segunda-feira, 31 de julho de 2023

Mesmo na Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, o sócio não gestor, em regra, não será responsabilizado pessoalmente, salvo se ficar demonstrado que ele contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração

NOÇÕES GERAIS SOBRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Princípio da autonomia patrimonial

As pessoas jurídicas são sujeitos de direitos. Isso significa que possuem personalidade jurídica distinta de seus instituidores. Assim, por exemplo, não é porque o sócio morreu que, obrigatoriamente, a pessoa jurídica será extinta.

De igual modo, o patrimônio da pessoa jurídica é diferente do patrimônio de seus sócios.

Ex.1: se uma sociedade empresária possui um veículo, esse automóvel não pertence aos sócios, mas sim à própria pessoa jurídica.

Ex.2: se uma sociedade empresária possui uma dívida, este débito deverá ser pago com os bens da própria sociedade, não podendo para isso, em regra, ser utilizado o patrimônio pessoal dos sócios.

Vigora, portanto, o princípio da autonomia patrimonial entre os bens do sócio e da pessoa jurídica.

 

Desconsideração da personalidade jurídica

O ordenamento jurídico prevê algumas situações em que essa autonomia patrimonial pode ser afastada.

Tais hipóteses são chamadas de “desconsideração da personalidade jurídica” (disregard of legal entity ou teoria do superamento da personalidade jurídica).

Quando se aplica a desconsideração da personalidade jurídica, os bens particulares dos administradores ou sócios são utilizados para pagar dívidas da pessoa jurídica.

 

Por que foi idealizada essa teoria da desconsideração da personalidade jurídica?

A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas sempre foi um instrumento muito importante para o desenvolvimento da economia e da atividade empresarial. Isso porque serviu para estimular os indivíduos a praticarem atividades econômicas, uma vez que, constituindo pessoas jurídicas, as pessoas físicas sabiam que apenas o patrimônio da sociedade empresária responderia pelas dívidas em caso de insucesso. Com isso, as pessoas físicas ficavam mais seguras, já que, mesmo que o empreendimento não prosperasse, elas não perderiam também o seu patrimônio pessoal não investido na sociedade.

Ocorre que alguns indivíduos começaram a abusar da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, utilizando-a como um meio de praticar fraudes. A pessoa jurídica, após adquirir diversas dívidas, transferia todo lucro e patrimônio para o nome dos sócios e, com isso, não tinha como pagar os compromissos assumidos, não sobrando bens da sociedade que pudessem ser executados pelos credores.

Percebendo esse abuso, a jurisprudência passou a permitir a desconsideração da personalidade jurídica nessas hipóteses. Posteriormente, foram editadas leis prevendo expressamente a possibilidade da desconsideração.

 

Histórico da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil

• CC-1916: não previa a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica.

• Na década de 60, Rubens Requião foi um dos primeiros doutrinadores brasileiros a defender a aplicação da teoria no Brasil, mesmo sem previsão legal.

• Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor): foi a primeira lei a prever a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no Brasil (art. 28).

• Lei nº 8.884/94 (antiga Lei Antitruste): também previu a desconsideração.

• Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais): também disciplinou a desconsideração.

• Código Civil de 2002: trouxe previsão expressa no art. 50.

• Lei nº 12.529/2011: desconsideração em caso de infrações da ordem econômica (art. 34).

• Lei nº 13.105/2015 (“novo” CPC): previu um procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica.

• Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), fruto da conversão da MP 881/2019: produziu profundas mudanças no regime da desconsideração da personalidade jurídica previsto no Código Civil.

 

TEORIAS MAIOR E MENOR

Art. 50 do CC

A desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito das relações civis gerais, está disciplinada no art. 50 do CC.

Podemos dizer que esse art. 50 traz a regra geral sobre a desconsideração jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, havendo algumas previsões específicas em diplomas próprios (como é o caso do CDC).

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (redação dada pela Lei nº 13.874/2019)

 

Espécies de abuso da personalidade jurídica

Somente poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica nas relações jurídicas regidas pelo Código Civil se ficar caracterizado que houve abuso da personalidade jurídica.

O abuso da personalidade jurídica pode ocorrer em duas situações:

1) Desvio de finalidade;

2) Confusão patrimonial.

 

Além disso, para que se atinja o patrimônio do administrador ou do sócio deve ser provado que essa pessoa foi beneficiada com o abuso da personalidade jurídica.

 

Teorias maior e menor da desconsideração

Como vimos acima, a desconsideração da personalidade jurídica não é prevista apenas no Código Civil. Existem outros importantes diplomas que tratam sobre o tema, como é o caso do CDC e da Lei Ambiental. Ocorre que nem todas as leis trazem os mesmos requisitos para a desconsideração. A partir daí surgiram dois grupos de legislações separadas a partir dos requisitos impostos para a desconsideração. Confira:

Teoria MAIOR

Teoria MENOR

O Direito Civil brasileiro adotou, como regra geral, a chamada teoria maior da desconsideração. Isso porque o art. 50 exige que se prove o desvio de finalidade (teoria maior subjetiva) ou a confusão patrimonial (teoria maior objetiva).

No Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, adotou-se a teoria menor da desconsideração. Isso porque, para que haja a desconsideração da personalidade jurídica nas relações jurídicas envolvendo consumo ou responsabilidade civil ambiental não se exige desvio de finalidade nem confusão patrimonial.

Deve-se provar:

1) Abuso da personalidade (desvio de finalidade ou confusão patrimonial);

2) Que os administradores ou sócios da pessoa jurídica foram beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso (novo requisito trazido pela Lei nº 13.874/2019).

De acordo com a Teoria Menor, a incidência da desconsideração se justifica:

a) pela comprovação da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, somada à má administração da empresa (art. 28, caput, do CDC); ou

b) pelo mero fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, nos termos do § 5º do art. 28 do CDC.

STJ. 3ª Turma. REsp 1735004/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/06/2018.

Prevê a possibilidade de se estender as obrigações da empresa a sócios e administradores (mesmo que não sejam sócios).

Somente prevê a possibilidade de se estender obrigações da empresa a sócios (não fala em “administradores”).

Adotada pelo art. 50 do CC.

Prevista no art. 4º da Lei nº 9.605/98 (Lei Ambiental) e no art. 28, § 5º do CDC.

 

Dica para você não confundir: teoria maior porque exige um maior número de requisitos.

 

Veja como o tema já foi cobrado em prova:

(Juiz TJ/AP FGV 2022) A consumidora Samantha propôs incidente de desconsideração de personalidade jurídica em face de determinada loja de bijuterias construída na forma de sociedade limitada. Narra a autora que, na fase de cumprimento de sentença que condenou a empresa a pagar indenização à consumidora, não logrou êxito em localizar bens para satisfazer a execução, embora diversas tenham sido as tentativas para tanto. Samantha alega ainda que, na fase cognitiva, a fornecedora foi declarada revel e sequer compareceu às audiências designadas pelo Juízo.

A respeito disso, é correto afirmar que o pedido deve ser julgado:

(A) improcedente, pois a revelia e a ausência de participação no processo judicial não sugerem abuso da personalidade jurídica, requisito para o deferimento do requerido;

(B) improcedente, pois, para a desconsideração requerida, deverá restar efetivada falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração;

(C) procedente, ainda que o Código de Defesa do Consumidor não preveja a desconsideração da personalidade jurídica, quando caracterizado abuso da personalidade jurídica evidenciado no caso pleiteado por Samantha;

(D) procedente, à luz da aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no Código de Defesa do Consumidor;

(E) improcedente, pois, ainda que prevista no Código de Defesa do Consumidor, a desconsideração requerida não pode ser aplicada de forma a implicar a perda da finalidade de responsabilidade limitada das sociedades, exceto no uso fraudulento da personalidade jurídica.

Gabarito: Letra D

 

AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÓCIO NÃO GESTOR E NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO CULPOSA

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, consumidor, ingressou com execução contra a empresa Alfa Empreendimentos Imobiliários.

A empresa executada era composta por três sócios: Pedro, Tiago e Francisco.

Vale ressaltar que Francisco possuía uma única quota social, de 1% do capital social. O restante pertencia aos outros dois sócios. Importante também registrar que Francisco não exercia poderes de gerência.

Durante a execução, não se conseguiu localizar bens penhoráveis em nome da empresa.

Em razão disso, o juiz autorizou a desconsideração da personalidade jurídica para buscar bens dos sócios.

O valor foi penhorado nas contas de Francisco que recorreu contra a decisão alegando que nunca foi gestor da empresa e que, portanto, não deveria ser pessoalmente responsabilizado.

O Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo sob o argumento de que a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC) permitiria a responsabilização pessoal de Francisco, mesmo ele não sendo administrador da empresa.

Inconformado, Francisco interpôs recurso especial insistindo que não poderia ser pessoalmente responsável.

 

O STJ deu provimento ao recurso de Francisco?

SIM.

Para fins de aplicação da denominada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não se exige prova da fraude ou do abuso de direito, tampouco é necessária a prova de confusão patrimonial, bastando que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados.

Considerando que o § 5º do art. 28 do CDC admite, a princípio, a responsabilização pessoal do sócio pelo mero inadimplemento e ausência de bens suficientes à quitação do débito, é indispensável que se analise a atuação do sócio na condução dos negócios da empresa.

Se formos levar em consideração as origens históricas da disregard doctrine, rigorosamente, não se poderia afirmar que a hipótese contemplada no § 5º do art. 28 do CDC seria, de fato, desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque esse instituto está necessariamente associado à fraude e ao abuso de direito, com desvirtuamento da função social da pessoa jurídica, criada com personalidade distinta da de seus sócios. O que se observa no § 5º do art. 28 do CDC é que houve, por mera opção legislativa, a atribuição da responsabilidade aos sócios pelas dívidas da sociedade.

O § 5º do art. 28 do CDC representa uma hipótese autônoma e independente de desconsideração, que não precisa cumprir os requisitos do caput do mesmo art. 28. Trata-se assim de uma hipótese que tem o objetivo de garantir uma ampla proteção aos consumidores já que basta que a personalidade jurídica esteja servindo como um “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

A despeito disso, mesmo em tal hipótese, a desconsideração somente pode atingir pessoas incumbidas da gestão da empresa.

Assim, a despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria Menor, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem jamais atuou como gestor da empresa.

Vale lembrar que a desconsideração, mesmo sob a vertente da denominada Teoria Menor, é uma exceção à regra da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, “instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos” (art. 49-A do Código Civil, incluído pela Lei nº 13.874/2019), a justificar, por isso, a interpretação mais restritiva do art. 28, § 5º, do CDC.

 

Em suma:

A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não é possível a responsabilização pessoal de sócio que não desempenhe atos de gestão, ressalvada a prova de que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.900.843-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/5/2023 (Info 777).


domingo, 30 de julho de 2023

Em ação reivindicatória, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro título aquisitivo registrado

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, proprietário de um terreno, alienou o imóvel para Pedro em 07/12/2007, conforme escritura pública arquivada no 1º Ofício de Registro de Imóveis.

Após o registro imobiliário, Pedro foi até o local para se imitir na posse, mas foi impedido por Ricardo, que disse ser o legítimo proprietário.

Constatou-se que Ricardo teria se tornado proprietário desse lote por meio de ação de usucapião, que foi julgada procedente e transcrita no 3º Ofício de Registro de Imóveis, mediante mandado, em 05/02/2006.

Assim, quando Pedro comprou o imóvel, em 2007, Ricardo já tinha se tornado proprietário, em 2006, em razão da sentença de usucapião.

Inconformado, Pedro ajuizou ação reivindicatória contra Ricardo.

Durante a instrução, ficou demonstrado que realmente houve duplicidade de registro.

Diante disso, o juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido de Pedro sob o argumento de que a propriedade do réu é válida e sua posse não é injusta, já que, assim como o autor, também tem um título de propriedade hígido.

Logo, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, deve prevalecer o primeiro título aquisitivo registrado, qual seja, o de Ricardo.

 

O STJ concordou com a solução jurídica dada pelo magistrado?

SIM.

A reivindicatória é uma demanda petitória, ou seja, busca, nos termos do art. 1.228 do Código Civil, reaver a coisa de quem injustamente a possua:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

 

Diante disso, é preciso averiguar não só se o autor da ação tem a propriedade (título registrado em cartório), mas também se a posse do réu é injusta.

O juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido reivindicatório porque a posse do réu não é injusta, já que, assim como o autor, também tem um título de propriedade hígido.

Para o magistrado, o autor não conseguiu provar que o título do réu é írrito (nulo, inválido). Essa linha de argumentação da sentença está rigorosamente de acordo com o art. 1.228 do Código Civil.

A posse injusta a que alude o dispositivo não é somente aquela referida no art. 1.200 do CC (violenta, clandestina e precária), mas também “aquela sem causa jurídica a justificá-la, sem um título, uma razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. Em outras palavras, pode a posse não padecer dos vícios da violência, clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para efeito reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua posse (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência/Claudio Luiz Bueno de Godoy...et al; coordenação Cezar Peluso. - 15ª ed. - Barueri - SP: Manole, 2021, p. 1.124-1.125).

Ao se falar de posse, não se está trazendo para demanda petitória o ius possessionis, dado que, como visto, não se trata do direito de posse, mas do direito à posse, como decorrência lógica da relação de propriedade preexistente (ius possidendi); é a prevalência do direito de propriedade do réu sobre o do autor.

Não altera esse entendimento o fato de a cadeia dominial do autor remontar ao ano de 1900, anterior à data do registro do réu (1974), pois estando esta fundamentada em usucapião, depurou qualquer propriedade de outro sujeito de direito, pois o “direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muitos menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência/Claudio Luiz Bueno de Godoy...et al; coordenação Cezar Peluso. - 15ª ed. - Barueri - SP: Manole, 2021, p. 1.139).

Assim, tendo o registro do réu prioridade sobre o do autor, foi observado o princípio da prioridade.

 

Em suma:

Qual propriedade deve prevalecer caso existam dois títulos de propriedade, ambos tidos como legítimos e ostentados, com registros distintos em cartórios diferentes na mesma cidade?

O primeiro registrado. Se ambos os registros foram considerados hígidos, prevalece o antecedente sobre o posterior.

Em ação reivindicatória, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro título aquisitivo registrado.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.657.424-AM, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 16/5/2023 (Info 777).


Mesmo que o Ministro do STF tenha votado pela absolvição, se o réu for condenado, este Ministro poderá votar para a definição da dosimetria da pena

O caso concreto foi o seguinte:

No dia 25/05/2023, o STF, por maioria, entendeu que o ex-Senador e ex-Presidente da República Fernando Collor havia cometido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O placar foi 8 a 2.

Votaram pela condenação os Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Rosa Weber.

Votaram pela absolvição os Ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes.

Depois de votarem pela condenação, os Ministros deveriam decidir qual a pena a ser aplicada.

 

Diante disso, surgiu a seguinte discussão: os Ministros que votaram pela absolvição, também deveriam participar dos debates e da votação quanto à dosimetria da pena? No caso concreto, os Ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes deveriam participar da segunda parte do julgamento, qual seja, a definição da pena aplicada?

SIM.

A dosimetria da pena é uma fase independente do julgamento, razão pela qual todos os ministros possuem o direito de se manifestar, independentemente de terem votado no sentido da absolvição ou condenação do réu.

STF. Plenário. QO na AP 1025/DF, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/05/2023 (Info 1096).

 

Assim como o julgamento de uma preliminar de mérito — como, por exemplo, a prescrição — não impede, mesmo se afastada, que todos os ministros continuem a participar do julgamento, o voto vencido que absolve o réu não priva o magistrado que o proferiu da participação do julgamento da dosimetria da pena.

Desse modo, se todos podem participar do julgamento de posteriores eventuais embargos de declaração, nada obsta que participem da dosimetria da pena, de forma a garantir o amplo debate sobre a aplicação de uma pena justa, garantia fundamental do réu, notadamente porque a decisão do Tribunal deve ser o reflexo do colegiado.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, resolvendo questão de ordem proposta pela Presidência, decidiu pela participação de todos os ministros quando da votação relativa à dosimetria da pena, inclusive dos que emitiram juízo absolutório.

 

Mudança de entendimento

Vale ressaltar que a situação acima representa uma alteração de entendimento considerando que no chamado caso “Mensalão” (Ação Penal 470), a posição do STF era no sentido de que, se um Ministro havia votado para absolver o réu e havia ficado vencido, ele não participava da votação quanto à dosimetria da pena.


sábado, 29 de julho de 2023

É constitucional lei estadual que veda a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura no Estado

O caso concreto foi o seguinte:

No Ceará, foi editada a Lei nº 16.820/2019 proibindo a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura:

Lei nº 16.820/2019

Art. 1º Fica criado o art. 28-B na Lei Estadual nº 12.228, de 9 de dezembro de 1993, com a seguinte redação:

Art. 28-B. É vedada a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura no Estado do Ceará.

§ 1º A infração ao art. 1º sujeita o infrator ao pagamento de multa de 15 mil (quinze mil) UFIRCEs.

§ 2º Fica proibida a incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronave em todo o Estado do Ceará, inclusive para os casos de controle de doenças causadas por vírus.

 

O que o STF decidiu? Essa lei é constitucional?

SIM.

A jurisprudência do STF é firme no sentido de que a proteção do meio ambiente e a defesa da saúde são matérias de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 23, II e VI e art. 24, VI e XII, CF/88:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; 

(...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

(...)

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

 

Nesse contexto, o legislador cearense, atuando dentro da competência concorrente, proibiu a utilização da técnica de pulverização aérea em seu território sem contrariar a legislação federal.

A única lei federal que trata sobre o tema é a Lei nº 7.802/89, a qual se limita, contudo, a traçar os parâmetros gerais sobre a matéria e estabelecer atividades de coordenação e ações integradas. Veja:

Art. 9º No exercício de sua competência, a União adotará as seguintes providências:

I - legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico;

II - controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação;

III - analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados;

IV - controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação.

 

Além disso, a lei federal é expressa ao preservar a competência legislativa dos Estados. Confira:

Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.

 

Logo, a lei estadual não afrontou nenhum dispositivo da lei federal.

A lei estadual foi baseada em estudos técnicos que constataram os riscos envolvidos pela prática de pulverização aérea de agrotóxicos. Além disso, as peculiaridades locais tornam proporcional a vedação estabelecida em favor do direito à saúde e dos princípios constitucionais da prevenção e da precaução.

Vale ressaltar que a livre iniciativa não impede a regulamentação das atividades econômicas pelo Estado, notadamente quando ela se mostrar indispensável ao resguardo de outros valores constitucionais.

O STF tem privilegiado a proibição do retrocesso socioambiental, ao ponderar o direito à livre iniciativa com a defesa do meio ambiente e a proteção da saúde humana.

Importante destacar, por fim, algo que é muito relevante tanto para a prática forense como para os concursos públicos: “Não há óbice constitucional a que os Estados editem normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos.”

 

Em suma:

É constitucional norma estadual que veda a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura local e sujeita o infrator ao pagamento de multa.

Essa norma representa maior proteção à saúde e ao meio ambiente se comparada com as diretrizes gerais fixadas na legislação federal. Além disso, essa norma estabelece restrição razoável e proporcional às técnicas de aplicação de pesticidas.

STF. Plenário. ADI 6137/CE, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29/05/2023 (Info 1096).

 

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nesta extensão, a julgou improcedente para reconhecer a constitucionalidade do § 1º e do caput do art. 28-B da Lei nº 12.228/93 do Estado do Ceará, incluídos pela Lei estadual nº 16.820/2019.


sexta-feira, 28 de julho de 2023

A Casa Legislativa tem o direito de decidir quando usar o rito de urgência na apreciação dos projetos de lei, e o Poder Judiciário não deve interferir nisso por se tratar de matéria interna corporis

O caso concreto foi o seguinte:

O Município de São Paulo editou a Lei nº 17.731/2022, que estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria entre o Município de São Paulo e a iniciativa privada.

Foram propostas arguições de descumprimento de preceito fundamental contra essa lei paulistana.

Sustentaram, dentre outros argumentos, a suposta existência de vício de inconstitucionalidade formal, uma vez que o projeto de lei que culminou na Lei municipal nº 17.731, tramitou em apenas 04 dias, celeridade que contraria o devido processo legislativo.

 

Os argumentos invocados foram acolhidos pelo STF?

NÃO.

A alegação de inconstitucionalidade formal da Lei Municipal nº 17.731/2022 devido a tramitação do Projeto de Lei nº 857/2021 sem discussões públicas e em prazo inferior a 30 dias, não foi acolhida.

O Poder Executivo solicitou que o projeto de lei tramitasse em regime de urgência, sendo esta uma possibilidade prevista no Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo.

Tendo em vista que a adoção de rito de urgência em proposições legislativas é prerrogativa regimental atribuída à Presidência da Casa Legislativa, é defeso do Poder Judiciário interferir nessa matéria, sob pena de violação ao princípio de separação dos poderes.

A jurisprudência do STF é consolidada no sentido de que o Poder Judiciário não pode apreciar o mérito da opção do Poder Legislativo pela tramitação abreviada de projeto de lei ou de outras proposições de sua competência. Nesse sentido:

A previsão regimental de um regime de urgência que reduza as formalidades processuais em casos específicos, reconhecidos pela maioria legislativa, não ofende o devido processo legislativo.

A adoção do rito de urgência em proposições legislativas é matéria genuinamente interna corporis, não cabendo ao STF adentrar tal seara.

Quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas.

STF. Plenário. ADI 6968, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe 19.5.2022.

 

Em resumo:

A adoção do rito de urgência em proposições legislativas é prerrogativa regimental atribuída à respectiva Casa Legislativa e consiste em matéria “interna corporis”, de modo que não cabe ao Poder Judiciário qualquer interferência, sob pena de violação ao princípio de separação dos Poderes (art. 2º, CF/88).

STF. Plenário. ADPF 971/SP, ADPF 987/SP e ADPF 992/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 29/05/2023 (Info 1096).


sexta-feira, 21 de julho de 2023

Errata - revisão para o concurso de Juiz Federal do TRF1

REVISÃO PARA O CONCURSO DE JUIZ FEDERAL (TRF 1ª REGIÃO) - ERRATA

 

Nas págs. 72 e73 da revisão para o concurso de Juiz Federal do TRF1 constou o seguinte julgado:

O fato gerador do laudêmio é o registro do imóvel em Cartório de Registro de Imóveis, que é o momento em que ocorre a transferência do domínio útil do aludido direito real

O contrato de transferência do domínio útil foi firmado em 2014, mas o registro do imóvel só ocorreu em 2016. Qual foi o problema? Em 30/12/2015, foi publicada a Lei nº 13.240/2015, que trouxe uma mudança na cobrança do laudêmio. O laudêmio devido em razão dessa venda será calculado com base na Lei nº 13.240/2015? Sim.

Deve-se aplicar a lei vigente no momento do registro do título translativo no Registro de Imóveis, ainda que outra fosse a lei vigente na época da realização do negócio jurídico. Isso porque o fato gerador do laudêmio não ocorre na celebração do contrato de compra e venda, nem no dia de sua quitação, mas sim na data do registro do imóvel no cartório de Registro de Imóveis (art. 1.227 do CC/2002), que é o momento em que ocorre a transferência do domínio útil do aludido direito real.

STJ. 1ª Turma. REsp 1833609-PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 08/11/2022 (Info 757).

 

Ocorre que o STJ mudou de entendimento e decidiu que:

A celebração do contrato de compra e venda é suficiente como fato gerador do laudêmio, pois o legislador estabeleceu como uma das hipóteses de incidência a mera cessão de direitos, a qual ocorre tão logo o negócio jurídico particular produza os seus efeitos, prescindindo, para fins de cobrança do laudêmio, do registro do respectivo título no cartório de registro de imóveis.

A inexistência de registro imobiliário da transação (contratos de gaveta) não impede a caracterização do fato gerador do laudêmio, sob pena de incentivar a realização de negócios jurídicos à margem da lei somente para evitar o pagamento dessa obrigação pecuniária.

STJ. 1ª Seção REsp 1.951.346/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/5/2023 (Recurso Repetitivo 1142).

 

Apesar de o julgado ser posterior ao edital, reputo relevante alertar para essa alteração de entendimento.

Agradeço imensamente ao leitor Cícero Cássio de Araújo Silva pela correção.

 

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Revisão para o concurso de Juiz Federal (TRF 1ª Região)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível a revisão para o concurso de Juiz Federal (TRF 1ª Região).

Bons estudos.



 

segunda-feira, 10 de julho de 2023

INFORMATIVO Comentado 776 STJ (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 776 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS (TETO CONSTITUCIONAL)

§  O valor recebido por Ministros de Estado pela participação em conselhos de empresas públicas e sociedades de economia mista submete-se ao teto remuneratório constitucional?

 

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

§  Em atenção ao Tema 1199/STF, deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, adstringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.

 

DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO

§  A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do art. 240 do CPC retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de se desenvolver de forma válida e regular do processo.

 

BEM DE FAMÍLIA

§  A oferta voluntária de seu único imóvel residencial em garantia a um contrato de mútuo, favorecedor de pessoa jurídica em alienação fiduciária, não conta com a proteção irrestrita do bem de família.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO

§  O banco responde civilmente quando descumpre o dever de segurança que lhe cabe e não obsta a realização de compras com cartão de crédito em estabelecimento comercial suspeito, com perfil de compra de consumidor que discrepa das aquisições fraudulentas efetivadas.

 

DIREITO EMPRESARIAL

PROPRIEDADE INDUSTRIAL

§  Responde solidariamente com o contrafator quem utiliza obra reproduzida com fraude, com a finalidade de obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem.

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

GUARDA

§  O menor sob guarda judicial do titular de plano de saúde deve ser equiparado a filho natural, impondo-se à operadora a obrigação de inscrevê-lo como dependente natural - e não como agregado - do guardião.

 

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

§  A circunstância de ainda não ter sido proferida sentença nos autos da ação de destituição do poder familiar não veda que seja iniciada a colocação da criança em família substituta.

  

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  O depoimento testemunhal indireto não possui a capacidade necessária para sustentar uma acusação e justificar a instauração do processo penal, sendo imprescindível a presença de outros elementos probatórios substanciais.

§  A expedição de mandado de busca e apreensão de menor não autoriza o ingresso no domicílio e a realização de varredura no local.

 

EXECUÇÃO PENAL

§  A análise do bom comportamento carcerário, necessário para o livramento condicional (art. 83, III, a, do CP), deve levar em consideração todo o período da execução penal, e não apenas os últimos 12 meses.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA

§  A tendinite causada pelo trabalho desempenhado (Lesão por Esforço Repetitivo – LER) é considerada como moléstia profissional para os fins da isenção de IR prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88.

 

PIS/COFINS

§  As pessoas jurídicas agroindustriais não têm direito à obtenção de “crédito básico” (Leis 10.637/2002 e 10.833/2003) de PIS/COFINS, quando presentes os pressupostos objetivos e subjetivos previstos na Lei 10.925/2004 para a suspensão do tributo na etapa anterior.


Revisão para o concurso de Procurador do Município de Natal (PGM Natal/RN)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível a Revisão para o concurso de Procurador do Município de Natal (PGM Natal/RN).

Bons estudos.




Revisão para o concurso de Promotor de Justiça da Bahia (MP/BA)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível a Revisão para o concurso de Promotor de Justiça da Bahia (MP/BA).

Bons estudos.



domingo, 9 de julho de 2023

A expedição de mandado de busca e apreensão de menor não autoriza o ingresso no domicílio e a realização de varredura no local

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro, 17 anos, foi sentenciado a cumprir medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade.

Ele iniciou o cumprimento, no entanto, uma semana depois, deixou de comparecer sem qualquer justificativa.

O magistrado foi informado e determinou a expedição de mandado de busca e apreensão com o objetivo de fazer com que o adolescente fosse conduzido ao juízo para uma audiência de apresentação e justificativa.

Vale ressaltar que, nesta data, o adolescente já havia completado 18 anos.

Os policiais foram cumprir o mandado de busca e apreensão na casa indicada como sendo a residência de Pedro. Ao chegarem no local, foram recebidos por ele.

Os policiais explicaram o objetivo do mandado e ingressaram na casa.

A guarnição policial escutou o som de um rádio comunicador que estava em cima de uma televisão.

Indagado a respeito, Pedro confessou que possuía envolvimento com o tráfico de drogas exercendo a função de “olheiro” das “bocas de fumo” do bairro, anunciando para os traficantes, via rádio, quando policiais chegavam no local.

Realizadas buscas na residência, os militares localizaram na gaveta do quarto um cigarro de maconha, uma base para carregador de rádio comunicador e uma bateria reserva para o mesmo tipo de rádio.

Pedro foi condenado por porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) e pelo delito do art. 37 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

 

O réu interpôs recurso de apelação alegando a ilicitude das provas obtidas, em razão do ingresso dos policiais militares na residência do réu sem o devido mandado de busca e apreensão.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento ao recurso da defesa.

Irresignada, a defesa interpôs recurso especial alegando, em síntese, a nulidade da prova obtida mediante violação de domicílio, considerando que o mandado de busca e apreensão tinha como finalidade a apreensão e apresentação do adolescente na delegacia competente e posteriormente ao magistrado e não autorização judicial para busca e apreensão em sua residência.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 280/STF), firmou o entendimento de que:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.

STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 (repercussão geral – Tema 280) (Info 806).

 

No caso, policiais militares, em cumprimento a um mandado judicial expedido para busca e apreensão de menor, se deslocaram juntamente com a Polícia Civil para o endereço informado no mandado. Chegando ao imóvel, a equipe policial foi recebida pelo denunciado, que foi informado do motivo da presença policial. Logo em seguida, quando os agentes começaram a entrar na residência, a equipe policial escutou o som de um dispositivo de comunicação que estava em cima de uma televisão, sendo facilmente visualizado.

Para o STJ, não havia “fundadas razões” que levassem à conclusão de que no interior da residência estava sendo praticado algum crime. Em outras palavras, antes de os policiais entrarem na casa, eles não sabiam nem tinham “fundadas razões” para achar que ali estava sendo cometido algum crime. Logo, não poderiam ter ingressado no domicílio do réu.

Vale ressaltar, ainda, que que a expedição de mandado de busca e apreensão de menor não autoriza o ingresso no domicílio. O art. 283, § 2º, do CPP determina, expressamente, que em cumprimento de mandado de prisão – ou busca e apreensão de menor, como no caso em tela –, “[a] prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”, o que demonstra a ilegalidade da presente diligência porquanto os próprios agentes policiais informaram que perceberam a presença do rádio comunicador quando já estavam dentro da residência.

Ressalte-se, por fim, que o STJ fixou as seguintes teses sobre o tema:

1) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.

2) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.

3) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.

4) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.

5) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.

STJ. 5ª Turma. HC 616584/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 30/03/2021.

STJ. 6ª Turma. HC 598051/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 02/03/2021 (Info 687).

 

Em suma:

A expedição de mandado de busca e apreensão de menor não autoriza o ingresso no domicílio e a realização de varredura no local.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 2.009.839-MG, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 9/5/2023 (Info 776).