Dizer o Direito

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A competência territorial em relações de consumo é absoluta, permitindo ao consumidor escolher o foro; vale ressaltar, contudo, que não se admite escolha aleatória sem justificativa plausível

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é um pequeno agricultor que vive em Bonópolis, uma cidade do interior de Goiás.

Ele contratou um empréstimo com uma instituição financeira (Alfa S/A).

Algum tempo depois, João identificou supostas irregularidades nos encargos cobrados pela empresa e decidiu ajuizar uma ação declaratória para discutir a dívida. No entanto, em vez de ajuizar a ação na comarca de Bonópolis, onde mora, ou em Goiânia, onde seu advogado atua, ele ingressou com a ação em Brasília (DF).

A empresa ré contestou, alegando que a escolha do foro de Brasília não fazia sentido. Afinal, João morava em Bonópolis (onde o contrato foi assinado) e seu advogado trabalhava em Goiânia. Logo, ajuizar a ação no próprio domicílio do consumidor seria muito mais conveniente para ele do que em Brasília.

O juiz concordou com a ré e declinou da competência, determinando que o processo deveria tramitar em Bonópolis.

João interpôs agravo de instrumento, argumentando que, por se tratar de relação de consumo, ele tinha o direito de escolher livremente qualquer foro que quisesse, inclusive Brasília, já que a empresa tinha sede lá.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou provimento ao recurso, mantendo a decisão de que o processo deveria tramitar em Bonópolis.

O TJDFT reconheceu que João, como consumidor, tinha sim a faculdade de escolher o foro, mas destacou que essa escolha não pode ser aleatória e sem justificativa plausível.

Irresignado, João recorreu ao STJ alegando que a decisão violou o CDC e o CPC.

 

O STJ concordou com João?

NÃO.

A competência territorial, em se tratando de relação consumerista, é absoluta, cabendo à parte vulnerável escolher o local em que melhor possa deduzir sua defesa:

• no foro do seu domicílio;

• no de domicílio do réu;

• no foro de eleição; ou

• no local de cumprimento da obrigação.

 

Vale ressaltar, contudo, que a escolha do foro não pode ser aleatória sem justificativa plausível e pormenorizadamente demonstrada.

No caso concreto, João escolheu ajuizar a ação em Brasília, mesmo residindo em Bonópolis (GO), sendo representado por advogado que atua em Goiânia (GO) e sem apresentar qualquer justificativa concreta que justificasse essa escolha.

O fato de a empresa ré (Alfa S/A.) ter uma das suas sedes em Brasília não pode ser considerado suficiente, especialmente porque a empresa pertence a um conglomerado com atuação nacional, ou seja, se esse argumento fosse aceito, todas as ações contra esse grupo poderiam ser levadas para Brasília, o que deturparia a regra de competência e esvaziaria o princípio do juiz natural.

Além disso, o STJ ressaltou que o art. 53 do CPC prevê regras específicas para ações contra pessoas jurídicas, determinando que o foro competente deve ser o local onde está situada a agência ou filial responsável pela relação jurídica discutida, o que, no caso, indicaria também a comarca de Bonópolis ou, ao menos, uma cidade goiana.

Art. 53. É competente o foro:

I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;

d) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);

II - de domicílio ou residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;

III - do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;

b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;

c) onde exerce suas atividades, para a ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica;

d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;

e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto;

f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;

IV - do lugar do ato ou fato para a ação:

a) de reparação de dano;

b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;

V - de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

 

Em suma:

A competência territorial em relações de consumo é absoluta, permitindo ao consumidor escolher o foro, mas não se admite escolha aleatória sem justificativa plausível. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.173.132-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/9/2025 (Info 865).


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