Imagine a seguinte situação
hipotética:
Durante patrulhamento de rotina, policiais militares
visualizaram um veículo trafegando com a porta amassada e em mau estado de
conservação. Eles consideraram aquilo suspeito e, então, decidiram
abordar o automóvel e ordenaram que o condutor parasse.
Em busca veicular, foi encontrada uma pistola no carro,
sem que João, o condutor, tivesse autorização.
João foi preso em flagrante.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra ele pela
prática do crime previsto no art. 14, caput, da Lei nº 10.826/2003.
A denúncia foi recebida.
A defesa do réu impetrou habeas corpus, no qual alegou
que a busca veicular foi ilegal, pois não havia fundada suspeita que
justificasse a abordagem. Argumentou que o simples fato de o veículo estar com
a porta amassada não configura indício concreto de prática criminosa,
tratando-se de abordagem exploratória (fishing expedition).
A questão chegou até o STJ. Para o STJ, a busca
veicular realizada foi LEGAL?
NÃO.
A busca pessoal é regida pelo art. 244 do CPP.
A busca veicular é equiparada à busca pessoal, ou seja,
recebe o mesmo tratamento jurídico.
Vejamos o que o art. 244 do CPP fala sobre a busca pessoal (à qual se
equipara a busca veicular):
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso
de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa
esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo
de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
A partir da leitura desse dispositivo, é possível extrair
três hipóteses de busca pessoal sem mandado.
Hipóteses de busca pessoal sem mandado:
a) no caso de prisão (ex: o indivíduo é preso em
flagrante, o que autoriza a realização de busca pessoal);
b) quando houver fundada suspeita de que a
pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam
corpo de delito; ou
c) quando a medida for determinada no curso de busca
domiciliar.
A situação em tela se enquadraria, segundo a narrativa
dos policiais, na hipótese da letra “b”.
Exige-se, neste caso,
a fundada suspeita de que a pessoa abordada esteja na posse de
arma proibida ou de objetos ou papeis que constituam corpo de delito.
O § 2º do art. 240 afirma que é necessária a presença de
fundada suspeita para que seja autorizada a busca pessoa.
O mau estado de conservação do veículo não
constitui fundada suspeita para justificar a busca veicular e pessoal
No caso concreto, a única justificativa apresentada pelos
policiais para a abordagem foi o fato de o carro de João estar com a porta
amassada, ou seja, em mau estado de conservação.
Para o STJ, contudo, isso não configura, por si só, uma
fundada suspeita.
O mau estado do veículo é um elemento genérico, subjetivo
e insuficiente para justificar uma medida invasiva como a busca.
Vale ressaltar que não basta a intuição policial ou
impressões subjetivas para que se realize uma busca pessoal ou veicular. É
necessário que existam elementos objetivos, concretos e demonstráveis, que
apontem para a prática de um crime ou para a posse de objetos ilícitos. Essa
exigência evita que as abordagens se transformem em “fishing expeditions”, isto
é, buscas genéricas realizadas sem motivo definido, apenas com a esperança de
encontrar algo irregular.
Assim, o STJ considerou a abordagem ilegal e declarou a
ilicitude das provas obtidas em decorrência dessa busca. Com base na teoria dos
frutos da árvore envenenada, determinou o trancamento da ação penal contra
João. Obs: de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada, se a prova
principal foi obtida por meios ilícitos, todas as provas derivadas dela também
são contaminadas e não podem ser usadas.
Tese de julgamento:
1. O mau estado de conservação do veículo não
constitui fundada suspeita para justificar busca veicular.
2. A busca pessoal e veicular sem justa causa é
ilegal e as provas obtidas são ilícitas.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 1.002.334-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/9/2025 (Info
865).

