Imagine a seguinte situação
hipotética:
João invadiu a casa de Regina e
de lá subtraiu diversos pertences de valor sentimental e financeiro.
Além do prejuízo material, Regina
ficou profundamente abalada, sentindo-se insegura e tendo crises de ansiedade
após a invasão.
O Ministério Público ofereceu a
denúncia contra João, imputando-lhe o crime de furto qualificado.
Na parte final da denúncia, o promotor fez o seguinte
pedido:
“Requer,
ainda, a fixação de valor mínimo para reparação dos danos morais causados à
vítima, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal.”
Ocorre que, apesar de pedir a
reparação por danos morais, o Ministério Público não indicou um valor
específico ou sequer um valor mínimo (como R$ 1.000,00, por exemplo) para essa
indenização na denúncia.
Durante a instrução processual, o
Ministério Público se concentrou na comprovação da autoria e materialidade do
furto, e não houve produção de prova específica sobre a extensão do dano moral
de Regina (embora ela tenha sido ouvida e relatado o sofrimento).
Ao proferir a sentença, o juiz de
primeira instância condenou João e, com base no art. 387, IV, do CPP, fixou uma
indenização mínima para a vítima Regina, a título de danos morais, no valor de
R$ 3.000,00. O juiz considerou o sofrimento presumido (in re ipsa) da vítima de
um furto qualificado com invasão de domicílio.
João recorreu argumentando
pedindo a reforma da sentença no que tange à fixação da indenização. O
principal argumento era que a ausência de indicação do valor na denúncia violou
o princípio do contraditório e da ampla defesa, pois não permitiu que a defesa
se preparasse para debater ou se defender especificamente daquele quantum
indenizatório durante o processo.
O Tribunal de Justiça acolheu o
recurso da defesa e afastou a indenização por danos morais fixada na sentença,
mantendo apenas a condenação criminal.
O Ministério Público,
inconformado, interpôs recurso especial, buscando o restabelecimento da
indenização de R$ 3.000,00 fixada pelo juiz.
O STJ deu provimento ao
recurso do Ministério Público?
NÃO.
A Terceira Seção do STJ, no
julgamento do REsp 1.986.672/SC, firmou entendimento no sentido de que, embora
o dano moral possa ser presumido em certos crimes (como no caso de roubo, onde
a dor da vítima é evidente), é obrigatório que a denúncia oferecida pelo Ministério
Público contenha dois elementos:
1) um pedido expresso de
indenização;
2) a indicação do valor mínimo
pretendido para essa reparação.
Isso é necessário para se
garantir o contraditório, considerando que o réu precisa saber desde o início
que poderá ser condenado a pagar um valor específico, e ter oportunidade de se
defender disso.
Em situações envolvendo dano moral presumido (in reipsa), a
definição de um valor mínimo para a reparação dos danos:
(i) não exige instrução probatória específica,
(ii) mas requer um pedido expresso e
(iii) a indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.986.672-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
julgado em 8/11/2023 (Info 16 – Edição Extraordinária).
A simples presunção de dano moral
(ou seja, o reconhecimento de que o dano existiu, mesmo sem provas detalhadas)
não dispensa a necessidade de o pedido estar formalizado na denúncia e de haver
uma indicação clara do montante pretendido.
Essa exigência decorre do sistema
acusatório (em que juiz e acusador têm funções separadas) e do princípio da
congruência, que exige que o juiz julgue exatamente o que foi pedido. Se a
denúncia não indica um valor, não cabe ao juiz fixá-lo de forma arbitrária.
A omissão do valor na denúncia
quebra essa lógica e compromete o direito de defesa do acusado.
Aplicação ao caso concreto
No caso concreto, o Ministério
Público até fez um pedido expresso de indenização na denúncia, mas não indicou
o valor.
Diante disso, mesmo sendo o dano
moral evidente, não é possível manter essa parte da condenação sob pena de
ofensa ao devido processo legal.
Tese de julgamento:
1. A fixação de indenização por danos morais, nos
termos do art. 387, IV, do CPP, exige pedido expresso e indicação do valor
pretendido na denúncia.
2. A ausência de indicação do valor pretendido
inviabiliza a fixação da indenização, por violar o princípio do contraditório e
o sistema acusatório.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 2.217.743-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
15/10/2025 (Info 870).
Exceção importante:
violência doméstica
O entendimento acima explicado não
se aplica aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, que
continuam regidos pela tese fixada no julgamento do Tema Repetitivo 983/STJ:
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito
doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a
título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte
ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de
instrução probatória.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.643.051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 28/02/2018 (Recurso Repetitivo - Tema 983) (Info 621).

