Dizer o Direito

sexta-feira, 13 de junho de 2025

A busca e apreensão não pode ser realizada se não foi expedido um mandado físico (não basta ter a autorização judicial; o mandado é indispensável)

Imagine a seguinte situação hipotética:

A Polícia Civil de Minas Gerais estava investigando João sob a suspeita de que ele estaria praticando tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

O delegado pediu ao juiz autorização para realizar busca e apreensão na residência do investigado.

O magistrado entendeu que havia indícios suficientes e deferiu a medida.

No entanto, por um descuido administrativo da vara, a decisão não foi formalizada por meio da expedição de um mandado físico.

 

Explicando melhor: quando se defere (ou seja, se concede) uma busca e apreensão no processo judicial, é expedido um mandado. Esse mandado é um documento oficial emitido pelo juiz, com a ordem legal para que a autoridade policial (ou outro agente público autorizado) realize a busca e apreensão.

 

No caso concreto, houve a decisão judicial. No entanto, o mandado (esse documento acima explicado) não foi produzido e impresso.

Os policiais, munidos da autorização judicial, mas sem o mandado físico, foram até a residência de João e ali realizaram a diligência, apreendendo diversos materiais que supostamente comprovariam os crimes sob investigação.

Com base nesses elementos apreendidos, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João.

A defesa, ao tomar conhecimento da ausência do mandado formal, impetrou habeas corpus pedindo a nulidade das provas obtidas. O argumento era de que, sem o mandado físico, a diligência se tornou ilegal, violando o direito à inviolabilidade do domicílio previsto na Constituição Federal e o art. 241 do CPP.

O juízo de primeira instância rejeitou o pedido, alegando que a autorização judicial existia e isso bastava para dar legalidade à busca. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve essa decisão.

A defesa, então, recorreu ao STJ insistindo que a diligência foi ilegal pela falta do mandado.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

A ausência do mandado de busca e apreensão compromete a legalidade da diligência, mesmo havendo autorização judicial prévia.

Confira o que diz o art. 241 do CPP:

Art. 241.  Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

 

Assim, constata-se que o mandado não é algo dispensável, mas essencial ao adequado cumprimento da diligência judicialmente determinada.

Dessa forma, não possui legitimidade aquele que deu cumprimento à determinação judicial que não foi formalizada por meio do competente mandado de busca e apreensão. Ainda que tenham existido investigações prévias que fundamentaram a decisão judicial que autorizou a medida, a ausência da formalidade de expedição do mandado torna inválido o cumprimento da ordem. Consequentemente, todos os elementos de prova obtidos durante esse ato são considerados inválidos.

Nesse sentido:

A obtenção de elementos de convicção ou de possíveis instrumentos utilizados na prática de crime - ainda que seja ao tempo do cumprimento da ordem de prisão no domicílio do réu - exige autorização judicial prévia, mediante a expedição do respectivo mandado de busca e apreensão (art. 241 do CPP), no qual devem ser especificados, dentre outros, o endereço a ser diligenciado, o motivo e os fins da diligência (art. 243 do CPP), o que, no entanto, não ocorreu.

STJ. 6ª Turma. RHC 153.988/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/4/2023.

 

Veja ainda o que diz o art. 245 do CPP:

Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.

§ 1º  Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência.

§ 2º  Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada.

§ 3º  Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se procura.

§ 4º  Observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o, quando ausentes os moradores, devendo, neste caso, ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente.

§ 5º  Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la.

§ 6º Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes.

§ 7º Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4o.

 

Portanto, a ausência de mandado físico, ainda que com autorização judicial prévia, compromete a legalidade da busca e apreensão, tornando ilícitas as provas obtidas.

 

Em suma:

A ausência de mandado físico, ainda que com autorização judicial prévia, compromete a legalidade da busca e apreensão, tornando ilícitas as provas obtidas.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 965.224-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 8/4/2025 (Info 847).


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