Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é um pequeno agricultor que
vive em Bonópolis, uma cidade do interior de Goiás.
Ele contratou um empréstimo com
uma instituição financeira (Alfa S/A).
Algum tempo depois, João
identificou supostas irregularidades nos encargos cobrados pela empresa e
decidiu ajuizar uma ação declaratória para discutir a dívida. No entanto, em
vez de ajuizar a ação na comarca de Bonópolis, onde mora, ou em Goiânia, onde seu
advogado atua, ele ingressou com a ação em Brasília (DF).
A empresa ré contestou, alegando
que a escolha do foro de Brasília não fazia sentido. Afinal, João morava em
Bonópolis (onde o contrato foi assinado) e seu advogado trabalhava em Goiânia.
Logo, ajuizar a ação no próprio domicílio do consumidor seria muito mais
conveniente para ele do que em Brasília.
O juiz concordou com a ré e
declinou da competência, determinando que o processo deveria tramitar em
Bonópolis.
João
interpôs agravo de instrumento, argumentando que, por se tratar de relação de
consumo, ele tinha o direito de escolher livremente qualquer foro que quisesse,
inclusive Brasília, já que a empresa tinha sede lá.
O Tribunal de Justiça do Distrito
Federal negou provimento ao recurso, mantendo a decisão de que o processo
deveria tramitar em Bonópolis.
O TJDFT reconheceu que João, como
consumidor, tinha sim a faculdade de escolher o foro, mas destacou que essa
escolha não pode ser aleatória e sem justificativa plausível.
Irresignado, João recorreu ao STJ
alegando que a decisão violou o CDC e o CPC.
O STJ concordou com João?
NÃO.
A competência territorial, em se
tratando de relação consumerista, é absoluta, cabendo à parte vulnerável
escolher o local em que melhor possa deduzir sua defesa:
• no foro do seu domicílio;
• no de domicílio do réu;
• no foro de eleição; ou
• no local de cumprimento da
obrigação.
Vale ressaltar, contudo, que a
escolha do foro não pode ser aleatória sem justificativa plausível e
pormenorizadamente demonstrada.
No caso concreto, João escolheu
ajuizar a ação em Brasília, mesmo residindo em Bonópolis (GO), sendo
representado por advogado que atua em Goiânia (GO) e sem apresentar qualquer
justificativa concreta que justificasse essa escolha.
O fato de a empresa ré (Alfa
S/A.) ter uma das suas sedes em Brasília não pode ser considerado suficiente,
especialmente porque a empresa pertence a um conglomerado com atuação nacional,
ou seja, se esse argumento fosse aceito, todas as ações contra esse grupo
poderiam ser levadas para Brasília, o que deturparia a regra de competência e
esvaziaria o princípio do juiz natural.
Além disso, o STJ ressaltou que o art. 53 do CPC prevê
regras específicas para ações contra pessoas jurídicas, determinando que o foro
competente deve ser o local onde está situada a agência ou filial responsável
pela relação jurídica discutida, o que, no caso, indicaria também a comarca de
Bonópolis ou, ao menos, uma cidade goiana.
Art. 53. É competente o foro:
I - para a ação de divórcio, separação,
anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:
a) de domicílio do guardião de filho
incapaz;
b) do último domicílio do casal, caso
não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das
partes residir no antigo domicílio do casal;
d) de domicílio da vítima de violência
doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei
Maria da Penha);
II - de domicílio ou residência do
alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;
III - do lugar:
a) onde está a sede, para a ação em que
for ré pessoa jurídica;
b) onde se acha agência ou sucursal,
quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;
c) onde exerce suas atividades, para a
ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica;
d) onde a obrigação deve ser
satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;
e) de residência do idoso, para a causa
que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto;
f) da sede da serventia notarial ou de
registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do
ofício;
IV - do lugar do ato ou fato para a
ação:
a) de reparação de dano;
b) em que for réu administrador ou
gestor de negócios alheios;
V - de domicílio do autor ou do local
do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou
acidente de veículos, inclusive aeronaves.
Em suma:
A competência territorial em relações de consumo é
absoluta, permitindo ao consumidor escolher o foro, mas não se admite escolha
aleatória sem justificativa plausível.
STJ. 4ª
Turma. REsp 2.173.132-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
22/9/2025 (Info 865).

