Dizer o Direito

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Não basta que o pedido de fixação de indenização por danos morais esteja expressamente formulado na denúncia; para que seja fixada a indenização do art. 387, IV, do CPP, é necessário que se indique o valor pretendido, sob pena de afronta ao princípio do contraditório

Imagine a seguinte situação hipotética:

João invadiu a casa de Regina e de lá subtraiu diversos pertences de valor sentimental e financeiro.

Além do prejuízo material, Regina ficou profundamente abalada, sentindo-se insegura e tendo crises de ansiedade após a invasão.

O Ministério Público ofereceu a denúncia contra João, imputando-lhe o crime de furto qualificado.

Na parte final da denúncia, o promotor fez o seguinte pedido:

“Requer, ainda, a fixação de valor mínimo para reparação dos danos morais causados à vítima, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal.”

 

Ocorre que, apesar de pedir a reparação por danos morais, o Ministério Público não indicou um valor específico ou sequer um valor mínimo (como R$ 1.000,00, por exemplo) para essa indenização na denúncia.

Durante a instrução processual, o Ministério Público se concentrou na comprovação da autoria e materialidade do furto, e não houve produção de prova específica sobre a extensão do dano moral de Regina (embora ela tenha sido ouvida e relatado o sofrimento).

Ao proferir a sentença, o juiz de primeira instância condenou João e, com base no art. 387, IV, do CPP, fixou uma indenização mínima para a vítima Regina, a título de danos morais, no valor de R$ 3.000,00. O juiz considerou o sofrimento presumido (in re ipsa) da vítima de um furto qualificado com invasão de domicílio.

João recorreu argumentando pedindo a reforma da sentença no que tange à fixação da indenização. O principal argumento era que a ausência de indicação do valor na denúncia violou o princípio do contraditório e da ampla defesa, pois não permitiu que a defesa se preparasse para debater ou se defender especificamente daquele quantum indenizatório durante o processo.

O Tribunal de Justiça acolheu o recurso da defesa e afastou a indenização por danos morais fixada na sentença, mantendo apenas a condenação criminal.

O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso especial, buscando o restabelecimento da indenização de R$ 3.000,00 fixada pelo juiz.

 

O STJ deu provimento ao recurso do Ministério Público?

NÃO.

A Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.986.672/SC, firmou entendimento no sentido de que, embora o dano moral possa ser presumido em certos crimes (como no caso de roubo, onde a dor da vítima é evidente), é obrigatório que a denúncia oferecida pelo Ministério Público contenha dois elementos:

1) um pedido expresso de indenização;

2) a indicação do valor mínimo pretendido para essa reparação.

 

Isso é necessário para se garantir o contraditório, considerando que o réu precisa saber desde o início que poderá ser condenado a pagar um valor específico, e ter oportunidade de se defender disso.

 

Em situações envolvendo dano moral presumido (in reipsa), a definição de um valor mínimo para a reparação dos danos:

(i) não exige instrução probatória específica,

(ii) mas requer um pedido expresso e

(iii) a indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.986.672-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 8/11/2023 (Info 16 – Edição Extraordinária).

 

A simples presunção de dano moral (ou seja, o reconhecimento de que o dano existiu, mesmo sem provas detalhadas) não dispensa a necessidade de o pedido estar formalizado na denúncia e de haver uma indicação clara do montante pretendido.

Essa exigência decorre do sistema acusatório (em que juiz e acusador têm funções separadas) e do princípio da congruência, que exige que o juiz julgue exatamente o que foi pedido. Se a denúncia não indica um valor, não cabe ao juiz fixá-lo de forma arbitrária.

A omissão do valor na denúncia quebra essa lógica e compromete o direito de defesa do acusado.

 

Aplicação ao caso concreto

No caso concreto, o Ministério Público até fez um pedido expresso de indenização na denúncia, mas não indicou o valor.

Diante disso, mesmo sendo o dano moral evidente, não é possível manter essa parte da condenação sob pena de ofensa ao devido processo legal.

 

Tese de julgamento:

1. A fixação de indenização por danos morais, nos termos do art. 387, IV, do CPP, exige pedido expresso e indicação do valor pretendido na denúncia.

2. A ausência de indicação do valor pretendido inviabiliza a fixação da indenização, por violar o princípio do contraditório e o sistema acusatório.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.217.743-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 15/10/2025 (Info 870).

 

Exceção importante: violência doméstica

O entendimento acima explicado não se aplica aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, que continuam regidos pela tese fixada no julgamento do Tema Repetitivo 983/STJ:

Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.643.051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/02/2018 (Recurso Repetitivo - Tema 983) (Info 621).


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