Dizer o Direito

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Réu foi absolvido pelo Júri; TJ deu provimento à apelação para a realização de novo júri porque a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos; neste novo júri, não se pode arrolar testemunhas diferentes do primeiro

Imagine a seguinte situação hipotética:

Carlos foi denunciado pelo Ministério Público pela prática de homicídio qualificado, sendo submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Durante a instrução processual, na fase do art. 422 do CPP, as partes arrolaram suas testemunhas e requereram as diligências que entendiam necessárias. Vale ressaltar que nenhuma testemunha ocular do crime havia sido localizada até então.

Em plenário, os jurados absolveram Carlos acolhendo a tese de negativa de autoria.

O Ministério Público interpôs recurso de apelação com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP, alegando que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

(...)

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

(...)

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

 

O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso e determinou a realização de novo julgamento.

Antes dos preparativos para a realização do segundo júri, uma pessoa compareceu espontaneamente ao Ministério Público afirmando ter presenciado os fatos. Tratava-se de uma testemunha ocular do crime, até então desconhecida.

O MP requereu a oitiva dessa nova testemunha no segundo julgamento em plenário.

 

O pedido do MP para a oitiva dessa nova testemunha pode ser acolhido?

NÃO.

 

Limitações temporais ao direito à prova

O direito à prova no processo penal não é absoluto e está sujeito a limitações temporais.

O Código de Processo Penal impõe balizas para a produção probatória, estabelecendo marcos temporais específicos para o exercício desse direito.

No procedimento do Tribunal do Júri, as testemunhas devem ser arroladas na fase do art. 422 do CPP, sob pena de preclusão:

Art. 422.  Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência.

 

No caso concreto, as testemunhas do primeiro julgamento foram regularmente indicadas nessa fase processual, de modo que o momento oportuno para arrolamento já havia se consumado.

 

Impossibilidade de inovação probatória após cassação do veredicto

O novo julgamento pelo Tribunal do Júri, quando motivado pela cassação do primeiro veredicto por estar manifestamente contrário à prova dos autos (art. 593, III, "d", do CPP), deve ocorrer com base no mesmo conjunto probatório apresentado na primeira sessão de julgamento. Isso significa que não é permitido apresentar novas provas ou testemunhas que não tenham sido arroladas na fase inicial.

O objetivo dessa regra é preservar a segurança jurídica e a paridade de armas entre acusação e defesa, evitando que uma das partes tenha a oportunidade de reformular sua estratégia com base no resultado anterior.

 

Consequências da ampliação do acervo probatório

Haveria duas consequências graves caso se admitisse a inclusão de nova testemunha no segundo julgamento:

1) Se admitida a ampliação do acervo probatório, haveria, na verdade, um novo e inédito julgamento, e não a renovação do primeiro. Isso desvirtuaria completamente a finalidade da regra recursal prevista no art. 593, III, “d”, do CPP.

2) É vedada uma segunda apelação pelo mesmo motivo, conforme prevê a parte final do § 3º do art. 593 do CPP:

Art. 593 (...)

§ 3º Se a apelação se fundar no nº III, “d”, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.

 

Se o conjunto probatório for ampliado no segundo julgamento, em relação a essa nova quadra probatória haverá apenas um julgamento, sem possibilidade de recurso com fundamento na alínea “d”, pois esse recurso já terá sido manejado anteriormente. Dessa forma, a parte prejudicada por eventual decisão manifestamente contrária à prova dos autos no segundo julgamento ficaria impossibilitada de recorrer, já que o recurso previsto no art. 593, III, “d”, só pode ser utilizado uma única vez.

 

Violação ao devido processo legal

Assim, a admissão da testemunha inédita no segundo julgamento ocasionaria indevida violação ao devido processo legal.

 

Em suma:

Em novo julgamento pelo Tribunal de Júri, pelo fato do primeiro veredito ter sido considerado manifestamente contrário à prova dos autos, não se pode admitir inovação no conjunto probatório que será levado ao conhecimento do novo Conselho de Sentença. 

STJ. 6ª Turma. REsp 2.225.331-RJ, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 04/11/2025 (Info 870).

 

No mesmo sentido:

O réu foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. Houve recurso para o Tribunal de Justiça e o júri foi anulado sob o argumento de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Foi, então, designada uma nova sessão do Júri.

Para esse novo julgamento, não é possível que se conceda às partes o direito de inovar no conjunto probatório mediante a apresentação de novo rol de testemunhas a serem ouvidas em plenário.

STJ. 5ª Turma. HC 243452-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 26/2/2013 (Info 516).

 

É lícito o indeferimento de parte das provas requeridas pela defesa após a anulação do primeiro julgamento, não sendo permitido ao Juiz Presidente repetir a fase de preparação do julgamento prevista no art. 422 do Código de Processo Penal, pois a indicação das provas a serem produzidas em Plenário já foi realizada no mesmo procedimento e encontra-se acobertada pela preclusão, inexistindo constrangimento ilegal.

STJ. 5ª Turma. RHC 120.356/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 10/3/2020.


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