Imagine a seguinte situação
hipotética:
Carlos foi denunciado pelo
Ministério Público pela prática de homicídio qualificado, sendo submetido a
julgamento pelo Tribunal do Júri.
Durante a instrução processual,
na fase do art. 422 do CPP, as partes arrolaram suas testemunhas e requereram
as diligências que entendiam necessárias. Vale ressaltar que nenhuma testemunha
ocular do crime havia sido localizada até então.
Em plenário, os jurados
absolveram Carlos acolhendo a tese de negativa de autoria.
O Ministério Público interpôs recurso de apelação com
fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP, alegando que a decisão dos jurados
foi manifestamente contrária à prova dos autos:
Art. 593. Caberá apelação no
prazo de 5 (cinco) dias:
(...)
III - das decisões do Tribunal do
Júri, quando:
(...)
d) for a decisão dos jurados
manifestamente contrária à prova dos autos.
O Tribunal de Justiça deu
provimento ao recurso e determinou a realização de novo julgamento.
Antes dos preparativos para a
realização do segundo júri, uma pessoa compareceu espontaneamente ao Ministério
Público afirmando ter presenciado os fatos. Tratava-se de uma testemunha ocular
do crime, até então desconhecida.
O MP requereu a oitiva dessa nova
testemunha no segundo julgamento em plenário.
O pedido do MP para a
oitiva dessa nova testemunha pode ser acolhido?
NÃO.
Limitações temporais ao
direito à prova
O direito à prova no processo
penal não é absoluto e está sujeito a limitações temporais.
O Código de Processo Penal impõe
balizas para a produção probatória, estabelecendo marcos temporais específicos
para o exercício desse direito.
No procedimento do Tribunal do Júri, as testemunhas devem
ser arroladas na fase do art. 422 do CPP, sob pena de preclusão:
Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal
do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do
querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias,
apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5
(cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência.
No caso concreto, as testemunhas
do primeiro julgamento foram regularmente indicadas nessa fase processual, de
modo que o momento oportuno para arrolamento já havia se consumado.
Impossibilidade de inovação
probatória após cassação do veredicto
O novo julgamento pelo Tribunal
do Júri, quando motivado pela cassação do primeiro veredicto por estar
manifestamente contrário à prova dos autos (art. 593, III, "d", do
CPP), deve ocorrer com base no mesmo conjunto probatório apresentado na primeira
sessão de julgamento. Isso significa que não é permitido apresentar novas
provas ou testemunhas que não tenham sido arroladas na fase inicial.
O objetivo dessa regra é
preservar a segurança jurídica e a paridade de armas entre acusação e defesa,
evitando que uma das partes tenha a oportunidade de reformular sua estratégia
com base no resultado anterior.
Consequências da ampliação
do acervo probatório
Haveria duas consequências graves
caso se admitisse a inclusão de nova testemunha no segundo julgamento:
1) Se admitida a ampliação do
acervo probatório, haveria, na verdade, um novo e inédito julgamento, e não a
renovação do primeiro. Isso desvirtuaria completamente a finalidade da regra
recursal prevista no art. 593, III, “d”, do CPP.
2) É vedada uma segunda apelação pelo mesmo motivo, conforme
prevê a parte final do § 3º do art. 593 do CPP:
Art. 593 (...)
§ 3º Se a apelação se fundar no nº
III, “d”, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos
jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para
sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo,
segunda apelação.
Se o conjunto probatório for
ampliado no segundo julgamento, em relação a essa nova quadra probatória haverá
apenas um julgamento, sem possibilidade de recurso com fundamento na alínea “d”,
pois esse recurso já terá sido manejado anteriormente. Dessa forma, a parte
prejudicada por eventual decisão manifestamente contrária à prova dos autos no
segundo julgamento ficaria impossibilitada de recorrer, já que o recurso
previsto no art. 593, III, “d”, só pode ser utilizado uma única vez.
Violação ao devido processo
legal
Assim, a admissão da testemunha
inédita no segundo julgamento ocasionaria indevida violação ao devido processo
legal.
Em suma:
Em novo julgamento pelo Tribunal de Júri, pelo fato
do primeiro veredito ter sido considerado manifestamente contrário à prova dos
autos, não se pode admitir inovação no conjunto probatório que será levado ao
conhecimento do novo Conselho de Sentença.
STJ. 6ª
Turma. REsp 2.225.331-RJ, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em
04/11/2025 (Info 870).
No mesmo sentido:
O réu foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. Houve
recurso para o Tribunal de Justiça e o júri foi anulado sob o argumento de que
a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Foi,
então, designada uma nova sessão do Júri.
Para esse novo julgamento, não é possível que se conceda às
partes o direito de inovar no conjunto probatório mediante a apresentação de
novo rol de testemunhas a serem ouvidas em plenário.
STJ. 5ª Turma. HC 243452-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
26/2/2013 (Info 516).
É lícito o indeferimento de parte das provas requeridas pela
defesa após a anulação do primeiro julgamento, não sendo permitido ao Juiz
Presidente repetir a fase de preparação do julgamento prevista no art. 422 do
Código de Processo Penal, pois a indicação das provas a serem produzidas em
Plenário já foi realizada no mesmo procedimento e encontra-se acobertada pela
preclusão, inexistindo constrangimento ilegal.
STJ. 5ª Turma. RHC 120.356/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
10/3/2020.

