Imagine a seguinte situação
hipotética:
João era servidor público
municipal de Ituiutaba (MG) e, no exercício da função, praticou atos de
improbidade administrativa que causaram prejuízos ao erário municipal.
O Ministério Público ajuizou ação
de improbidade administrativa contra João.
O juiz julgou procedente o pedido
e condenou João ao pagamento de multa civil no valor de R$ 300.000,00, nos
termos do art. 12, I, da Lei nº 8.429/92.
Vale lembrar que a multa civil
constitui uma das sanções a que está sujeito o responsável pela prática de ato
de improbidade administrativa.
Transitada em julgado a sentença
condenatória, o Município de Ituiutaba decidiu cobrar a multa aplicada a João.
Para isso, inscreveu o valor da condenação em sua dívida ativa não tributária,
emitiu a respectiva Certidão de Dívida Ativa (CDA) e ajuizou execução fiscal
contra o condenado.
João opôs exceção de
pré-executividade, alegando:
1) Nulidade da CDA e da execução
fiscal: argumentou que, como a multa decorria de sentença judicial, deveria ser
cobrada através de cumprimento de sentença (art. 513 e seguintes do CPC), e não
por execução fiscal.
2) Ilegitimidade ativa do
município: sustentou que, tendo sido a ação de improbidade proposta pelo
Ministério Público (e não pelo próprio município), este não teria legitimidade
para executar a multa.
O juiz de primeira instância
rejeitou a exceção de pré-executividade.
João recorreu ao Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, que manteve a sentença.
Ainda inconformado, João interpôs
recurso especial ao STJ, reiterando seus argumentos sobre a inadequação da via
executiva fiscal e a ilegitimidade do município.
O STJ concordou com os
argumentos de João?
NÃO.
Cabimento da execução
fiscal
A execução fiscal consiste na
execução judicial para cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias, disciplinada pela
Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal – LEF), devendo ser instruída com a
Certidão de Dívida Ativa – CDA.
A CDA provém do procedimento
administrativo de inscrição em dívida ativa, que constitui controle
administrativo da legalidade para apurar a liquidez e certeza do crédito –
tributário ou não tributário – definido na Lei n. 4.320/1964.
Conforme os arts. 1º e 2º da Lei n. 6.830/1980:
Art. 1º - A execução judicial para
cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e,
subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da
Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº
4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui
normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e
balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
A Lei n. 4.320/1964, em seu art. 39, § 2º, define dívida
ativa não tributária como:
“os demais
créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos
compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou
natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de
ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos
públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis
definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em
moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia,
de contratos em geral ou de outras obrigações legais.”
A dívida ativa não tributária
possui acepção ampla, englobando créditos variados da Fazenda Pública
provenientes da lei, do contrato ou de decisão judicial que não se amoldem no
conceito de dívida ativa tributária.
A cobrança através de cumprimento
de sentença não exclui a via da execução fiscal. Faculta-se à pessoa jurídica
de direito público credora a escolha do procedimento que melhor lhe aprouver,
desde que, na execução fiscal, inscreva o título executivo judicial líquido na
dívida ativa, ensejando a emissão da respectiva CDA.
Tratando-se de sentença
condenatória ao pagamento de multa pela prática de ato de improbidade
administrativa, há perfeita subsunção do crédito exequendo ao disposto no art.
39, § 2º, da Lei n. 4.320/1964, que insere no conceito de dívida ativa não
tributária “multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias”.
Desse modo, é cabível a
propositura da execução fiscal para cobrança da multa civil fixada em sentença
que reconheça a prática de ato de improbidade administrativa, quando precedida
da indispensável Inscrição em Dívida Ativa do crédito exequendo.
Legitimidade ativa do ente
municipal
A legitimidade ativa da pessoa
jurídica de direito público lesada é ordinária – atua na defesa do seu próprio
patrimônio público e da reserva moral e ética da Administração Pública. O
Ministério Público detém apenas legitimidade extraordinária.
A doutrina majoritária afirma que a pessoa jurídica de
direito público lesada possui legitimidade para a execução fiscal neste caso
porque a ela se destinam os valores da multa. Logo, não se aplica o art. 13 da
Lei n. 7.347/1985:
Art. 13. Havendo condenação em
dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um
Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente
o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos
destinados à reconstituição dos bens lesados.
Desse modo, a pessoa jurídica de
direito público lesada possui legitimidade ativa para o ajuizamento de execução
fiscal com o propósito de cobrança da multa civil decorrente da prática de ato
de improbidade administrativa fixada em sentença.
Teses de julgamento:
1. A execução fiscal é cabível para a cobrança de
multas civis fixadas em sentença decorrentes de atos de improbidade
administrativa, desde que instruída com a respectiva CDA.
2. A Fazenda Pública lesada possui legitimidade ativa
para propor execução fiscal de multa por improbidade administrativa.
STJ. 2ª
Turma. REsp 2.123.875-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 1/4/2025
(Info 847).