Imagine a seguinte situação hipotética:
No dia 15 de março de 2020, João arrematou um imóvel em um
leilão judicial. Ele (arrematante) assinou o auto de arrematação junto com o
juiz e o leiloeiro.
Ocorre que, logo após a arrematação, o antigo proprietário
do imóvel apresentou embargos à arrematação, questionando a validade do
procedimento. Essa discussão judicial se estendeu por três anos.
Durante esse período, João não conseguiu tomar posse do
imóvel nem utilizá-lo de forma alguma, permanecendo o bem ocupado pelo antigo
proprietário enquanto os embargos tramitavam na Justiça.
Somente em abril de 2023, após o julgamento definitivo dos
embargos, foi expedida a carta de arrematação e João finalmente conseguiu
registrar o imóvel em seu nome no cartório de registro de imóveis.
Durante esses três anos de litígio (2020, 2021 e 2022), o
Município lançou cobranças de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e TLP
(Taxa de Limpeza Pública) em nome de João, considerando-o responsável pelo
pagamento do tributo desde a data da arrematação em março de 2020.
Inconformado, João ingressou com ação questionando essa
cobrança, sob o argumento de que somente deveria ser responsável pelos tributos
a partir da expedição da carta de arrematação em abril de 2023, momento em que
efetivamente se tornou proprietário e passou a usufruir do bem.
O STJ concordou com os argumentos de João?
NÃO.
Quando um indivíduo arremata um imóvel em leilão judicial
(hasta pública), ele passa a ser considerado proprietário do bem a partir do
momento em que o auto de arrematação é assinado pelo juiz, pelo leiloeiro e
pelo próprio arrematante, e não apenas quando ele passa a ter a posse efetiva
do imóvel ou quando é expedida e registrada a carta de arrematação.
Logo, o arrematante é responsável pelo pagamento do IPTU
(Imposto Predial e Territorial Urbano) e da TLP (Taxa de Limpeza Pública) a
partir da data da arrematação, mesmo que ele ainda não tenha sido imitido na
posse do imóvel.
O art. 130 do CTN prevê que, nos casos de arrematação, os
débitos anteriores à arrematação ficam sub-rogados no preço do bem, ou seja,
são descontados do valor pago no leilão:
Art. 130. Os créditos tributários
relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a
posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de
serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na
pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de
sua quitação.
Parágrafo único. No caso de
arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.
No entanto, os tributos gerados após a arrematação são de
responsabilidade do novo proprietário (o arrematante).
A responsabilidade tributária nesse caso decorre do fato de
o arrematante já ser considerado proprietário desde a assinatura do auto de
arrematação, e não apenas após o registro da carta de arrematação no cartório
de imóveis.
O registro é necessário para que terceiros reconheçam
oficialmente a nova titularidade, mas entre o arrematante e o Poder Público
(para fins tributários), a propriedade já se configura com a arrematação.
Eventuais entraves judiciais, como embargos à arrematação
propostos pelo antigo proprietário, não impedem a incidência do IPTU ao
arrematante, pois tais discussões não alteram o fato de que ele passou a ser o
titular do imóvel para fins de incidência do tributo a partir da arrematação.
Além disso, segundo o art. 34 do CTN, o contribuinte do IPTU é o proprietário
do bem, e não se exige que ele tenha a posse ou esteja usando o imóvel:
Art. 34. Contribuinte do imposto
é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a
qualquer título.
Vale ressaltar, por fim, que a arrematação judicial é
considerada perfeita e acabada com a assinatura do auto. A expedição da carta
de arrematação ou o registro no cartório apenas formalizam e completam os
efeitos dessa expropriação para fins de publicidade frente a terceiros.
Portanto, o arrematante não pode se eximir da responsabilidade pelos tributos
gerados após a arrematação sob a alegação de que ainda não obteve a posse do
imóvel.
Em suma:
A partir da expedição do auto de arrematação,
assinado pelo juiz, leiloeiro e arrematante, este torna-se responsável pelo
pagamento dos tributos do imóvel, ainda que postergada a respectiva imissão na
posse.
STJ. 1ª
Turma. AgInt no AREsp 2.689.401-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
24/2/2025 (Info 25 - Edição Extraordinária).