga a construir a obra e a fornecer os materiais.

Essa aplicação é baseada na interpretação teleológica do dispositivo. O intuito do legislador ao prever a exceção legal ora tratada foi o de evitar que aquele que contribuiu para a aquisição ou construção do imóvel ficasse impossibilitado de receber o seu crédito.

Nesse cenário, é nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros.

Em sentido semelhante:

O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família.

Ex: João comprou uma casa antiga para reformar e passar a morar ali com a família. Ele contratou a empresa FB Engenharia para fazer a reforma. A empresa terminou o serviço e João passou a residir no local. Ocorre que ele não pagou as últimas parcelas do contrato com a empresa e ficou devendo R$ 40 mil, materializado em notas promissórias. O imóvel onde João reside poderá ser penhorado para pagar a dívida, sendo essa uma exceção à impenhorabilidade do bem de família. Fundamento: art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90.

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

STJ. 4ª Turma. REsp 1221372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

 

Conforme argumentou o Min. Marco Buzzi:

“quando o legislador utilizou a palavra financiamento, não objetivou restringir a regra da impenhorabilidade somente às hipóteses nas quais a dívida assumida seria quitada com recursos de terceiros (agentes financiadores), mas sim que, quando o encargo financeiro anunciado - operação de crédito - fosse voltado à aquisição ou construção de imóvel residencial, ao credor seria salvaguardado o direito de proceder à penhora do bem.

Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável enriquecimento indevido, haja vista que lhe bastaria assumir o compromisso de quitar a obrigação com recursos próprios para estar autorizado, nos termos da lei, a se locupletar ilicitamente.”

 

Portanto, a dívida relativa a contrato de empreitada global, porque viabiliza a construção do imóvel, está abrangida pela exceção prevista no art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90.

Dito de outro modo: admite-se a penhora do bem de família para saldar o débito originado de contrato de empreitada global celebrado para promover a construção do próprio imóvel.

 

Em suma:

Admite-se a penhora do bem de família para saldar o débito originado de contrato de empreitada global celebrado para promover a construção do próprio imóvel.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.976.743-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/03/2022 (Info 728).


segunda-feira, 28 de março de 2022

INFORMATIVO Comentado 727 STJ (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 727 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

§  Não se exige contraditório prévio à decretação de intervenção em contrato de concessão com concessionária de serviço público.

 

DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO

§  A interrupção da prescrição ocorre somente uma única vez para a mesma relação jurídica, isto é, independentemente de seu fundamento.

 

RESPONSABILIDADE CIVIL

§  É descabido imputar ao banco responsabilidade por reparar danos morais suportados por clientes que tiveram seus nomes citados em reportagem feita por jornal que relatava supostas fraudes na concessão de empréstimos.

 

ARBITRAGEM

§  A impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, devido à ocorrência dos vícios elencados no art. 32 da Lei nº 9.307/96, possui prazo decadencial de 90 dias.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO

§  Se ocorreu um acidente em um espetáculo artístico, a patrocinadora desse evento pode ser responsabilizada?

 

PLANO DE SAÚDE

§  Após o prazo de 30 dias do nascimento, o neonato submetido a tratamento terapêutico e não inscrito no plano de saúde deve ser considerado usuário por equiparação, o que acarreta para ele o direito manter a cobertura recolhendo as mensalidades.

§  É ilegal a cobrança, pelo plano de saúde, de coparticipação em forma de percentual no caso de internação domiciliar não alusiva a tratamento psiquiátrico.

 

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA

§  O roubo em transporte coletivo vazio é circunstância concreta que não justifica a elevação da pena-base.


Revisão para o concurso de Promotor de Justiça do MP/PE

Olá amigos do Dizer o Direito,

Está disponível a revisão para o concurso de Promotor de Justiça do MP/PE.





















sábado, 26 de março de 2022

INFORMATIVO Comentado 1045 STF (completo e resumido)

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ÍNDICE DO INFORMATIVO 1045 DO STF


Direito Constitucional

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

§  Lei estadual pode obrigar empresas de TV por assinatura e estabelecimentos comerciais de venda a fornecerem atendimento telefônico gratuito aos clientes.

 

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS / ADVOCACIA PÚBLICA

§  Lei estadual não pode conceder porte de arma para Procuradores do Estado.

 

DEFENSORIA PÚBLICA

§  A prerrogativa de requisição conferida aos membros da Defensoria Pública é constitucional.

 

ÍNDIOS

§  É necessário que a União e a FUNAI executem e implementem atividade de proteção territorial nas terras indígenas, independentemente de sua homologação.

 

DIREITO ELEITORAL

FINANCIAMENTO ELEITORAL

§  STF mantém nova fórmula de cálculo do valor do FEFC imposta pela Lei 14.192/2021.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO

§  Em regra, a imposição de sigilo a processos administrativos sancionadores, instaurados por agências reguladoras contra concessionárias de serviço público, é incompatível com a Constituição.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  O descumprimento das formalidades exigidas para o reconhecimento de pessoas (art. 226 do CPP) gera a nulidade do ato; o réu condenado será absolvido, salvo se houver provas da autora que sejam independentes.


segunda-feira, 21 de março de 2022

INFORMATIVO Comentado 726 STJ (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 726 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS (PROGRESSÃO FUNCIONAL)

§  A progressão funcional não está elencada no rol de proibições do art. 22, parágrafo único, da LRF (limite prudencial).

 

DIREITO CIVIL

COMPENSAÇÃO

§  A prescrição somente obsta a compensação se for anterior ao momento da coexistência das dívidas.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

SERVIÇOS BANCÁRIOS

§  Banco que tem muitos caixas eletrônicos inoperantes, com falta de numerário nos caixas e muito tempo de espera nas filas é condenado a pagar indenização por danos morais coletivos.

 

DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA

§  Na hipótese de autofalência, inexistindo protestos contra a devedora, o termo legal deve ser fixado em até 90 (noventa) dias antes da distribuição do pedido.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

§  Apenas a prescrição superveniente à formação do título pode ser alegada em cumprimento de sentença.

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO

§  Se a parte pede a expedição de ofício para que sejam requisitados documentos e o juiz nega o requerimento, cabe agravo de instrumento com base no art. 1.105, VI, do CPC.

 

MANDADO DE SEGURANÇA

§  Não cabe mandado de segurança contra ato de dirigente de federação esportiva.

 

DIREITO PENAL

LAVAGEM DE DINHEIRO

§  Na autolavagem não ocorre a consunção entre a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS CRIMINAIS (PIC)

§  É ilegal a utilização, por parte do MP, de peça sigilosa obtida em procedimento em curso no STF para abertura de procedimento investigatório criminal em 1ª instância com objetivo de apuração dos mesmos fatos já investigados naquela Corte.

 

HABEAS CORPUS

§  Não cabe habeas corpus para questionar passaporte vacinal/sanitário.


O descumprimento das formalidades exigidas para o reconhecimento de pessoas (art. 226 do CPP) gera a nulidade do ato; o réu condenado será absolvido, salvo se houver provas da autoria que sejam independentes

 

O que é o reconhecimento de pessoas e coisas?

É um meio de prova, previsto nos arts. 226 a 288 do CPP.

Um indivíduo conhece ou viu determinada pessoa ou coisa que supostamente está relacionado com um crime que está sendo apurado.

Esse indivíduo é chamado pelos órgãos de persecução penal para dizer se a pessoa ou coisa que lhe será mostrada realmente é aquela que ele conhece ou que viu.

Ex: uma testemunha viu a pessoa que matou a vítima e depois fugiu. Tempos depois, a polícia prende um homem suspeito de ser o autor do crime. Esse suspeito será mostrado à testemunha para que ela diga se ele é, ou não, o indivíduo que viu no momento do crime.

 

Formalidades

O art. 226 do CPP descreve um procedimento para a realização do reconhecimento de pessoas e coisas:

1ª etapa: o indivíduo que tiver de fazer o reconhecimento será convidado a descrever a pessoa que deva ser reconhecida. Ex: a pessoa tem aproximadamente 1,80m, pele branca, cabelo preto, uma cicatriz no rosto etc.

2ª etapa: a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança. Em seguida, pede-se para o indivíduo que fará o reconhecimento apontar qual é daquelas pessoas que estão lado a lado.

3ª etapa: algumas vezes, o fato de o indivíduo estar face a face com a pessoa a ser reconhecida pode gerar intimidação ou outra influência negativa que lhe impeça de dizer a verdade. Por isso, a lei permite que a pessoa a ser reconhecida não veja o indivíduo que fará o reconhecimento. Isso é feito, por exemplo, por meio de “vidros espelhados” nos quais somente um dos lados enxerga o outro. Obs: vale ressaltar essa cautela só pode ser feita na fase de investigação pré-processual. Na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento a pessoa a ser reconhecida terá direito de também ver o indivíduo que está lhe reconhecendo, sendo esse ato feito ainda na presença do juiz, do Ministério Público e da defesa.

4ª etapa: será lavrado um auto pormenorizado narrando o que ocorreu no ato de reconhecimento. Esse auto deverá ser subscrito pela autoridade, pelo indivíduo que foi chamado para fazer o reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

 

Obs: no caso de reconhecimento de objeto também deverão ser observadas, no que couber, as cautelas previstas para o reconhecimento pessoal (art. 227).

Obs2: se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas (art. 228).

 

Como vimos acima, o art. 226 do CPP estabelece formalidades para o reconhecimento de pessoas (reconhecimento pessoal). O descumprimento dessas formalidades enseja a nulidade do reconhecimento?

SIM.

1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;

2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;

3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;

4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

STJ. 6ª Turma. HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020 (Info 684).

 

O reconhecimento(fotográfico ou presencial) efetuado pela vítima, em sede inquisitorial, não constitui evidência segura da autoria do delito, dada a falibilidade da memória humana, que se sujeita aos efeitos tanto do esquecimento, quanto de emoções e de sugestões vindas de outras pessoas que podem gerar “falsas memórias”, além da influência decorrente de fatores, como, por exemplo, o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor; o trauma gerado pela gravidade do fato; o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento; as condições ambientais (tais como visibilidade do local no momento dos fatos); estereótipos culturais (como cor, classe social, sexo, etnia etc.).

Diante da falibilidade da memória seja da vítima seja da testemunha de um delito, tanto o reconhecimento fotográfico quanto o reconhecimento presencial de pessoas efetuado em sede inquisitorial devem seguir os procedimentos descritos no art. 226 do CPP, de maneira a assegurar a melhor acuidade possível na identificação realizada.

Tendo em conta a ressalva, contida no inciso II do art. 226 do CPP, a colocação de pessoas semelhantes ao lado do suspeito será feita sempre que possível, devendo a impossibilidade ser devidamente justificada, sob pena de invalidade do ato.

O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial.

STJ. 5ª Turma. HC 652284/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/04/2021.

 

Vimos acima julgados do STJ sobre o tema. O STF comunga do mesmo entendimento?

SIM.

O descumprimento das regras de procedimento do art. 226 do CPP acarreta a nulidade do ato. Logo, esse reconhecimento não poderá ser utilizado para fins decisórios.

 

Procedimento representa uma garantia mínima da pessoa investigada

O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do CPP, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa.

A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em juízo.

 

Se a nulidade do reconhecimento só foi decretada depois de o réu ter sido condenado, isso significa que ele deverá ser absolvido? Ex: o réu foi condenado pelo juiz; em apelação, o TJ decide que o reconhecimento foi nulo porque descumpriu as formalidades; esse réu será absolvido?

Depende:

• Se a condenação somente se fundamentou no reconhecimento: sim. O réu deverá ser necessariamente absolvido.

• Se a condenação se baseou também em outros elementos de prova independentes e não contaminados: não. Neste caso, a condenação poderá ser mantida.

 

Desse modo, se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas.

 

Em suma:

A desconformidade ao regime procedimental determinado no art. 226 do CPP deve acarretar a nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios, justificando-se eventual condenação somente se houver elementos independentes para superar a presunção de inocência.

STF. 2ª Turma. RHC 206846/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/2/2022 (Info 1045).



domingo, 20 de março de 2022

Revisão - Delegado de Polícia Civil do Amazonas - retificada

Olá amigos do Dizer o Direito,

Está disponível a revisão para o concurso de Delegado da Polícia Civil do Amazonas.

OBS: a revisão foi retificada para excluir os julgados sobre improbidade administrativa que não consideravam as mudanças promovidas pela Lei 14.230/2021.














sábado, 19 de março de 2022

Cabe habeas corpus para questionar passaporte vacinal/sanitário?

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

No dia 01 de outubro de 2021, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul publicou o Decreto nº 56.120/2021, exigindo a apresentação de documento que comprove a vacinação contra a Covid-19 para que as pessoas possam circular e permanecer em locais públicos e privados. Trata-se daquilo que, na linguagem popular, ficou conhecido como “passaporte vacinal/sanitário”.

João, advogado, impetrou habeas corpus preventivo contra esse Decreto afirmando que ele estaria cerceando o seu direito fundamental à liberdade de locomoção.

O writ foi impetrado perante o juízo de 1ª instância.

 

Indaga-se: o autor acertou quanto à competência para julgar o habeas corpus?

NÃO.

O habeas corpus impetrado contra ato do Governador do Estado é de competência do STJ, nos termos do art. 105, I, “c”, da CF/88.

 

O autor acertou quanto ao instrumento processual manejado?

Também NÃO.

O habeas corpus não constitui via própria para impugnar Decreto de Governador de Estado sobre adoção de medidas acerca da apresentação do comprovante de vacinação contra a COVID-19 para que as pessoas possam circular e permanecer em locais públicos e privados.

STJ. 2ª Turma. RDC no HC 700.487-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 22/02/2022 (Info 726).

 

O STJ entendeu que, neste caso, o autor está impetrando um habeas corpus contra um ato normativo em tese, o que não se admite conforme entendimento consolidado da jurisprudência:

Súmula 266-STF: Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.

 

A despeito de a Súmula 266 do STF falar em mandado de segurança, ela vale também para habeas corpus.

Assim, o habeas corpus não constitui via própria para o controle abstrato da validade de leis e atos normativos em geral:

O habeas corpus não se traduz em meio adequado para o reconhecimento da ilegalidade de ato normativo em tese.

No caso, a demanda perpassa necessariamente pela análise de inconstitucionalidade em tese de Lei Municipal. Ocorre que o habeas corpus não constitui via própria para o controle abstrato da validade das leis e dos atos normativos em geral, sob pena de desvirtuamento de sua essência.

STJ. 5ª Turma. RHC 104.626/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 6/8/2019.

 

Em sentido semelhante:

Jurisprudência em Teses – Ed. 178:

5) Não é cabível habeas corpus para impugnar ato normativo que fixa medidas restritivas para prevenir a disseminação da covid-19, por não constituir via própria para o controle abstrato da validade de leis e atos normativos em geral.

 

 


sexta-feira, 18 de março de 2022

Cabe mandado de segurança contra ato de dirigente de federação esportiva?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, profissional de Educação Física, impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente da Federação Sergipana de Ciclismo, que impôs uma sanção desportiva contra o autor.

O juiz concedeu a segurança determinando que o impetrado anule a sanção imposta.

O TJ manteve a sentença.

A Federação interpôs recurso especial arguindo a ilegitimidade passiva porque não se pode dizer que o Presidente de uma Federação desportiva seja considerado autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, para fins de mandado de segurança.

 

O STJ concordou com os argumentos da Federação quanto à ilegitimidade passiva?

SIM. Vamos entender com calma.

 

Contra quem é impetrado o mandado de segurança?

De acordo com o art. 5º, LXIX, da Constituição, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for:

• autoridade pública; ou

• agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

 

O caput do art. 1º da Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009) tem regra semelhante:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

 

O § 1º do art. 1º amplia o conceito de autoridade.

Segundo esse dispositivo, equiparam-se às autoridades para fins de mandado de segurança:

Segundo esse dispositivo, equiparam-se às autoridades para fins de mandado de segurança:

• os representantes ou órgãos de partidos políticos;

• os administradores de entidades autárquicas;

• os dirigentes de pessoas jurídicas no exercício de atribuições do poder público (no que disser respeito a essas atribuições);

• as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público (no que disser respeito a essas atribuições).

 

Quem deve ocupar a posição passiva da demanda de mandado de segurança: somente a autoridade apontada como coatora ou a pessoa jurídica a que aquela autoridade se vincula?

Na doutrina, são encontradas três correntes sobre o tema:

i) quem figura como legitimado passivo é apenas a autoridade coatora;

ii) legitimado passivo é somente a pessoa jurídica, de Direito Público ou Privado, a cujos quadros integre a autoridade coatora;

iii) tanto a autoridade como a pessoa jurídica devem figurar no polo passivo, havendo, no caso, um litisconsórcio passivo necessário.

O STJ adota a 1ª corrente, afirmando que o polo passivo deve ser ocupado apenas pela autoridade apontada como coatora, afastando a existência de litisconsórcio necessário com a pessoa jurídica interessada. Isso porque a autoridade coatora atua substituto processual da pessoa jurídica:

O STJ tem entendimento pela não formação de litisconsórcio passivo, em mandado de segurança, entre a autoridade apontada como coatora e o ente federado ou entidade de direito público ao qual é vinculada, porquanto aquela atua como substituto processual.

STJ. 1ª Turma. REsp 1632302/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 03/09/2019.

 

A legitimidade para recorrer também é da autoridade pública?

Aí, não. A legitimidade recursal recai sobre a pessoa jurídica a que vinculada a autoridade apontada como coatora.

A legitimidade recursal na ação mandamental é da pessoa jurídica que suportará o ônus da decisão concessiva da segurança, e não da autoridade impetrada, salvo se pretender recorrer como assistente litisconsorcial ou como terceiro, para efeito de prevenir sua responsabilidade pessoal.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1838062/PA, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 10/08/2020.

 

Natureza jurídica da Federação esportiva

A Federação de Ciclismo é uma associação, ou seja, pessoa jurídica de direito privado (art. 44, I, do CC).

As federações esportivas constituem-se como entidades regionais de administração do desporto, caracterizando-se pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos (desportivos).

O art. 16 da Lei Pelé (Lei nº 9.615/98) trata das associações desportivas:

Art. 16. As entidades de prática desportiva e as entidades de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos ou contratos sociais.

 

Dirigente de federação esportiva não é autoridade pública

Claramente se percebe que o dirigente da federação não se amolda ao conceito de autoridade pública.

 

A federação pode ser considerada como uma pessoa jurídica que exerce atribuições do poder público?

Também não.

O próprio art. 82 da Lei Pelé é explícito neste ponto:

Art. 82. Os dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do desporto, inscritas ou não no registro de comércio, não exercem função delegada pelo Poder Público, nem são consideradas autoridades públicas para os efeitos desta Lei.

 

Logo, não se pode aplicar ao caso o raciocínio da Súmula 510 do STF:

Súmula 510-STF: Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

 

Em suma:

É inviável a subsunção de dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do desporto ao conceito de autoridade pública ou exercício de função pública, sobressaindo o caráter privado dessas atividades, declarando-se a ilegitimidade passiva a obstar o exame de mérito do mandado de segurança.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.348.503-SE, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 22/02/2022 (Info 726).

 

 


quinta-feira, 17 de março de 2022

Banco que tem muitos caixas eletrônicos inoperantes, com falta de numerário nos caixas e muito tempo de espera nas filas é condenado a pagar indenização por danos morais coletivos

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

A Promotora de Justiça de Araguaína (TO) ajuizou ação civil pública contra o Banco do Brasil e o Banco Bradesco alegando três falhas na prestação dos serviços oferecidos por essas instituições financeiras:

1) vários caixas eletrônicos instalados no Município estão inoperantes;

2) os caixas eletrônicos, quando estão funcionando, não possuem dinheiro para saque;

3) o atendimento nas agências bancárias é moroso e os clientes ficam constantemente na fila mais tempo do que prevê a lei municipal.

O Ministério Público pediu que os bancos:

• adotassem medidas para corrigir essas falhas, prestando um serviço adequado à população; e

• fossem condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.

 

O juiz julgou os pedidos procedentes, sentença mantida pelo TJ.

Os bancos interpuseram, então, recurso especial.

Vejamos os principais aspectos jurídicos enfrentados pelo STJ.

 

Alguns Municípios brasileiros possuem leis disciplinando um tempo máximo de espera (normalmente, 15 minutos) para que o consumidor seja atendido em bancos, loterias, concessionárias de água, de energia elétrica, supermercados etc. Isso ficou popularmente conhecido como “Lei das Filas”. O simples fato de uma pessoa ter esperado mais tempo do que é fixado pela “Lei da Fila” é causa suficiente para, obrigatoriamente, gerar indenização por danos morais?

NÃO.

O mero desrespeito à legislação local acerca do tempo máximo de espera em filas, por si só, não conduz à responsabilização por danos morais.

Em outras palavras, o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja indenização por danos morais. Ex: a lei estipulava o máximo de 15 minutos e o consumidor foi atendido em 25 minutos.

Contudo, tal fato representa relevante critério, que, aliado a outras circunstâncias de cada hipótese concreta, pode fundamentar a efetiva ocorrência de danos extrapatrimoniais, sejam individuais, sejam coletivos, como reconhece esta Corte Superior.

Assim, ao lado do excesso de tempo de espera em fila por tempo superior ao previsto na legislação, deve-se aferir, por exemplo, se essa situação é reiterada, se há justificativa plausível para o atraso no atendimento, se a violação do limite máximo previsto na legislação foi substancial; se o excesso de tempo em fila encontra-se associado a outras falhas na prestação de serviços; se os fornecedores foram devidamente notificados para sanar as falhas apresentadas etc.

STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017.

STJ. 4ª Turma. REsp 1647452/RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.

 

No caso concreto, os fatos narrados pelo Ministério Público são idôneos para se dizer que houve dano moral coletivo?

SIM.

A inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.929.288-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2022 (Info 726).

 

O tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses coletivos, subjacentes à função social da atividade produtiva e aos deveres de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, que são impostos aos fornecedores de produtos e serviços.

A proteção contra a perda do tempo útil do consumidor deve, portanto, ser realizada sob a vertente coletiva, a qual, por possuir finalidades precípuas de sanção, inibição e reparação indireta, permite seja aplicada a teoria do desvio produtivo do consumidor, que conduz à responsabilidade civil pela perda do tempo útil ou vital.

A teoria do desvio produtivo, desenvolvida por Marcos Dessaune, preceitua a responsabilização do fornecedor pelo dispêndio de tempo vital do consumidor prejudicado, desviando-o de atividades existenciais.

 

Os bancos alegaram que não havia prova concreta necessária para a condenação por dano moral coletivo. Essa alegação foi aceita? Em uma demanda em que se discute a caracterização de dano moral coletivo é necessária a prova concreta do dano?

NÃO. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, de modo que sua configuração decorre do simples fato da violação da lei.

Assim, o dano moral está configurado com a mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.

Desse modo, não faz sentido alegar ausência de prova do dano efetivo como argumento idôneo para isentar os bancos de responsabilidade.

 


quarta-feira, 16 de março de 2022

A prescrição do crédito impede que se reconheça o direito à compensação?

 

Compensação

Compensação ocorre quando o credor também possui uma dívida a ser paga para o devedor, razão pela qual deverá haver um encontro de contas entre os dois e as duas obrigações irão ser extintas até onde se compensarem.

A compensação está prevista no 368 do CC:

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

 

A compensação pode ser total ou parcial.

Ex1: João deve R$ 10 mil a Pedro e Pedro deve R$ 10 mil a João. As duas obrigações serão extintas.

Ex2: João deve R$ 10 mil a Pedro e Pedro deve R$ 7 mil a João. Haverá uma compensação parcial; a dívida de Pedro para com João deixa de existir e João continuará devendo R$ 3 mil a Pedro.

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João deve R$ 100 mil a Pedro. Essa dívida surgiu em 2018.

Como não houve o pagamento, em 2022, Pedro ajuizou ação de cobrança contra ele.

Ao ser citado, João apresentou contestação admitindo que existe a dívida. Alegou, contudo, que Pedro também lhe deve R$ 80 mil. Essa dívida surgiu em 2014.

Diante disso, João pediu a compensação das obrigações e que, ao final, só tenha que pagar R$ 20 mil.

Pedro se insurgiu contra isso argumentando que:

1) não é possível arguir compensação em contestação;

2) esses R$ 80 mil que João está cobrando estão prescritos desde 2019. Como estamos em 2022, não é mais possível exigir a quantia ainda que para fins de compensação.

 

Recapitulando o cenário:

• Em 2014, venceu um débito segundo o qual Pedro deveria pagar R$ 80 mil a João. Não pagou.

• Em 2018, venceu um débito segundo o qual João deveria pagar R$ 100 mil a Pedro. Não pagou.

• Em 2019, a pretensão de João cobrar os R$ 80 mil prescreveu.

• Em 2022, Pedro ajuizou ação contra João cobrando os R$ 100 mil.

 

O primeiro argumento de Pedro está correto?

NÃO.

A compensação de dívida pode ser alegada em contestação.

A compensação é meio extintivo da obrigação, caracterizando-se como defesa substancial de mérito ou espécie de contradireito do réu.

A compensação pode ser alegada em contestação como matéria de defesa, independentemente pedido reconvencional, em obediência aos princípios da celeridade e da economia processual.

STJ. 3ª Turma. REsp 1524730-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015 (Info 567).

 

Vale ressaltar também que a compensação pode ser alegada em embargos à execução (STJ. 3ª Turma. REsp 1.969.468-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2022).

 

O segundo argumento de Pedro está correto?

Também NÃO.

O Código Civil, ao tratar sobre a compensação, preconiza:

Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.

 

A partir desse dispositivo, podemos elencar alguns requisitos para que seja possível a compensação:

1) Reciprocidade das dívidas;

2) Liquidez das dívidas;

3) Certeza das dívidas;

4) Fungibilidade (homogeneidade) das dívidas;

5) Exigibilidade das dívidas (o CC fala em “vencidas”, mas a doutrina diz que se deve ler “exigíveis”).

 

As dívidas prescritas não são compensáveis

Como vimos acima, para que as dívidas sejam compensáveis, elas devem ser exigíveis.

Se uma dívida está prescrita, isso significa que ela não é mais exigível.

Logo, se uma dívida está prescrita ela não pode ser utilizada para fins de compensação.

Não se pode afirmar, no entanto, que a obrigação prescrita não possa ser, em nenhuma hipótese, objeto de compensação.

 

Deve-se analisar se a dívida estava prescrita no momento em que houve a coexistência das dívidas

A prescrição somente obstará (impedirá) a compensação se ela for anterior ao momento da coexistência das dívidas. Se o prazo prescricional se completou posteriormente a esse fato, tal circunstância não constitui empecilho à compensação dos débitos. Foi justamente o exemplo dado acima. No momento em que surgiu a dívida de João para com Pedro (2018), a dívida de Pedro para com João ainda existia. Logo, houve um período de coexistência de dívidas exigíveis.

Reforçando a explicação:

• se a prescrição se completou antes da coexistência das dívidas, a parte que se beneficia da prescrição pode se negar a fazer a compensação alegando justamente que a prescrição extingue a pretensão, e, portanto, falta o requisito da exigibilidade para que aquela se efetue;

• por outro lado, se os dois créditos coexistiram antes de ocorrer a prescrição, ocorreu a compensação, ipso iure (por força de lei). A prescrição que venha completar-se posteriormente a esse fato não mais atua sobre os débitos desaparecidos.

 

Em suma:

A prescrição somente obsta a compensação se for anterior ao momento da coexistência das dívidas.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.969.468-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2022 (Info 726).

 

Qual é a razão disso?

No direito civil, diz-se que a “compensação opera por força de lei”. Isso significa que no momento em que coexistem as dívidas a compensação ocorre de pleno direito, mesmo que não haja naquele instante uma declaração judicial.

Por essa razão, se a compensação é alegada em juízo, a sentença não é constitutiva (não é a sentença que faz a compensação). A sentença será declaratória de algo que já aconteceu, tendo efeitos ex tunc, retroagindo à data da coexistência dos créditos.