Dizer o Direito

segunda-feira, 30 de junho de 2025

O crime de falsa identidade consuma-se com o simples fornecimento de dados inexatos sobre identidade, independentemente de resultado naturalístico

Imagine a seguinte situação hipotética:

Os policiais militares estavam fazendo uma ronda no bairro quando avistaram um indivíduo “agachado”, tentando se esconder atrás de uma lixeira.

Os policiais abordaram o homem, que se identificou como sendo Lucas Souza.

Ocorre que o homem abordado, na verdade, se chamava Marcos Souza. Lucas Souza é seu irmão.

Ele afirmou que seu nome era Lucas Souza porque havia um mandado de prisão contra ele.

Os policiais checaram no sistema informatizado e perceberam que Marcos havia mentido.

Ele então confessou seu verdadeiro nome e foi preso em flagrante.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Marcos, imputando-lhe a prática do crime de falsa identidade, delito previsto no art. 307 do CP:

Falsa identidade

Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

 

O juiz absolveu o réu sob o argumento de que o fato não gerou repercussão administrativa ou penal e que houve arrependimento eficaz, pois o acusado forneceu o nome correto antes do registro do boletim de ocorrência e de ser ouvido na Delegacia.

O Ministério Público recorreu e a questão chegou até o STJ.

 

Houve crime de falsa identidade neste caso?

SIM.

O art. 307 do Código Penal tipifica a conduta daquele que atribui a si mesmo ou a terceiro falsa identidade, com o fim específico de obter vantagem (para si ou para outrem), ou de causar dano a outrem.

A consumação ocorre no momento em que o agente atribui a si ou a terceiro falsa identidade. É indiferente se o destinatário da declaração venha a descobrir posteriormente a verdadeira identidade ou se o próprio agente se retrate em seguida.

A ausência de prejuízo ou de obtenção de vantagem não descaracteriza o crime nem conduz à absolvição. A jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido:

Tratando-se o delito previsto no art. 307 do CP de crime formal, é desnecessária a consumação de obtenção da vantagem própria ou de outrem, ou mesmo a ocorrência de danos a terceiros.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.697.955/ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/4/2018.

 

O crime de falsa identidade é formal, ou seja, consuma-se com a simples conduta de atribuir-se falsa identidade, apta a ocasionar o resultado jurídico do crime, sendo dispensável a ocorrência de resultado naturalístico, consistente na obtenção de vantagem para si ou para outrem ou de prejuízo a terceiros, ocorrendo inclusive em situação de autodefesa.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 821.195/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/8/2023.

 

Portanto, não há divergência na jurisprudência do STJ quanto à natureza formal do crime de falsa identidade.

 

O delito de falsa identidade é crime formal, que se consuma quando o agente fornece, consciente e voluntariamente, dados inexatos sobre sua real identidade, e, portanto, independe da ocorrência de resultado naturalístico. 

STJ. 3ª Seção. REsp 2.083.968-MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 14/5/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1255) (Info 850).

 

Falsa identidade e autodefesa

O STF, no julgamento do Tema 478, fixou a tese de que:

O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP).

STF. Plenário. RE 640139 RG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2011 (Repercussão Geral - Tema 478).

 

No mesmo sentido, a Súmula 522 do STJ dispõe:

Súmula 522-STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.

 

Além disso, no Tema 646 STJ, foi fixada a seguinte tese:

É típica a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial, ainda que em situação de alegada autodefesa (art. 307 do CP).

STJ. 3ª Seção. REsp 1.362.524/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/10/2013.

 

Assim, o direito à não autoincriminação não autoriza a prática de outros crimes, como o de falsa identidade.

 

Caso concreto

No caso dos autos, o juízo de origem absolveu o réu com base no entendimento de que, ao ter fornecido sua verdadeira identidade antes do registro do boletim de ocorrência, não teria havido repercussão penal ou administrativa.

Entretanto, como demonstrado, a retratação posterior não afasta a tipicidade da conduta. O crime já se consumara no momento em que o agente, durante a abordagem policial, atribuiu a si o nome de seu irmão, com o claro intuito de ocultar sua condição de foragido.


domingo, 29 de junho de 2025

INFORMATIVO Comentado 851 (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 851 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

§  A aplicação do in dubio pro societate no recebimento da inicial de ação por improbidade administrativa pressupõe a indicação, ainda que mínima, de elementos que evidenciem o dolo do agente, não sendo suficiente a mera ilegalidade do ato impugnado.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR

§  A pensão especial de ex-combatente não pode ser acumulada com outros dois benefícios previdenciários, independentemente da natureza ou do fato gerador destes, sendo vedada a tríplice acumulação.

 

DIREITO AMBIENTAL

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL

§  A identificação de danos ao meio ambiente transindividuais de natureza imaterial deve ser objetivamente constatada sob a perspectiva de danmum in re ipsa, vale dizer, de forma inerente à conduta lesiva.

 

DIREITO CIVIL

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA

§  É possível que a notificação extrajudicial do devedor fiduciante seja feita por e-mail.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICAS COMERCIAIS

§  Companhias aéreas não são obrigadas a permitir o embarque de animais de suporte emocional fora dos critérios estabelecidos por elas, sendo indevida a equiparação desses animais aos cães-guia.

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL

§  A aplicação do art. 942 do CPC em procedimentos infracionais deve garantir julgamento ampliado apenas em hipóteses de divergência desfavorável ao menor infrator.

 

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

§  A maioridade subsequente da vítima não altera a natureza da ação penal pública incondicionada em crimes de estupro de vulnerável.

 

LEI DO CRIME RACIAL

§  A embriaguez voluntária e o ânimo exaltado do réu são insuficientes para afastar o dolo específico necessário para a configuração do crime de injúria racial.

  

DIREITO TRIBUTÁRIO

TEMAS DIVERSOS > COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA

§  O exercício do direito à compensação do indébito tributário está sujeito ao prazo de 5 anos, contado do trânsito em julgado da decisão judicial, admitindo-se apenas a sua suspensão entre a data do pedido de habilitação do crédito e da ciência do despacho de deferimento.

 

IMPOSTO DE RENDA

§  Remuneração de depósitos compulsórios no Banco Central pela Taxa SELIC constitui acréscimo patrimonial sujeito à tributação pelo IRPJ e CSLL.

 

IOF

§  O fato gerador do IOF/crédito ocorre na data da liberação dos valores, e não na celebração do contrato.


Supermercado deve pagar indenização por danos morais caso o segurança privado tenha feito uma abordagem excessiva à adolescente por suspeita de furto

Imagine a seguinte situação hipotética:

Mariana é uma adolescente de 14 anos que foi ao supermercado com uma amiga, também menor de idade, para fazer compras.

Após escolher os produtos e pagar no caixa, as meninas se dirigiram à saída do estabelecimento. Nesse momento, um segurança do supermercado abordou Mariana publicamente, acusando-a de ter furtado algum produto.

O segurança alegou que a central de monitoramento das câmeras de vigilância havia identificado a adolescente colocando uma mercadoria na cintura e saindo sem pagar.

Mariana foi então revistada pelo segurança em público, próximo ao guarda-volumes, na presença de outros clientes que transitavam pelo local.

Após a revista, constatou-se que Mariana não havia furtado absolutamente nada. A acusação era completamente infundada.

Mariana saiu do estabelecimento chorando, extremamente constrangida pela situação vexatória vivenciada em público.

Ao chegar em casa, sua mãe, Regina, percebeu o estado de nervosismo da filha. Quando soube dos fatos, levou Mariana à delegacia para registrar um boletim de ocorrência.

Mariana, assistida por sua mãe Regina, ingressou com ação de indenização por danos morais contra o supermercado.

O supermercado contestou alegando que a abordagem constituiu exercício regular de direito e que, portanto, não houve ato ilícito a ensejar o pagamento de indenização.

 

O STJ acolheu os argumentos do supermercado?

NÃO.

 

As abordagens por suspeita de furto são relações de consumo protegidas pelo CDC

As situações em que clientes são abordados sob suspeita de furto configuram relações de consumo. Por essa razão, a responsabilidade civil do estabelecimento comercial deve ser analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor.

O CDC assegura o respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor, bem como a proteção de seus interesses econômicos, observando, entre outros, o princípio do reconhecimento da sua vulnerabilidade no mercado de consumo (art. 4º, I, do CDC).

 

Os estabelecimentos comerciais têm direito de proteger seu patrimônio (exercício regular de direito)

Os estabelecimentos comerciais que disponibilizam produtos de fácil acesso ao público em geral possuem o direito de proteger seu patrimônio contra eventuais crimes, como furtos e roubos. Para tanto, é natural que invistam em câmeras de vigilância, alarmes e agentes de segurança privada, formando uma rede de monitoramento destinada a coibir práticas criminosas.

Dentre os mecanismos de segurança utilizados, destaca-se a atuação dos seguranças privados (próprios ou terceirizados), cuja função inclui observar o comportamento dos consumidores e identificar atitudes suspeitas.

Em caso de suspeita de furto, esses agentes podem abordar os consumidores para esclarecimentos e, se necessário, realizar revistas.

 

As abordagens são lícitas quando feitas com respeito e educação

Vale ressaltar, contudo, que tal procedimento é lícito, desde que conduzido de forma calma, educada, sem excessos e sem submeter o consumidor a qualquer constrangimento.

 

Abordagens excessivas configuram abuso de direito e ato ilícito

O art. 187 do Código Civil estabelece que:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

A atuação da segurança privada em estabelecimentos comerciais deve observar os limites da prudência e do respeito, assegurando aos consumidores a prestação de um serviço de qualidade.

Abordagens que extrapolem esses limites, expondo, constrangendo ou agredindo o consumidor, configuram excesso. Nessas hipóteses, a conduta dos agentes de segurança caracteriza abuso de direito e, consequentemente, ato ilícito.

Além das condutas subjetivas, como o tratamento cordial, há critérios objetivos para aferição de excesso, tais como: manter o tom de voz inalterado e evitar a realização de revistas em locais de grande circulação.

É dever dos estabelecimentos comerciais orientar seus funcionários para que tratem os clientes com dignidade e respeito, mesmo quando houver suspeita da prática de crime no local.

Abordagens ou revistas ríspidas, rudes ou vexatórias, especialmente aquelas que envolvam contato físico, configuram abuso de direito e, por conseguinte, ato ilícito.

 

Crianças e adolescentes têm proteção especial garantida pelo ECA

De modo geral, aplica-se aos menores a mesma lógica utilizada para abordagens em adultos: são lícitas, mas eventuais excessos caracterizam abuso de direito e configuram atos ilícitos.

Contudo, deve-se destacar que crianças e adolescentes merecem proteção especial do sistema jurídico, com legislação própria para disciplinar o seu tratamento.

Assim, diante da vulnerabilidade peculiar de crianças e adolescentes, os cuidados em abordagens e revistas devem ser ainda maiores que aqueles dispensados aos adultos. Os estabelecimentos devem considerar a sensibilidade desses consumidores, pois violações à sua integridade física, psíquica ou moral podem gerar traumas profundos e duradouros.

 

Inversão do ônus da prova: o estabelecimento deve provar que não houve excesso na abordagem

O art. 6º, VIII, do CDC assegura como direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive por meio da inversão do ônus da prova, quando a alegação for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Nas hipóteses em que o consumidor alega excessos em abordagens por suspeita de furto, caberá ao estabelecimento comercial o ônus de comprovar a licitude do procedimento, demonstrando a inexistência de exposição, constrangimento ou agressão ao consumidor.

Ressalte-se que essa prova pode ser produzida mais facilmente pelo fornecedor, que detém acesso às imagens de câmeras de vigilância e aos relatos de testemunhas.

 

Em suma:

Configura indenização por danos morais a abordagem excessiva de agente de segurança privada de supermercado à menor de idade, por suspeita de prática de ato infracional análogo ao furto, causando situação vexaminosa em frente aos outros clientes do estabelecimento comercial. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.185.387-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/5/2025 (Info 850).

 

Obs: a título de curiosidade, no caso concreto, a autora recebeu uma indenização de R$ 6.000,00.


sábado, 28 de junho de 2025

Qual é o prazo prescricional da ação que pede o ressarcimento ao SUS? Qual é seu termo inicial?

Ressarcimento ao SUS

O art. 32 da Lei nº 9.656/98 prevê que, se um cliente do plano de saúde utilizar-se dos serviços do SUS, o Poder Público poderá cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesas. Veja:

Art. 32.  Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44/2001)

 

Assim, o chamado “ressarcimento ao SUS”, criado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, é uma obrigação legal das operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos.

Apenas a título de curiosidade, na prática funciona assim:

1) O paciente é atendido em uma instituição pública ou privada, conveniada ou contratada, integrante do SUS;

2) A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cruza os dados dos sistemas de informações do SUS com o Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da própria Agência para identificar as pessoas que foram atendidas na rede pública e que possuem plano de saúde;

3) A ANS notifica a operadora informando os atendimentos que realizou relacionados com seus clientes;

4) A operadora pode contestar isso nas instâncias administrativas, dizendo, por exemplo, que aquele serviço utilizado pelo seu cliente no SUS não era coberto pelo plano, que o paciente já havia deixado de ser usuário do plano etc.

5) Não havendo impugnação administrativa ou não sendo esta acolhida, a ANS cobra os valores devidos.

6) Caso não haja pagamento, a operadora será incluída no CADIN e os débitos inscritos em dívida ativa da ANS para, em seguida, serem executados.

7) Os valores recolhidos a título de ressarcimento ao SUS são repassados pela ANS para o Fundo Nacional de Saúde.

 

O art. 32 da Lei nº 9.656/98 é constitucional? É válida a sistemática do ressarcimento ao SUS?

SIM.

É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/98, o qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4.6.1998, assegurados o contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos jurídicos.

STF. Plenário. RE 597064/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 7/2/2018 (Repercussão Geral – Tema 345) (Info 890).

 

Qual é o prazo prescricional da ação que pede o ressarcimento ao SUS? Qual é seu termo inicial?

Para responder a essas perguntas, imagine a seguinte situação hipotética:

Regina é beneficiária de um plano de saúde da Unimed.

Em março de 2018, Regina sofreu um grave acidente de trânsito e foi levada imediatamente para um hospital público onde foi submetida à cirurgia de emergência.

Dois anos depois, em 2020, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) identificou através de seus sistemas de cruzamento de dados que Regina, beneficiária da Unimed, havia sido atendida pelo SUS.

A ANS então iniciou um processo administrativo para apurar quanto a Unimed deveria ressarcir pelos custos do atendimento de Regina.

Após todo o trâmite administrativo, em dezembro de 2020, a ANS notificou a Unimed, cobrando o ressarcimento de R$ 45.000,00 correspondentes aos custos da cirurgia, internação e demais procedimentos realizados em Regina.

Como não houve o pagamento voluntário, a ANS inscreveu o valor em dívida ativa e, em abril de 2020, iniciou a execução fiscal cobrando o valor da operadora.

A Unimed apresentou embargos à execução arguindo a prescrição com base nos seguintes argumentos:

• o ressarcimento ao SUS tem natureza indenizatória, não administrativa;

• deveria ser aplicado o prazo prescricional de 3 anos previsto no art. 206, § 3º, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve:

(...)

§ 3º Em três anos:

(...)

V - a pretensão de reparação civil;

 

• esse prazo deveria contar desde março de 2018 (data do atendimento de Regina no SUS);

• como a execução só foi proposta em abril de 2020, já havia transcorrido mais de 3 anos, configurando prescrição.

 

A ANS refutou alegando que:

• a relação entre ANS e operadoras é de natureza administrativa;

• o prazo correto é de 5 anos, conforme o art. 1º do Decreto 20.910/32;

• a contagem só começa a partir da notificação da decisão administrativa (dezembro de 2020);

• portanto, não houve prescrição.

 

O caso chegou ao STJ como recurso repetitivo para definir essa controvérsia que afetava milhares de processos similares em todo o país. O STJ acolheu os argumentos da Unimed ou da ANS?

Da ANS.

A obrigação imposta às operadoras de planos de saúde de ressarcirem os serviços de atendimento à saúde prestados aos seus clientes pelas instituições integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS é regulamentada pela Lei nº 9.656/1998, que atribuiu à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a definição do procedimento para apuração dos valores devidos.

Destaque-se, ainda, o disposto no art. 39 da Lei nº 4.320/1964 que trata da escrituração dos créditos da Fazenda Pública:

Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.

 

Esse cenário - em que existe obrigação decorrente de expressa previsão em lei, apuração de quantia devida em prévio procedimento administrativo e inscrição dos valores não pagos em dívida ativa - revela que a relação existente entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar e as operadoras de planos de saúde é regida pelo Direito Administrativo, motivo pelo qual deve ser afastada a incidência do prazo prescricional previsto no Código Civil.

O STJ possui firme jurisprudência no sentido de que:

Nas demandas envolvendo pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde pelas operadoras de planos ou segurados de saúde, incide o prazo prescricional quinquenal, previsto no Decreto 20.910/1932, e não o disposto no Código Civil, em observância ao princípio da isonomia.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.728.843/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/11/2018.

 

Além disso, o STJ também vem decidindo que, por se tratar de cobrança de valores que, por expressa previsão legal, devem ser apurados em prévio procedimento administrativo, o termo inicial do prazo prescricional somente tem início após a notificação da cobrança feita pela ANS (art. 32, § 3º, da Lei 9.656/1998).

Portanto, o STJ fixou a seguinte tese:

Nas ações com pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde de que trata o art. 32 da Lei n. 9.656/1998, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto n. 20.910/1932, contado a partir da notificação da decisão administrativa que apurou os valores. 

STJ. 1ª Seção. REsp 1.978.141-SP e REsp 1.978.155-SP, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgados em 14/5/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1.147) (Info 850).


quinta-feira, 26 de junho de 2025

INFORMATIVO Comentado 1178 STF (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1178 DO STF


Direito Constitucional

PODER EXECUTIVO

§  É inconstitucional norma de Constituição estadual que deixa de prever a perda do cargo de governador e de vice-governador que se ausentem, sem autorização da Assembleia Legislativa, por mais de quinze dias.

 

PODER JUDICIÁRIO

§  É constitucional dispositivo de provimento do CFOAB que exige do advogado a comprovação de inscrição, há mais de cinco anos, no Conselho Seccional abrangido pela competência do tribunal judiciário em que aberta a vaga a ser preenchida pelo quinto constitucional.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

§  Além do JEF, a Fazenda Pública também é obrigada a aceitar a execução invertida no Juizado Especial da Fazenda Pública.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

INDULTO

§  É constitucional o indulto natalino do art. 5º, caput e parágrafo único, do Decreto 11.302/2022.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

CRÉDITO TRIBUTÁRIO

§  Em razão da inconstitucionalidade do regime de parcelamento de precatórios previsto no art. 78 do ADCT (ADIs 2.356/DF e 2.362/DF), fica superada a discussão relativa à compensação de débitos tributários com precatórios de natureza alimentar.


INFORMATIVO Comentado 850 (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 850 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIÇOS PÚBLICOS

§  Qual é o prazo prescricional da ação que pede o ressarcimento ao SUS? Qual é seu termo inicial?

 

DIREITO AMBIENTAL

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

§  Criação de unidade de conservação de domínio público não se sujeita à caducidade do decreto expropriatório, sendo o interesse ambiental permanente enquanto existir a unidade

 

DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA

§  A transmissão hereditária, por si, não tem a capacidade de desconfigurar ou afastar a natureza de bem de família, se mantidas as características de imóvel residencial próprio da entidade familiar.

 

DANOS MORAIS

§  Supermercado deve pagar indenização por danos morais caso o segurança privado tenha feito uma abordagem excessiva à adolescente por suspeita de furto.

 

CONTRATOS

§  O contrato de promessa de compra e venda sem registro no cartório imobiliário, mesmo que celebrado antes da hipoteca, não é oponível a terceiro de boa-fé que recebeu o imóvel comercial como garantia real.

 

CONTRATOS

§  Indenização prevista no art. 603 do CC é aplicável a contratos de prestação de serviços entre pessoas jurídicas, mesmo sem previsão expressa.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE POR VÍCIO DO PRODUTO

§  A indenização por danos materiais decorrente da responsabilidade por vício do produto não se limita ao período que exceder o prazo de trinta dias estabelecido no art. 18, § 1º do CDC, devendo o consumidor ser ressarcido integralmente.

 

DIREITO EMPRESARIAL

CONTRATOS EMPRESARIAIS > LEASING

§  A compensação das parcelas inadimplidas de contrato de arrendamento mercantil com o valor a ser restituído à arrendatária a título de VRG é possível quando as dívidas coexistem e são exigíveis, sendo irrelevante a prescrição posterior daquelas parcelas.

  

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CITAÇÃO

§  Interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação mesmo quando a citação de litisconsorte necessário ocorre após o prazo prescricional, se a demora for atribuível ao Poder Judiciário.

 

EXECUÇÃO FISCAL

§  Se o juiz acolher a exceção de pré-executividade apenas para excluir um dos executados, os honorários advocatícios deverão ser fixados de forma equitativa (art. 85, § 8º, do CPC/2015), pois não é possível estimar o benefício econômico da decisão.

 

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

§  O crime de falsa identidade consuma-se com o simples fornecimento de dados inexatos sobre identidade, independentemente de resultado naturalístico.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  Para o STJ, o MP não pode requisitar RIF ao COAF sem autorização judicial; o tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial.

 

RECURSOS

§  Não é possível a alternância entre impugnações formuladas por diferentes ramos do Ministério Público em processos que tramitam no âmbito do STJ.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

OUTROS TEMAS

§  A base de cálculo da multa de mora corresponde ao valor do débito originário, sem a inclusão de encargos moratórios, não sendo possível atualizar previamente esse montante pela Taxa Selic antes do cálculo da penalidade.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA

§  Índice de reajuste fixado em regulamento de previdência complementar fechada é válido se estabelecido antes da Resolução CNPC 40/2021; regulamentos posteriores devem refletir variação inflacionária.


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