Dizer o Direito

domingo, 30 de novembro de 2025

INFORMATIVO Comentado 1196 STF (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1196 DO STF


Direito Constitucional

SEGURANÇA PÚBLICA

§  Governo do Estado de Minas Gerais não está sendo omisso na instituição da polícia penal.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

§  É constitucional dispositivo de lei que impõe condição temporal às entidades que pretendam obter ou renovar o CEBAS e determina sua incidência em relação a requerimentos protocolados anteriormente à edição da norma e ainda pendentes de julgamento.

 

ICMS

§  A cobrança do DIFAL do ICMS em operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto, na forma da LC 190/2022, não se submete à anterioridade anual, mas deve observar a anterioridade nonagesimal a partir da vigência da LC 190/2022.

 

ITCMD

§  Lei estadual que, antes da Reforma Tributária (EC 132/2023) instituiu ITCMD-Exterior é inconstitucional (Tema 825 STF); mesmo com a autorização do art. 16 da EC 132/2023, essas leis não ficam convalidadas; para que seja cobrado ITCMD-Exterior é necessária nova lei estadual.


INFORMATIVO Comentado 869 (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 869 DO STJ


DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  Prints de mensagens de WhatsApp obtidos por particular, confirmados em juízo e sem indícios de manipulação, não configuram violação à cadeia de custódia.

§  A colaboração premiada, por si só, não é suficiente para sustentar condenação penal, sendo imprescindíveis provas externas e autônomas que corroborem as declarações do colaborador.

§  O Min. Alexandre de Moraes, no RE 1.537.165/SP (Tema 1.404) suspendeu apenas as decisões que anularam RIFs requisitados diretamente pelo MP; o Ministro não suspendeu os processos em que se reconheceu a validade das requisições diretas de RIFs.

 

TRIBUNAL DO JÚRI

§  O Tribunal a quo, em julgamento da apelação, não poderá determinar a realização de novo Júri quando for acolhida pelo Conselho de Sentença a tese de ausência de autoria, conducente à clemência do réu, de forma coerente com os fatos e provas debatidos em sessão plenária.

 

EXECUÇÃO PENAL

§  É admissível a remição ficta da pena quando a impossibilidade de trabalho decorre de doença grave e incapacitante.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

IR

§  Herdeiros que recebem cotas de fundos de investimento pelo valor histórico declarado pelo falecido não pagam Imposto de Renda sobre a mera transferência de titularidade.

 

IPI

§  Taxistas com permissão do Poder Público têm direito à isenção de IPI na compra do primeiro veículo, sem necessidade de comprovar exercício anterior da atividade.

§  Pessoa com deficiência comprou um carro com isenção de IPI (Lei 8.989/1995); se houve perda total desse carro em um acidente, a seguradora pode se tornar proprietária do veículo sinistrado (sucata) sem ter que pagar o IPI que havia sido isentado anteriormente.

 

ISS

§  Atividades desempenhadas por cartórios em razão de credenciamento junto a órgãos de trânsito não se enquadram como serviços de registros públicos, notariais ou cartorários e não estão sujeitas à incidência de ISS.


INFORMATIVO Comentado 1195 STF (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1195 DO STF


Direito Constitucional

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS > EDUCAÇÃO

§  Leis municipais que proíbem a discussão de questões de gênero e orientação sexual nas escolas são inconstitucionais.

 

PROCESSO LEGISLATIVO

§  Constituição estadual não pode exigir lei complementar para matérias que a Constituição Federal regula por meio de lei ordinária, sob pena de violar os princípios da simetria, democrático e da separação dos poderes.

 

PODER JUDICIÁRIO

§  É constitucional a Resolução 106/2010, do CNJ, que estabelece critérios para a promoção de magistrados por merecimento e para o acesso aos tribunais de segundo grau.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

§  O art. 2º, I, da Lei 11.101/2005 prevê que as empresas públicas e sociedades de economia mista não se submetem à falência e recuperação judicial; esse dispositivo é constitucional.

 

SERVIDORES PÚBLICOS

§  É constitucional lei estadual que determina a incorporação de gratificação criada por resolução aos vencimentos de servidores que desempenham atribuições funcionais específicas e receberam o benefício de forma ininterrupta por um período mínimo.

§  Lei estadual pode conceder reajuste em percentual maior para os Delegados do que para as demais carreiras da polícia civil; a lei também pode determinar o regime de subsídio unicamente para os Delegados, sem abranger as demais carreiras da polícia.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA

§  Pessoas jurídicas que usufruem de benefícios fiscais devem informar à Receita Federal, por meio de declaração eletrônica simplificada, os incentivos tributários utilizados e o valor correspondente, sob pena de multa (os arts. 43 e 44 da Lei 14.973/2024 são constitucionais).

 

DIREITO DO TRABALHO / PROCESSO DO TRABALHO

PROCESSO COLETIVO

§  Condenações em ações civis públicas trabalhistas por danos transindividuais devem ser destinadas prioritariamente ao FDD ou FAT, vedado o contingenciamento desses recursos.


O juiz pode restringir o acesso da defesa aos e-mails da vítima, permitindo o acesso apenas aos e-mails que os peritos analisaram e consideraram relacionados com o caso

Imagine a seguinte situação hipotética:

Ricardo foi morto a tiros na saída de um restaurante.

O Ministério Público denunciou João, ex-sócio da vítima. A acusação afirmava que o homicídio foi cometido por vingança, em razão de desentendimentos comerciais entre eles.

Durante a instrução, os advogados de João pediram ao juiz acesso completo a todas as contas de e-mail que pudessem ter pertencido a Ricardo.

A defesa argumentou que precisava conhecer toda a vida pessoal e profissional da vítima para entender o contexto do crime e montar a melhor estratégia defensiva.

O juiz autorizou o acesso a algumas contas de e-mail vinculadas diretamente à vítima, mas limitou o conteúdo às mensagens que tivessem relação com o caso. Essa seleção foi feita por peritos do Instituto de Criminalística.

O magistrado também negou acesso a uma conta de e-mail que, aparentemente, não pertencia a Ricardo (já que o username era diferente) e poderia conter informações de terceiros.

O advogado de João não se conformou e impetrou habeas corpus afirmando que só ele poderia saber o que era ou não importante para a defesa e que restringir o acesso às mensagens violava o direito de João à ampla defesa. Segundo o advogado, seria impossível aos peritos criminais anteverem todas as possíveis estratégias defensivas, razão pela qual o acesso deveria ser integral.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

NÃO.

O art. 400, §1º, do CPP permite que o juiz recuse, de forma fundamentada, a produção de provas que considerar irrelevantes, impertinentes ou meramente protelatórias:

 Art. 400. [...]     

§ 1º As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.  

 

Ao magistrado é dada a liberdade na dinâmica de valoração das provas, desde que o faça de forma motivada, como ocorreu no presente caso.

A ampla liberdade conferida ao julgador lhe permite avaliar o conjunto probatório em sua magnitude e extrair da prova a sua essência, transcendendo ao formalismo castrador do sistema da certeza legal, de modo que não existe hierarquia entre as provas, cabendo ao juiz imprimir na decisão o grau de importância das provas produzidas.

O juiz é o destinatário final das provas no processo. Cabe a ele analisar se a produção de determinada prova é útil, necessária ou se ultrapassa os limites legais e constitucionais, como o direito à intimidade e à privacidade, especialmente de pessoas que não fazem parte do processo ou que estão mortas, como no caso da vítima.

Outro ponto importante foi a preocupação com o equilíbrio entre dois direitos fundamentais: de um lado, a ampla defesa; de outro, a proteção da vida privada, da honra e da imagem da vítima. A decisão do juiz de limitar o acesso àquilo que era relevante para o processo preservou esse equilíbrio e não impediu a defesa de exercer seu papel. Como havia acesso ao conteúdo relacionado ao crime, a defesa não ficou desamparada.

Por fim, o STJ traçou um paralelo com a jurisprudência consolidada sobre interceptações telefônicas. Da mesma forma que os tribunais superiores entendem ser desnecessária a transcrição integral de todas as conversas interceptadas (bastando que sejam transcritos os diálogos pertinentes ao objeto da investigação), o acesso aos e-mails da vítima também pode ser limitado ao conteúdo que guarde relação direta com o caso concreto. Não se trata de negar à defesa o acesso a elementos probatórios relevantes, mas sim de estabelecer um filtro de pertinência temática, de modo que apenas o material efetivamente relacionado aos fatos apurados seja disponibilizado.

 

Em suma:


sábado, 29 de novembro de 2025

A perda da propriedade rural em favor da União pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes deve se compatibilizar com a boa-fé de terceiros, o princípio da intranscendência da pena e outros valores constitucionais relevantes

Imagine a seguinte situação hipotética:

Antônio é um jovem que foi preso em flagrante por tráfico de drogas.

Durante as investigações, descobriu-se que ele utilizava parte da antiga fazenda de seus pais para armazenar e distribuir os entorpecentes.

A fazenda em questão pertencia aos seus pais, João e Regina, que já estavam com mais de 80 anos de idade e enfrentavam sérios problemas de saúde, o que os levou a se afastar completamente da administração do local. A propriedade, há décadas, era utilizada para atividades de pecuária leiteira e, com o avanço da idade dos proprietários, passou a ser cuidada por Antônio.

Além disso, metade da fazenda pertencia legalmente à ex-esposa de Antônio, Juliana, como parte da meação após o divórcio. Juliana, por sua vez, nunca teve qualquer envolvimento com as atividades ilegais do ex-marido, nem sequer residia mais na propriedade.

Com a condenação de Antônio por tráfico, o Ministério Público pediu o perdimento integral da fazenda, alegando que o imóvel havia sido utilizado como instrumento da prática criminosa.

O juiz acolheu o pedido e determinou a expropriação total da propriedade em favor da União, com base nos arts. 60 e 63 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).

Os pais de Antônio e sua ex-esposa opuseram embargos de terceiros, alegando que não tinham conhecimento das atividades ilícitas e que não poderiam ser punidos por um ato que não cometeram, especialmente considerando sua idade avançada, saúde fragilizada e o fato de que a fazenda ainda era produtiva.

 

O STJ concordou com os argumentos dos embargantes?

SIM.

 

O fundamento constitucional da expropriação

O art. 243 da CF/88 prevê o seguinte:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

 

Parte da doutrina denomina este art. 243 de "desapropriação confiscatória" em virtude de não conferir ao proprietário direito à indenização, como ocorre com as demais espécies de desapropriação (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2016, p. 1044).

Outros autores preferem falar em "confisco" (MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 2135).

O STF também reafirmou que se trata de confisco. Veja o que disse o Ministro Gilmar Mendes:

"O instituto previsto no art. 243 da CF não é verdadeira espécie de desapropriação, mas uma penalidade imposta ao proprietário que praticou a atividade ilícita de cultivar plantas psicotrópicas, sem autorização prévia do órgão sanitário do Ministério da Saúde. Portanto, a expropriação é espécie de confisco constitucional e tem caráter sancionatório."

 

Existem dois motivos que geram esse confisco:

a) o fato de no imóvel estarem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas; ou

b) o fato de no imóvel haver exploração de trabalho escravo.

 

Extensão da expropriação

A expropriação irá recair sobre a totalidade do imóvel, ainda que o cultivo ilegal ou a utilização de trabalho escravo tenham ocorrido em apenas parte dele. Nesse sentido: STF. Plenário. RE 543974, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 26/03/2009.

 

O problema da aplicação automática aos casos de terceiros

No caso concreto, não há dúvidas de que o sítio foi realmente usado para o tráfico de drogas. A questão central é se a perda pode atingir toda a propriedade rural quando ela pertence a terceiros que não participaram do crime e quando não ficou comprovado que o imóvel era usado exclusivamente para atividades ilícitas.

O Ministério Público sustentou a aplicação do Tema 399 do STF, que presume culpa dos coproprietários (culpa in eligendo ou in vigilando), cabendo a eles provar que não sabiam ou não tinham como saber do uso criminoso da propriedade:

A expropriação prevista no art. 243 da Constituição Federal pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in eligendo.

STF. Plenário. RE 635336/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/12/2016 (Repercussão Geral - Tema 399) (Info 851).

 

O STJ, contudo, entendeu que não é possível essa aplicação automática do Tema 399, argumentando que aquele precedente foi criado para situações de terras utilizadas para plantio de drogas, onde há evidente desvirtuamento da função social da propriedade. No caso concreto, porém, a terra mantinha sua função social (exploração de pecuária leiteira) e também era utilizada para fins ilícitos. Trata-se de situações não análogas, que não permitem a simples transposição do entendimento sem reflexões mais profundas sobre as especificidades do caso.

Embora o combate ao narcotráfico seja extremamente relevante e tenha até mandado constitucional de criminalização, isso não pode se sobrepor às garantias fundamentais de terceiros que não estão envolvidos com a prática criminosa. A perda da propriedade é uma das sanções civis mais severas que existe, razão pela qual as normas que a determinam devem ser interpretadas com cautela, sempre considerando sua conexão com o direito à moradia e com a dignidade da pessoa humana.

Não se pode falar em expropriação baseada em presunção de culpa de terceiro na hipótese do art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal. Isso porque o objetivo da norma constitucional é punir o criminoso, e não o terceiro de boa-fé. Permitir a expropriação automática de bens de pessoas não envolvidas no crime violaria esse propósito fundamental.

 

Princípio da proporcionalidade

Mesmo que se admitisse a aplicação do Tema 399 ao caso, o STJ argumentou que isso deveria ser feito em consonância com outros princípios constitucionais, especialmente o da proporcionalidade.

 

Princípio da personalidade da pena

Além disso, conforme o princípio constitucional da personalidade da pena e da razoabilidade, ninguém pode ser responsabilizado por ato cometido por outra pessoa sem dolo ou culpa próprios. Portanto, a expropriação não pode recair sobre herdeiros inocentes que não cultivaram substâncias entorpecentes nem contribuíram para a plantação de drogas.

 

Limites do dever de vigilância do proprietário

A função social da propriedade aponta para um dever do proprietário de zelar pelo uso lícito de seu terreno, mesmo que não esteja na posse direta. Porém, esse dever não é ilimitado.

Só se pode exigir do proprietário que evite o ilícito quando isso estava razoavelmente ao seu alcance. Não é um dever absoluto e irrestrito, mas um dever proporcional às possibilidades concretas de cada pessoa.

 

Circunstâncias concretas dos proprietários

No caso concreto, as circunstâncias fáticas demonstraram a ausência de culpa dos terceiros. A propriedade pertencia aos pais do réu condenado, que exploravam pecuária leiteira há mais de 50 anos. Com a velhice e doenças, precisaram se afastar do trabalho e da supervisão da terra, que passou a ser administrada pelos filhos. Na época dos embargos de terceiro, a mãe já havia falecido e o pai tinha 81 anos. Esse contexto revela manifesta impossibilidade de supervisão pelos pais idosos e ausência de qualquer indicativo de que deveriam se preocupar com o uso da terra pelos filhos, pois até então as atividades eram lícitas.

Dessa forma, a interpretação abrangente dada aos arts. 60, caput, e 63, I, da Lei nº 11.343/2006, não pode prevalecer, devendo a aplicação das perdas patrimoniais se harmonizar com os pilares do regime democrático de direito e com compreensões mais adequadas ao direito penal moderno.

 

Em suma:


sexta-feira, 28 de novembro de 2025

A atuação de ofício do juiz na fase investigativa para deferir busca e apreensão domiciliar e quebra de sigilo telemático, sem provocação dos órgãos de persecução penal, viola o sistema acusatório

Imagine a seguinte situação hipotética:

A Polícia Civil instaurou inquérito policial para apurar crimes que teriam sido cometidos por João e Regina contra os clientes de uma cooperativa de crédito na qual os dois trabalhavam.

No curso da investigação, o juiz, a requerimento do Delegado, determinou o sequestro do carro de João por entender que ele poderia ser fruto do crime. Ocorre que João continuou na posse do veículo.

Algum tempo depois, ainda durante o inquérito, o Delegado fez nova representação ao juiz pedindo a busca e apreensão desse carro e a autorização para que a polícia civil ficasse utilizando o veículo provisoriamente.

Assim, o delegado fez um pedido simples e direto ao juiz representado apenas pela autorização para buscar e apreender o veículo que já tinha sido objeto de sequestro anteriormente. O pedido era estritamente limitado ao carro.

No entanto, ao analisar esse pedido, o juiz decidiu ir muito além.

Sem que a polícia ou o Ministério Público tivessem pedido, o magistrado:

• autorizou busca domiciliar na casa de João;

• determinou a apreensão de todos os dispositivos eletrônicos encontrados (celulares, tablets, notebooks); e

• ordenou, de ofício, a quebra do sigilo telemático desses dispositivos, inclusive com acesso a mensagens, e-mails, fotos, vídeos e arquivos armazenados na nuvem.

 

A defesa impetrou habeas corpus afirmando que o juiz não poderia ter ordenado diligências investigativas de ofício (sem provocação), em especial, medidas invasivas como quebra de sigilo telemático.

Ao fazer isso, o juízo de origem violou o sistema acusatório e o princípio da imparcialidade, ao agir de ofício durante a fase investigativa, sem requerimento de órgão legitimado.

Argumentou ainda que a medida, além de invadir a esfera de direitos fundamentais do investigado, especialmente o direito à intimidade e à privacidade, representava usurpação da função investigatória atribuída à polícia e ao Ministério Público, em afronta ao art. 3º-A do CPP, introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime):

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) 

 

O STJ concordou com a defesa?

SIM.

Conforme já explicado, a representação da autoridade policial foi apenas para a busca e apreensão do veículo do investigado, com a finalidade de cumprir decisão anterior que havia determinado o sequestro e permitido o uso provisório do automóvel pela Polícia Civil.

Não houve, portanto, qualquer requerimento para apreensão de dispositivos eletrônicos ou para a quebra do sigilo de dados telemáticos. Tais providências foram determinadas de ofício pelo juiz.

Ao decidir esse pedido específico, o magistrado ampliou significativamente o objeto da diligência, determinando não apenas a apreensão do veículo, mas também a busca por dispositivos eletrônicos e a quebra do sigilo dos dados neles armazenados, incluindo mensagens, aplicativos e arquivos em nuvem.

Essa atuação de ofício, no atual estágio de evolução do sistema processual penal brasileiro, caracteriza violação do sistema acusatório, expressamente adotado pelo art. 3º-A do CPP, introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que estabelece que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

O art. 242 do CPP prevê que a busca pode ser determinada de ofício pelo juiz:

Art. 242.  A busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes.

 

O STJ, contudo, afirmou que esse dispositivo deve ser interpretado à luz da Constituição Federal e do atual modelo processual penal.

A partir da vigência do art. 3º-A do CPP, que positivou o princípio acusatório já implícito na Constituição Federal, não mais se admite que o magistrado atue na fase investigativa de ofício, substituindo-se aos órgãos de persecução penal.

No caso em tela, o juiz não apenas determinou a busca e apreensão de dispositivos eletrônicos sem prévia provocação, como também autorizou, de ofício, a quebra do sigilo dos dados telemáticos. Trata-se de medida que restringe o direito fundamental à privacidade e que, por sua natureza, exige provocação dos órgãos de persecução penal e fundamentação específica.

 

Em suma:


quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Roubo praticado mediante uma única conduta contra vítimas distintas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes

Imagine a seguinte situação hipotética:

Carlos e Rodrigo invadiram uma residência onde moravam João e sua esposa Regina.

Mediante grave ameaça com arma de fogo, os assaltantes subtraíram diversos bens da casa: um carro, uma televisão, um notebook, joias, roupas e outros objetos.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Carlos e Rodrigo pela prática de roubo majorado, sustentando que houve concurso formal de crimes, uma vez que foram violados os patrimônios de duas vítimas distintas (João e Regina), ainda que mediante uma única conduta.

 

Roubo

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

(...)

§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

(...)

 

O juiz condenou os réus, reconhecendo o concurso formal de crimes previsto no art. 70 do Código Penal e aplicando a respectiva majorante na dosimetria da pena:

Concurso formal

Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.

 

Os réus interpuseram apelação e o Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso dizendo que não houve concurso formal, mas sim crime único de roubo.

O TJ afirmou que que não seria possível individualizar os bens subtraídos, ou seja, não se conseguia determinar com precisão quais objetos pertenciam especificamente a João e quais eram de Regina.

Segundo o TJ, como a denúncia descreveu genericamente que os bens foram subtraídos “da residência das vítimas” sem especificar a titularidade de cada objeto, e considerando que o casal integrava o mesmo núcleo familiar, deveria ser reconhecida a prática de apenas um crime de roubo.

Com essa decisão, o TJ excluiu a causa de aumento prevista no art. 70 do CP, reduzindo substancialmente a pena aplicada aos condenados.

Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso especial sustentando que a prática de crime de roubo mediante uma única conduta contra vítimas distintas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes, e não crime único. Argumentou que o vínculo familiar não gera unidade patrimonial e que basta a comprovação de que foram violados patrimônios de pessoas diferentes, sendo irrelevante a individualização específica de cada bem subtraído.

 

O STJ concordou com os argumentos do Ministério Público? Houve concurso formal de crimes?

SIM.

O Direito Penal brasileiro adotou, como regra, a “Teoria da Vontade” para a caracterização do dolo, definido como a vontade livre e consciente de alcançar determinado desfecho, contida na expressão “quando o agente quis o resultado” (art. 18, I, do Código Penal).

Já para o dolo eventual, o Código Penal filiou-se à “Teoria do Assentimento” ou do “Consentimento”, configurando-se essa modalidade de dolo quando o agente, ainda que não pretendesse diretamente certo resultado, com ele consente, nos termos da expressão "assumiu o risco de produzi-lo [o resultado]", existente na parte final do mesmo inciso I do art. 18 do Código Penal.

Nesse contexto, tratando-se o roubo de um crime contra o patrimônio e cometida a sua realização mediante uma única conduta, deverá o intérprete verificar se a vontade do agente se dirigiu contra o patrimônio de mais de uma vítima, ainda que tal direcionamento tenha se dado na forma de risco plausível de o patrimônio pertencer a diferentes pessoas (dolo eventual).

Portanto, se, com o objetivo de subtrair coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça, o agente adentra uma residência na qual (i) reside mais de uma pessoa, (ii) encontra mais de uma pessoa ou, (iii) por qualquer outra forma, tem a consciência ou pode prever que está a violar o patrimônio de mais de uma pessoa, não é possível cogitar da ocorrência de crime único.

O raciocínio não pode ser excluído da situação em que os bens pertencem a diferentes pessoas de uma mesma família e vale para qualquer contexto em que praticados os crimes por meio da mesma ação ou omissão, tais como a abordagem de duas ou mais pessoas em via pública, em restaurante, em veículo ou em transporte coletivo.

Sempre que o bem jurídico violado pertencer a diferentes pessoas, cada qual constituído em patrimônio  que recebe proteção legal própria, não se pode pensar na incidência do crime único.

Vale ressaltar, aliás, que a aplicação do concurso formal é uma espécie de “favor do legislador”, considerando que, mesmo tendo sido praticado mais de um crime, as penas não serão somadas, sendo aplicada apenas uma causa de aumento de pena do art. 70.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, mesmo quando os patrimônios atingidos sejam da mesma família, deve-se reconhecer o concurso formal:

Não há crime único quando, em um mesmo contexto, são subtraídos bens pertencentes a pessoas diferentes, ainda que da mesma família; incide o art. 70, primeira parte, do CP.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.654.780/MA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/8/2024.

 

A subtração, mediante uma única ação, de bens de vítimas distintas da mesma família não configura crime único, mas concurso formal.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 752.776/SC, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 6/3/2023.

 

Seria absoluto contrassenso tornar a conduta mais branda pela simples razão de as vítimas serem da mesma família, distinção que, além de desproporcional e ofensiva ao princípio da proibição da proteção deficiente, não contaria com suporte legal.

Ao contrário do que concluiu o Tribunal de origem, é desnecessária a individualização dos bens de cada vítima no contexto fático, sendo obrigatória a exasperação oriunda do concurso formal, previsto no art. 70 do Código Penal.

 

Voltando ao caso concreto:

No caso julgado, o STJ reconheceu o concurso formal próprio, porque os assaltantes invadiram a residência e subtraíram os bens mediante uma única conduta, violando os patrimônios de João e Regina, mas não havia comprovação de que agiram com desígnios autônomos em relação a cada patrimônio. Eles tinham um objetivo único: roubar bens daquela casa. O fato de esses bens pertencerem a pessoas diferentes não significa que havia vontades separadas para cada vítima, mas sim que uma única ação criminosa atingiu múltiplos patrimônios.

Se tivesse sido comprovado que os agentes agiram com desígnios autônomos – ou seja, com vontades distintas e específicas de violar o patrimônio de cada vítima separadamente – aí sim estaria configurado o concurso formal impróprio, com a consequente soma das penas.

 

Tese fixada:


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