Dizer o Direito

quinta-feira, 31 de julho de 2025

A empresa de turismo é responsável pela falha na prestação do serviço ao emitir passagem em classe diversa da solicitada, devendo indenizar o consumidor pelos prejuízos decorrentes

Imagine a seguinte situação hipotética:

A Embaixada do Reino da Arábia Saudita no Brasil precisava que sua Embaixatriz realizasse uma viagem oficial urgente para Jeddah, na Arábia Saudita, para participar de importantes eventos diplomáticos.

Por questões de segurança e protocolo diplomático, todos os agentes da missão e seus familiares só podem viajar em classe executiva, sendo-lhes vedado realizar voos em classe econômica.

A secretária da Embaixada contratou uma empresa de turismo para adquirir as passagens aéreas em nome da embaixatriz, com ida e volta de Brasília para a Arábia Saudita, especificamente em classe executiva. A empresa foi claramente informada sobre essa exigência antes da compra.

Após efetuar o pagamento, a Embaixada recebeu os bilhetes aéreos. Contudo, apenas no momento de verificar o horário do embarque do voo internacional, descobriram que o bilhete de volta havia sido emitido erroneamente na classe econômica, sem qualquer aviso prévio.

Diante da impossibilidade de usar a passagem (devido às regras de protocolo diplomático), a Embaixada exigiu reparação urgente da situação. A empresa de turismo procedeu ao cancelamento da reserva, mas não conseguiu confirmar uma nova reserva, deixando a Embaixatriz em situação de desamparo no exterior, sem data prevista para retorno ao Brasil.

Após várias ligações internacionais e tentativas frustradas, a Embaixada conseguiu, finalmente, fazer uma nova reserva com outra empresa de turismo.

A Embaixada ajuizou ação de indenização contra a agência de turismo, pleiteando reparação por danos morais e danos materiais (reembolso da passagem inutilizada).

 

Primeira pergunta: de quem é a competência para julgar essa ação em primeira instância?

Justiça Federal, nos termos do art. 109, II, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;

 

No caso concreto, o Juiz Federal rejeitou o pedido de danos morais (por entender que deveria ser pleiteado pela pessoa física), mas julgou procedente o pedido de danos materiais, condenando a empresa ao reembolso.

 

Segunda pergunta: de quem é a competência para julgar o recurso contra a sentença?

Do STJ, conforme previsão do art. 105, II, “c”, da CF/88.

O recurso cabível contra as decisões proferidas nestas causas consiste no recurso ordinário constitucional, que é julgado pelo STJ e não pelo TRF:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(...)

II - julgar, em recurso ordinário:

(...)

c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;

 

Desse modo, trata-se de interessante hipótese na qual o STJ julgará um recurso contra sentença de Juiz Federal.

No caso concreto, a empresa recorreu ao STJ, alegando ilegitimidade ativa da Embaixada (argumentando que os danos foram suportados pela Embaixatriz) e ausência de nexo de causalidade, sustentando que o erro teria sido do sistema da companhia aérea.

 

O STJ manteve a condenação da empresa de turismo ao pagamento dos danos materiais?

SIM.

Os documentos demonstram que a compra dos bilhetes aéreos foi realizada pela Embaixada da Arábia Saudita, através de preposto, e não diretamente pela Embaixatriz.

Nesse cenário, a autora tem legitimidade ativa para postular reparação equivalente ao ressarcimento do bilhete aéreo, pois, efetivamente, suportou o prejuízo material do dano causado.

No mérito, o STJ confirmou a procedência do pedido para condenar a ré ao pagamento de danos materiais decorrentes da emissão equivocada de passagem aérea.

Por ser a relação travada entre as partes de cunho nitidamente consumerista, aplicam-se as disposições previstas no Código de Defesa do Consumidor.

O art. 14 do CDC estabelece o seguinte:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 

Trata-se, portanto, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, e somente pode ser elidida se demonstrada:

a) a ocorrência de força maior ou caso fortuito externo;

b) a inexistência do defeito; e

c) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 

Nos termos do art. 14, caput, do CDC, o fornecedor de serviços responde objetivamente (ou seja, independentemente de culpa ou dolo) pela reparação dos danos suportados pelos consumidores, decorrentes da má prestação do serviço.

 Além disso, o § 3º do referido dispositivo legal prevê hipótese de inversão do ônus da prova ope legis (a qual dispensa os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC), assinalando que o fornecedor só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro deve ser cabalmente comprovada pelo fornecedor de serviços, a fim de romper o nexo de causalidade e, consequentemente, ilidir a sua responsabilidade objetiva, o que não ocorreu na hipótese.

No presente caso, ficou evidenciada  a     prestação   do   serviço, porquanto comprovado que a autora solicitou a compra de passagem aérea, ida e volta, para o trecho Brasília/Jeddah, na Arábia Saudita, em classe executiva. Não obstante, o bilhete de volta foi emitido na classe econômica.

A justificativa da ré para o equívoco, qual seja, de que o sistema de emissão de passagens da companhia aérea alterou a passagem de volta para a classe econômica, não isenta de culpa ou afasta o dever de indenizar.

Na qualidade de prestadora de serviço de venda de passagens aéreas, a ré tem o dever de conferir os bilhetes por ela emitidos, verificando se estão adequados às solicitações do consumidor que com ela contrata. Ademais, a culpa exclusiva de terceiro, qual seja, da companhia aérea, não foi devidamente demonstrada.

A alegação da ré de que a secretária da Embaixada teria sido alertada do ocorrido e requerido o cancelamento da volta da Embaixatriz na classe econômica, não efetuando o pagamento da diferença tarifária relativa à classe executiva, não foi comprovada. Ainda que assim não fosse, tal situação não afastaria a responsabilidade da ré. Isso, porque ela tinha a obrigação de verificar se os bilhetes foram emitidos em conformidade com o solicitado pelo consumidor. Então, ela não cumpriu com essa obrigação e ocasionou o cancelamento da passagem, sujeitando a autora a adquirir novo bilhete em outra companhia aérea. Por isso, deve arcar com os prejuízos materiais sofridos.

 

Em suma:

A empresa de turismo é responsável pela falha na prestação do serviço ao emitir passagem em classe diversa da solicitada, devendo indenizar o consumidor pelos prejuízos decorrentes. 

STJ. 4ª Turma. RO 289-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 28/4/2025 (Info 853).


terça-feira, 29 de julho de 2025

INFORMATIVO Comentado 1182 STF (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1182 DO STF


Direito Constitucional

EDUCAÇÃO

§  Colégios Militares são considerados escolas públicas para fins de aplicação da política de cotas da Lei nº 12.711/2012, não sendo legítima sua exclusão pelo critério de excelência de ensino.

 

PROCESSO LEGISLATIVO

§  Projeto lei ordinária proposto pelo Executivo foi convertido em lei complementar por emendas parlamentares durante sua tramitação; isso é válido, desde que essas emendas guardem relação com o tema do projeto e não gerem aumento de despesas.

 

ADVOCACIA

§  Os §§ 1º e 2º do art. 7º do EAOAB constaram como revogados pela Lei 14.365/2022, mas foi mero equívoco; tais dispositivos continuam em vigor.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

TEMAS DIVERSOS

§  Com exceção dos processos transitados em julgado, o direito a diferenças de correção monetária dos depósitos de poupança referentes ao Plano Collor II, não bloqueados pelo Banco Central, se dará nos termos do acordo coletivo, definido na ADPF 165.


INFORMATIVO Comentado 854 (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 854 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS

§  O abono de permanência integra a base de cálculo do adicional de férias e da gratificação natalina do servidor público.

 

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

§  A Lei 14.230/2021 proibiu o reexame necessário no caso de improcedência ou extinção do processo sem resolução do mérito; essa alteração não se aplica para processos cuja sentença seja anterior à Lei 14.230/2021.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

§  Honorários advocatícios em demandas de saúde contra o Poder Público devem ser fixados por apreciação equitativa, sem aplicação de valores mínimos.

 

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

§  Prescrição de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública não é suspensa durante cumprimento de obrigação de implantar em folha de pagamento

 

EXECUÇÃO FISCAL

§  Nas execuções fiscais com única Certidão de Dívida Ativa contendo débitos de exercícios diferentes do mesmo tributo, a determinação da alçada considera o valor total da dívida.

§  O oferecimento de fiança bancária ou seguro garantia, no valor do débito acrescido de trinta por cento, suspende a exigibilidade de crédito não tributário, sendo vedada sua recusa pelo credor salvo insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da garantia

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  Provas obtidas em busca domiciliar são admissíveis mesmo quando há revista íntima ilícita durante a execução do mandado, por ausência de nexo causal entre os meios de obtenção.

§  Aplicação do princípio da lex diligentiae em cooperação internacional penal valida provas obtidas no exterior conforme legislação local.

 

EXECUÇÃO PENAL (INDULTO)

§  O indulto natalino do Decreto 11.846/2023 não alcança a pena de multa do tráfico de drogas, salvo no caso de tráfico privilegiado.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

PIS/COFINS

§  Não incidem PIS e COFINS sobre receitas de vendas e prestações de serviços realizadas a pessoas físicas ou jurídicas dentro da Zona Franca de Manaus, pois essas operações se equiparam a exportações.


A negativa de acesso a informações do livro de portaria de unidade prisional, documento classificado como sigiloso (acesso restrito), não viola o direito líquido e certo do impetrante de obter informações públicas

Imagine a seguinte situação hipotética:

João formulou requerimento administrativo ao Diretor Geral do Presídio de Mariana/MG pedindo acesso e cópia integral de nove páginas específicas do livro de portaria do Presídio. Essas páginas contêm os registros de entradas e saídas de pessoas na portaria da unidade prisional.

A administração pública negou o acesso ao livro de portaria alegando que as páginas solicitadas continham dados pessoais de servidores, visitantes e outros indivíduos, além de informações sobre rotinas e procedimentos de segurança do presídio. Argumentou-se que a divulgação desses dados poderia comprometer a segurança da unidade prisional.

Também foi mencionado que as informações estavam classificadas como sigilosas, com grau “reservado”, com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Por fim, sustentou-se que o pedido era genérico e sem objetividade, e que a divulgação poderia violar o sigilo funcional previsto no Código Penal.

Inconformado, João impetrou mandado de segurança argumentando que as páginas solicitadas não são sigilosas e que a Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) garante o acesso a documentos públicos sem necessidade de justificativa.

O impetrante esclareceu que buscava apenas registros de entrada e saída de pessoas na portaria, excluindo dados sobre internos, advogados e autoridades, o que não comprometeria a segurança da unidade.

O TJMG negou a segurança.

Diante disso, João interpôs recurso ordinário reiterando os argumentos.

 

O que decidiu o STJ? O impetrante tem direito líquido e certo de obter essas informações presentes no livro de portaria de unidade prisional?

NÃO.

A administração pública está submetida ao princípio da publicidade, que impõe a ampla divulgação de seus atos, de modo a permitir seu conhecimento pela coletividade e possibilitar o controle pelos interessados, conforme previsto no art. 37, caput, da CF/88.

O direito de acesso a informações e certidões emitidas por órgãos públicos, seja de interesse individual ou coletivo, encontra-se expressamente assegurado pela Constituição Federal, nos termos dos arts. 5º, XXXIII, e 37, § 3º, II, da CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

[...]

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;

 

Portanto, o acesso à informação pública é um instrumento indispensável ao exercício da participação democrática e ao fortalecimento do controle social sobre a atuação estatal.

 

O acesso à informação pública não exige justificativa do solicitante

O direito fundamental de acesso à informação pública incide sobre todos os atos e procedimentos administrativos que não estejam acobertados por sigilo legal e não comporta condicionamentos baseados na exigência das razões da solicitação (art. 10, § 6º, da LAI).

A Constituição conferiu a todas as pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, o direito fundamental de acesso à informação pública, sem estabelecer discriminação alguma. Logo, prevalece a ideia segundo a qual todos podem, em legítimo exercício da cidadania, solicitar informações públicas.

 

Transparência ativa e passiva: duas formas de garantir o acesso à informação

A divulgação espontânea de informações públicas pelo Estado denomina-se transparência ativa, enquanto a prestação de informações em resposta a solicitações dos interessados configura a transparência passiva. Ambas são indispensáveis à efetividade do direito fundamental de acesso à informação.

 

A publicidade é a regra; o sigilo, a exceção

Não se admite, como regra, a negativa de acesso a informações, salvo nas hipóteses excepcionais legalmente previstas, especialmente quando relacionadas à proteção da segurança ou à privacidade/intimidade das pessoas.

Nos termos do que dispõe o art. 6º da Lei de Acesso à Informação (LAI), incumbe aos órgãos e às entidades da administração pública, com observância das normas e dos procedimentos legais pertinentes, garantir a proteção das informações classificadas como sigilosas e daquelas de natureza pessoal. Essa proteção deve assegurar não apenas a restrição de acesso mas também a preservação da disponibilidade, da autenticidade e da integridade desses dados, de modo a resguardar o interesse público envolvido.

 

A LAI prevê três categorias específicas de restrição ao acesso informacional

Seguindo esse raciocínio, a própria Lei de Acesso à Informação prevê expressamente três categorias distintas de restrição ao acesso informacional, quais sejam:

1) dados cujo sigilo decorre de imposição legal, conforme disposto no art. 22;

2) informações de natureza pessoal, nos termos do art. 31; e

3) informações classificadas como sigilosas segundo o procedimento formal previsto no art. 23 da referida norma.

 

O caso concreto: pedido de informações do livro de portaria de unidade prisional

Em relação ao objeto do mandado de segurança em questão, vale esclarecer que a parte recorrente buscava informações constantes do livro de portaria da Unidade Prisional de Mariana/MG.

O livro de portaria de unidade prisional é um documento em que são registradas informações sobre pessoas, rotinas e ocorrências no respectivo setor. Por sua vez, esse é notoriamente um local sensível e estratégico para a segurança de cada unidade prisional e da população em geral.

 

A administração fundamentou adequadamente a negativa de acesso

No caso concreto, a administração pública negou acesso ao pedido argumentando que os registros solicitados (do livro de portaria) contêm dados sigilosos e sensíveis. A divulgação dessas informações poderia afetar a segurança e o funcionamento da unidade prisional. Essa decisão está de acordo com a Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011).

Logo, a classificação de sigilo foi realizada de acordo com os procedimentos legais, não havendo ilegalidade na decisão administrativa que negou o acesso às informações solicitadas.

 

Em suma:

A negativa de acesso a informações do livro de portaria de unidade prisional, documento classificado como sigiloso (acesso restrito), não viola o direito líquido e certo do impetrante de obter informações públicas. 

STJ. 1ª Turma. RMS 67.965-MG, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 3/6/2025 (Info 853).


segunda-feira, 28 de julho de 2025

A manifestação sobre a proposta de acordo de não persecução penal deve ocorrer após o seu oferecimento, não cabendo ao réu ou ao investigado decidir quando se manifestará

Imagine a seguinte situação hipotética:

João respondia a um processo criminal que começou antes da criação do ANPP, ou seja, antes da Lei nº 13.964/2019 entrar em vigor.

Quando a lei passou a permitir o ANPP, mesmo para processos antigos ainda em andamento, o Ministério Público resolveu oferecer esse acordo para João, já com o processo em fase de recurso.

Intimado, João não disse se aceitava ou não o acordo. Em vez disso, afirmou que só decidiria depois que o tribunal analisasse algumas questões de nulidade suscitadas em seu recurso. Ele queria esperar o julgamento dessas preliminares para, só então, responder sobre o ANPP.

 

O STJ concordou com o pedido de João?

NÃO.

O STJ e o STF consolidaram entendimento no sentido de ser plenamente viável a celebração de ANPP em ações penais que já estavam em trâmite quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019, cabendo ao Ministério Público, de ofício ou mediante provocação, na primeira oportunidade que tiver para falar nos autos, manifestar-se de modo fundamentado sobre a possibilidade ou não da propositura do acordo.

No caso, em atenção ao referido entendimento, o Ministério Público Federal apresentou proposta de ANPP à parte, que, todavia, deixou de expressar concordância, pugnando que antes de sua manifestação fossem apreciadas pelo STJ preliminares processuais suscitadas ao tempo do recurso especial interposto. No entanto, a pretensão não tem amparo legal.

Isso porque, o ANPP possui a natureza de negócio jurídico processual, atribuindo às partes a prerrogativa de avaliar a pertinência (ou não) de evitar a instauração (ou continuidade) da ação penal, desde que respeitados os requisitos legais previstos no art. 28-A do CPP. Se, por um lado, não pode o órgão de acusação deixar de oferecer, sem justificativa razoável, a proposta de acordo, por outro, não é dado ao réu/investigado decidir em que momento deseja manifestar-se sobre um acordo que foi efetivamente proposto.

De fato, sendo o caso de arquivamento das investigações (nos termos da literalidade do art. 28-A, do CPP), não se deve celebrar acordo de não persecução penal; isto é, se não há razão legal para tramitar ação penal, tampouco há justificativa para negociar acordo que pressupõe confissão e aceitação de cumprimento de obrigações naturalmente gravosas.

Disto não decorre, todavia, direito ao investigado/réu de decidir quando se manifestará sobre a proposta formulada pelo Ministério Público, cabendo-lhe, isto sim, recusar a proposta, indicando as razões pelas quais sua celebração não se justifica, razões estas a serem analisadas pelo juízo no momento do julgamento das teses defensivas.

Portanto, considerando que a parte, devidamente intimada para se manifestar sobre o ANPP proposto pelo Ministério Público Federal, entendeu (dentro de seu espaço de discricionariedade) que o acordo não lhe seria vantajoso, uma vez que pretende ver reconhecidas nulidades suscitadas no recurso especial interposto, mostra-se de rigor a regular continuidade do feito para que sejam julgadas as teses recursais.

 

Em suma:

A manifestação sobre a proposta de acordo de não persecução penal deve ocorrer após o seu oferecimento, não cabendo ao réu ou ao investigado decidir quando se manifestará. 

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.171.590-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 14/5/2025 (Info 852).


Revisão para o concurso de Promotor de Justiça do Rio de Janeiro (MP/RJ)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível a Revisão para o concurso de Promotor de Justiça do Rio de Janeiro (MP/RJ).

Bons estudos.



 

domingo, 27 de julho de 2025

O que é o estelionato sentimental? Quais são as suas consequências no campo da responsabilidade civil?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina era uma professora aposentada de 60 anos, que tinha ficado viúva há pouco tempo. Ela conheceu Fernando, um homem 12 anos mais novo, que ainda era casado na época.

Eles iniciaram conversas apaixonadas durante um tempo, até que, em novembro de 2018, Fernando a beijou e disse que iria se separar da esposa.

Na ocasião, Fernando relatou que passava por dificuldades financeiras e pediu ajuda. Regina pagou diversas despesas de Fernando. Em seguida, ele se mudou para a casa da viúva.

A partir daí, Fernando começou a fazer sucessivos pedidos de empréstimo à Regina, sempre alegando estar passando por graves dificuldades financeiras.

Em apenas 10 meses de relacionamento, Regina gastou aproximadamente R$ 40.000,00 com despesas para Fernando, incluindo uma motocicleta, cursos, roupas novas, um saxofone, um cachorro de raça, além de quitar dívidas de faculdade em atraso.

As conversas entre eles (posteriormente analisadas pela Justiça) mostravam que Fernando constantemente se colocava em posição de vulnerabilidade emocional, despertando a compaixão de Regina. Ele frequentemente mencionava sonhos não realizados e necessidades financeiras.

O relacionamento chegou ao fim em junho de 2019, quando Regina negou mais um pedido de empréstimo.

Fernando saiu de casa de forma abrupta e sem justificativa clara, encerrando a relação.

Sentindo-se enganada e percebendo que havia sido vítima de manipulação emocional para fins financeiros, Regina ajuizou uma ação de indenização por danos materiais e morais contra Fernando, alegando ter sido vítima de “estelionato sentimental”.

O juiz julgou procedente o pedido, condenando Fernando a pagar R$ 40.000,00 de danos materiais e R$ 15.000,00 de danos morais.

Fernando apelou, alegando que não houve ato ilícito de sua parte, que não agiu com dolo e que vivia em harmonia com Regina, sendo apenas presenteado por ela.

O Tribunal de Justiça, contudo, negou provimento à apelação, mantendo a condenação.

Ainda inconformado, Fernando interpôs recurso especial ao STJ, sustentando que não praticou ato ilícito e que não foram comprovados danos que justifiquem sua responsabilização civil.

 

O STJ manteve a condenação de Fernando?

SIM.

O denominado estelionato sentimental ocorre com a simulação de relação afetiva, em que uma das partes, valendo-se da vulnerabilidade emocional da outra, busca obter ganhos financeiros.

Segundo o art. 171 do Código Penal, verifica-se que, para a configuração de crimes de estelionato em geral, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos:

i) obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio;

ii) emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento;

iii) induzimento ou manutenção da vítima em erro.

 

No caso concreto, ficou comprovado que:

i) houve obtenção de vantagem ilícita, pois os gastos financeiros suportados pela vítima não advieram de despesas ordinárias de um relacionamento amoroso, mas de desejos patrimoniais exclusivos do recorrente, em curto espaço de tempo;

ii) o recorrente sabia da situação de vulnerabilidade emocional da recorrida e a induziu a erro, simulando a existência de uma relação amorosa; e

iii) o recorrente agiu com ardil, contando histórias de dificuldades financeiras e fazendo pressão para obter dinheiro fácil e rápido da vítima.

 

Diante desse cenário, ainda que o pagamento de despesas tenha ocorrido espontaneamente, sem nenhuma coação, isto não afasta, no caso, a prática de ato ilícito, porque, o que caracteriza o estelionato é, exatamente, o fato de que a vítima não age coagida, mas de forma iludida, acreditando em algo que não existe.

Dessa forma, como consequência da simulação do relacionamento e das condutas com o objetivo de obter ganho financeiro, em princípio, é devida à vítima indenização a título de danos materiais, pelas despesas extraordinárias decorrentes do relacionamento, e de danos morais, pela situação vivenciada.

 

Em suma:

O estelionato sentimental configura ato ilícito que gera o direito à indenização a título de danos morais e de danos materiais pelas despesas extraordinárias decorrentes do relacionamento. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.208.310-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/5/2025 (Info 852).

 

DOD Teste: revisão em perguntas

Quais são os elementos caracterizadores do estelionato sentimental conforme a jurisprudência do STJ?

O estelionato sentimental caracteriza-se pela simulação de relação afetiva em que uma das partes se vale da vulnerabilidade emocional da outra para obter ganhos financeiros. Os elementos configuradores são: obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, emprego de artifício, ardil ou meio fraudulento, e induzimento ou manutenção da vítima em erro. A conduta deve ser pautada na má-fé com objetivo específico de ludibriar o parceiro e obter vantagens patrimoniais da relação amorosa.

 

Como se diferencia o estelionato sentimental de despesas ordinárias de um relacionamento amoroso?

A distinção reside na natureza, quantidade e timing dos gastos. No estelionato sentimental, os gastos são excessivos, de natureza diversa e concentrados em curto período, não se tratando de presentes pontuais ou atos de carinho. Os gastos decorrem de desejos patrimoniais exclusivos do estelionatário, que se aproveita da vulnerabilidade emocional da vítima para induzir despesas extraordinárias que fogem à normalidade de um relacionamento.

 

Qual é a configuração do ato ilícito no estelionato sentimental sob a perspectiva do Código Civil?

O ato ilícito configura-se pela conduta de má-fé com objetivo de ludibriar o parceiro e obter vantagens patrimoniais, enquadrando-se nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil. A simulação da relação afetiva e a exploração da vulnerabilidade emocional da vítima constituem violação ao dever de agir com boa-fé, gerando responsabilidade civil por danos materiais e morais causados.

 

Como a jurisprudência trata a questão da voluntariedade dos pagamentos no estelionato sentimental?

O fato de os pagamentos terem ocorrido espontaneamente, sem coação física, não afasta a configuração do ato ilícito. O que caracteriza o estelionato é precisamente o fato de a vítima não agir coagida, mas de forma iludida, acreditando em algo que não existe. A voluntariedade aparente é resultado do ardil empregado pelo estelionatário, que induz a vítima ao erro através da simulação da relação afetiva.

 

Quais são os tipos de danos indenizáveis no estelionato sentimental?

São devidas indenizações por danos materiais e morais. Os danos materiais correspondem às despesas extraordinárias decorrentes do relacionamento fraudulento, que não seriam suportadas em uma relação genuína. Os danos morais decorrem da lesão à autoestima da vítima, que se sente enganada, humilhada e ridicularizada ao descobrir que foi ludibriada em seus sentimentos mais íntimos.

 

Como a teoria do enriquecimento sem causa se aplica ao estelionato sentimental?

Mesmo que não configurado o estelionato sentimental, a devolução dos valores seria medida adequada para evitar o enriquecimento sem causa do beneficiário. Quando há consciência de que os valores constituem empréstimos e não presentes, especialmente pelo considerável valor envolvido, surge o dever de restituição para impedir que alguém se locuplete indevidamente em detrimento de outrem.

 

Qual é o padrão comportamental típico do estelionatário sentimental identificado pela jurisprudência?

O padrão envolve: percepção da vulnerabilidade emocional e psicológica da vítima, envolvimento amoroso de curto a médio prazo com fim específico de obter vantagem econômica, promessas de devolução dos valores, e encerramento abrupto e injustificado do relacionamento após obter os ganhos desejados. O agente costuma se colocar em posição de inferioridade e vulnerabilidade para despertar a compaixão da vítima.

 

Como a diferença de idade e situação financeira influencia na caracterização do estelionato sentimental?

A disparidade de idade e situação financeira constitui elemento relevante para demonstrar a vulnerabilidade da vítima e a estratégia do estelionatário. A escolha de vítimas com melhor situação financeira e em estado de vulnerabilidade emocional (como viuvez) evidencia o planejamento e a má-fé na conduta, reforçando a caracterização do ato ilícito e justificando a aplicação de penalidades mais rigorosas.


sábado, 26 de julho de 2025

É possível que um cassino de Las Vegas cobre, no Brasil, dívida de jogo que foi contraída por brasileiro quando ele estava lá, considerando que o jogo é uma prática lícita em Nevada (EUA)

Imagine a seguinte situação hipotética:

Roberto é um empresário brasileiro que viajou para Las Vegas, nos Estados Unidos, para uma convenção de negócios.

Durante sua estadia, ele visitou o famoso cassino Wynn Las Vegas, onde jogou poker e blackjack.

Após algumas horas, Roberto havia perdido uma quantia considerável e, para continuar jogando, solicitou um empréstimo ao cassino no valor de US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares).

O cassino, seguindo seus procedimentos padrão para clientes VIP, concedeu o crédito mediante a assinatura de uma nota promissória.

Roberto assinou o documento, continuou jogando e perdeu todo o valor.

Quando chegou o vencimento da nota promissória, Roberto não efetuou o pagamento.

A empresa Wynn Las Vegas LLC propôs então uma ação de execução no Brasil (Justiça estadual de São Paulo, onde mora Roberto) para cobrar a dívida, apresentando a nota promissória devidamente traduzida e registrada como título executivo extrajudicial.

Roberto opôs embargos à execução, alegando que a dívida era inexigível por se tratar de dívida de jogo. Segundo alegou, a obrigação não seria exequível no Brasil em razão do art. 814 do Código Civil, que estabelece:

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

§ 1º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.

§ 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

§ 3º Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.

 

Para ele, se o Judiciário aceitasse a cobrança isso violaria a ordem pública e os bons costumes brasileiros, conforme o art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

O juiz de primeira instância rejeitou os embargos, entendendo que a obrigação foi contraída em Nevada (EUA), onde a prática é legal, devendo aplicar-se a legislação local conforme o art. 9º da LINDB:

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

 

O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão.

Ainda inconformado, Roberto interpôs recurso especial insistindo nos mesmos argumentos.

 

O STJ confirmou a decisão das instâncias inferiores, permitindo a cobrança da dívida de jogo contraída no cassino em Las Vegas?

SIM.

Conforme explicado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que a cobrança da dívida de jogo contraída em Las Vegas, Nevada não viola a ordem pública ou os bons costumes brasileiros.

O TJ fundamentou sua decisão na aplicação do art. 9º da LINDB, que determina que as obrigações devem ser regidas pela lei do país em que foram constituídas.

A decisão do TJ destacou que a legislação de Nevada considera lícitas as dívidas de jogo e que há uma equivalência parcial entre a legislação estrangeira e a brasileira, que permite a cobrança de jogos legalmente permitidos, conforme o art. 814, § 2º, do Código Civil:

Art. 814 (...)

§ 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

 

Assim, o Tribunal de origem concluiu que não há óbice à execução da dívida, pois impedir a cobrança possibilitaria o enriquecimento sem causa, o que contraria o ordenamento jurídico brasileiro (fls. 250-252).

O STJ concordou com esses argumentos.

Na verdade, o STJ já possui outros julgados reconhecendo a possibilidade de cobrança de dívida de jogo contraída em países onde a prática é legal, aplicando a lei estrangeira conforme o art. 9º da LINDB.

A ordem pública é um conceito mutável e, na hipótese, não há vedação para a cobrança, pois existe equivalência entre a legislação estrangeira e a brasileira.

Além disso, o STJ destacou que se deve evitar o enriquecimento sem causa, além de valorizar a boa-fé.

 

Em suma:

Admite-se a cobrança em solo pátrio de dívida de jogo contraída por brasileiro em país onde a prática é legal. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.891.844-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 13/5/2025 (Info 852).

 

No mesmo sentido:

A cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro em cassino que funciona legalmente no exterior é juridicamente possível e não ofende a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.974-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 610).


sexta-feira, 25 de julho de 2025

Anulação de questões de concurso público por decisão judicial individual não produz efeitos erga omnes, limitando-se às partes do processo

Imagine a seguinte situação hipotética:

Foi realizado concurso público para Soldado da Polícia Militar do Estado.

O edital do concurso estabelecia, no item 17.8, que, em caso de anulação de questão da prova objetiva, o ponto correspondente seria atribuído a todos os candidatos.

Pedro havia reprovado por dois pontos na prova. Ele então ajuizou uma ação individual pedindo a anulação das questões 21 e 22 de História porque cobraram assuntos que não estavam previstos no conteúdo programático do edital.

O juiz julgou o pedido procedente, anulou as questões por violação do edital e atribuindo os pontos à Pedro, que, com isso, foi aprovado. A sentença transitou em julgado.

Assim como Pedro, outros candidatos também ajuizaram ações e se beneficiaram das anulações das questões.

João também havia reprovado por dois pontos. Ele também havia errado as questões 21 e 22. No entanto, não ingressou com ação judicial questionando essa questão.

Quando João soube do caso de Pedro, ele protocolou um requerimento administrativo solicitando que o Estado aplicasse o item 17.8 do edital, estendendo a ele os pontos correspondentes às questões anuladas no processo de Pedro.

O argumento de João foi o seguinte: se as questões foram anuladas e o edital previa que todos os candidatos deveriam ser beneficiados em caso de anulação, ele também teria direito aos pontos, independentemente de ter participado ou não da ação judicial.

A Administração Pública indeferiu o pedido de João, argumentando que a anulação decorreu de decisão judicial em processo do qual ele não foi parte.

Inconformado, João impetrou mandado de segurança invocando o princípio da isonomia e sustentando que o item 17.8 do edital deveria ser aplicado a todos os candidatos, independentemente da origem da anulação (administrativa ou judicial).

A questão chegou ao STJ.

 

João tinha direito de se beneficiar da anulação de questões obtidas por outros candidatos em ações judiciais individuais, com base no item 17.8 do edital que previa extensão da pontuação a todos os candidatos?

NÃO.

A anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, não sendo possível reabrir o certame para distribuição de pontos e a reclassificação de todos os candidatos.

A propósito:

A anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, não podendo reabrir o certame para redistribuição de pontos a todos os candidatos, especialmente quando decorridos 10 anos da exclusão do candidato.

STJ 1ª Turma. AgInt no RMS n. 73.632/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 28/10/2024.

 

As decisões judiciais, via de regra, não produzem efeitos erga omnes, mas apenas inter partes, ou seja, entre os litigantes do processo.

Nesse contexto, mesmo que o edital do concurso contenha cláusula prevendo a extensão de eventual anulação de questões a todos os candidatos, tal previsão se aplica somente àquelas ocorridas na via administrativa.

Assim, essa extensão não pode ser imposta quando o reconhecimento da referida irregularidade resulta de decisão judicial que beneficia apenas as partes envolvidas no processo.

A administração não está obrigada a modificar ou rever as notas de candidatos que não integraram a ação judicial que deu origem à anulação. Portanto, eventuais anulações de questões, para que alcancem todos os candidatos, devem necessariamente decorrer de decisão administrativa, não de sentença judicial proferida em ação movida por terceiros.

STJ. 2a Turma. AgInt no RMS 74.202/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 4/12/2024.

 

Em suma:

A anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, não sendo possível reabrir o certame para a distribuição de pontos e a reclassificação de todos os candidatos.

STJ. 2ª Turma. AgInt no RMS 74.847-RJ, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 1º/4/2025 (Info 852).


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