Dizer o Direito

terça-feira, 10 de junho de 2025

A multa civil por improbidade administrativa pode ser cobrada por execução fiscal?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João era servidor público municipal de Ituiutaba (MG) e, no exercício da função, praticou atos de improbidade administrativa que causaram prejuízos ao erário municipal.

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa contra João.

O juiz julgou procedente o pedido e condenou João ao pagamento de multa civil no valor de R$ 300.000,00, nos termos do art. 12, I, da Lei nº 8.429/92.

Vale lembrar que a multa civil constitui uma das sanções a que está sujeito o responsável pela prática de ato de improbidade administrativa.

Transitada em julgado a sentença condenatória, o Município de Ituiutaba decidiu cobrar a multa aplicada a João. Para isso, inscreveu o valor da condenação em sua dívida ativa não tributária, emitiu a respectiva Certidão de Dívida Ativa (CDA) e ajuizou execução fiscal contra o condenado.

João opôs exceção de pré-executividade, alegando:

1) Nulidade da CDA e da execução fiscal: argumentou que, como a multa decorria de sentença judicial, deveria ser cobrada através de cumprimento de sentença (art. 513 e seguintes do CPC), e não por execução fiscal.

2) Ilegitimidade ativa do município: sustentou que, tendo sido a ação de improbidade proposta pelo Ministério Público (e não pelo próprio município), este não teria legitimidade para executar a multa.

 

O juiz de primeira instância rejeitou a exceção de pré-executividade.

João recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que manteve a sentença.

Ainda inconformado, João interpôs recurso especial ao STJ, reiterando seus argumentos sobre a inadequação da via executiva fiscal e a ilegitimidade do município.

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

NÃO.

 

Cabimento da execução fiscal

A execução fiscal consiste na execução judicial para cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias, disciplinada pela Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal – LEF), devendo ser instruída com a Certidão de Dívida Ativa – CDA.

A CDA provém do procedimento administrativo de inscrição em dívida ativa, que constitui controle administrativo da legalidade para apurar a liquidez e certeza do crédito – tributário ou não tributário – definido na Lei n. 4.320/1964.

Conforme os arts. 1º e 2º da Lei n. 6.830/1980:

Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

 

A Lei n. 4.320/1964, em seu art. 39, § 2º, define dívida ativa não tributária como:

“os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.”

 

A dívida ativa não tributária possui acepção ampla, englobando créditos variados da Fazenda Pública provenientes da lei, do contrato ou de decisão judicial que não se amoldem no conceito de dívida ativa tributária.

A cobrança através de cumprimento de sentença não exclui a via da execução fiscal. Faculta-se à pessoa jurídica de direito público credora a escolha do procedimento que melhor lhe aprouver, desde que, na execução fiscal, inscreva o título executivo judicial líquido na dívida ativa, ensejando a emissão da respectiva CDA.

Tratando-se de sentença condenatória ao pagamento de multa pela prática de ato de improbidade administrativa, há perfeita subsunção do crédito exequendo ao disposto no art. 39, § 2º, da Lei n. 4.320/1964, que insere no conceito de dívida ativa não tributária “multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias”.

Desse modo, é cabível a propositura da execução fiscal para cobrança da multa civil fixada em sentença que reconheça a prática de ato de improbidade administrativa, quando precedida da indispensável Inscrição em Dívida Ativa do crédito exequendo.

 

Legitimidade ativa do ente municipal

A legitimidade ativa da pessoa jurídica de direito público lesada é ordinária – atua na defesa do seu próprio patrimônio público e da reserva moral e ética da Administração Pública. O Ministério Público detém apenas legitimidade extraordinária.

A doutrina majoritária afirma que a pessoa jurídica de direito público lesada possui legitimidade para a execução fiscal neste caso porque a ela se destinam os valores da multa. Logo, não se aplica o art. 13 da Lei n. 7.347/1985:

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

 

Desse modo, a pessoa jurídica de direito público lesada possui legitimidade ativa para o ajuizamento de execução fiscal com o propósito de cobrança da multa civil decorrente da prática de ato de improbidade administrativa fixada em sentença.

 

Teses de julgamento:

1. A execução fiscal é cabível para a cobrança de multas civis fixadas em sentença decorrentes de atos de improbidade administrativa, desde que instruída com a respectiva CDA.

2. A Fazenda Pública lesada possui legitimidade ativa para propor execução fiscal de multa por improbidade administrativa.

STJ. 2ª Turma. REsp 2.123.875-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 1/4/2025 (Info 847).


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