Imagine a seguinte situação
hipotética:
A Polícia Civil de Minas Gerais
estava investigando João sob a suspeita de que ele estaria praticando tráfico
de drogas e lavagem de dinheiro.
O delegado pediu ao juiz
autorização para realizar busca e apreensão na residência do investigado.
O magistrado entendeu que havia
indícios suficientes e deferiu a medida.
No entanto, por um descuido
administrativo da vara, a decisão não foi formalizada por meio da expedição de
um mandado físico.
Explicando
melhor: quando se defere (ou seja, se concede) uma busca e apreensão no
processo judicial, é expedido um mandado. Esse mandado é um documento oficial
emitido pelo juiz, com a ordem legal para que a autoridade policial (ou outro
agente público autorizado) realize a busca e apreensão.
No caso concreto, houve a decisão
judicial. No entanto, o mandado (esse documento acima explicado) não foi
produzido e impresso.
Os policiais, munidos da
autorização judicial, mas sem o mandado físico, foram até a residência de João
e ali realizaram a diligência, apreendendo diversos materiais que supostamente
comprovariam os crimes sob investigação.
Com base nesses elementos
apreendidos, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João.
A defesa, ao tomar conhecimento
da ausência do mandado formal, impetrou habeas corpus pedindo a nulidade das
provas obtidas. O argumento era de que, sem o mandado físico, a diligência se
tornou ilegal, violando o direito à inviolabilidade do domicílio previsto na
Constituição Federal e o art. 241 do CPP.
O juízo de primeira instância
rejeitou o pedido, alegando que a autorização judicial existia e isso bastava
para dar legalidade à busca. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve essa
decisão.
A defesa, então, recorreu ao STJ
insistindo que a diligência foi ilegal pela falta do mandado.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
SIM.
A ausência do mandado de busca e
apreensão compromete a legalidade da diligência, mesmo havendo autorização
judicial prévia.
Confira o que diz o art. 241 do CPP:
Art. 241. Quando a própria autoridade policial ou
judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida
da expedição de mandado.
Assim, constata-se que o mandado
não é algo dispensável, mas essencial ao adequado cumprimento da diligência
judicialmente determinada.
Dessa forma, não possui
legitimidade aquele que deu cumprimento à determinação judicial que não foi
formalizada por meio do competente mandado de busca e apreensão. Ainda que
tenham existido investigações prévias que fundamentaram a decisão judicial que autorizou
a medida, a ausência da formalidade de expedição do mandado torna inválido o
cumprimento da ordem. Consequentemente, todos os elementos de prova obtidos
durante esse ato são considerados inválidos.
Nesse sentido:
A obtenção de elementos de convicção ou de possíveis
instrumentos utilizados na prática de crime - ainda que seja ao tempo do
cumprimento da ordem de prisão no domicílio do réu - exige autorização judicial
prévia, mediante a expedição do respectivo mandado de busca e apreensão (art.
241 do CPP), no qual devem ser especificados, dentre outros, o endereço a ser
diligenciado, o motivo e os fins da diligência (art. 243 do CPP), o que, no
entanto, não ocorreu.
STJ. 6ª Turma. RHC 153.988/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 11/4/2023.
Veja ainda o que diz o art. 245 do CPP:
Art. 245. As buscas domiciliares
serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite,
e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a
quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.
§ 1º Se a própria autoridade der a busca,
declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência.
§ 2º Em caso de desobediência, será arrombada a
porta e forçada a entrada.
§ 3º Recalcitrando o morador, será permitido o
emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o
descobrimento do que se procura.
§ 4º Observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o,
quando ausentes os moradores, devendo, neste caso, ser intimado a assistir à
diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente.
§ 5º Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai
procurar, o morador será intimado a mostrá-la.
§ 6º Descoberta a pessoa ou coisa
que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da
autoridade ou de seus agentes.
§ 7º Finda a diligência, os
executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas
presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4o.
Portanto, a ausência de mandado
físico, ainda que com autorização judicial prévia, compromete a legalidade da
busca e apreensão, tornando ilícitas as provas obtidas.
Em suma:
A ausência de mandado físico, ainda que com
autorização judicial prévia, compromete a legalidade da busca e apreensão,
tornando ilícitas as provas obtidas.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 965.224-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 8/4/2025 (Info
847).