Dizer o Direito

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A competência territorial em relações de consumo é absoluta, permitindo ao consumidor escolher o foro; vale ressaltar, contudo, que não se admite escolha aleatória sem justificativa plausível

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é um pequeno agricultor que vive em Bonópolis, uma cidade do interior de Goiás.

Ele contratou um empréstimo com uma instituição financeira (Alfa S/A).

Algum tempo depois, João identificou supostas irregularidades nos encargos cobrados pela empresa e decidiu ajuizar uma ação declaratória para discutir a dívida. No entanto, em vez de ajuizar a ação na comarca de Bonópolis, onde mora, ou em Goiânia, onde seu advogado atua, ele ingressou com a ação em Brasília (DF).

A empresa ré contestou, alegando que a escolha do foro de Brasília não fazia sentido. Afinal, João morava em Bonópolis (onde o contrato foi assinado) e seu advogado trabalhava em Goiânia. Logo, ajuizar a ação no próprio domicílio do consumidor seria muito mais conveniente para ele do que em Brasília.

O juiz concordou com a ré e declinou da competência, determinando que o processo deveria tramitar em Bonópolis.

João interpôs agravo de instrumento, argumentando que, por se tratar de relação de consumo, ele tinha o direito de escolher livremente qualquer foro que quisesse, inclusive Brasília, já que a empresa tinha sede lá.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou provimento ao recurso, mantendo a decisão de que o processo deveria tramitar em Bonópolis.

O TJDFT reconheceu que João, como consumidor, tinha sim a faculdade de escolher o foro, mas destacou que essa escolha não pode ser aleatória e sem justificativa plausível.

Irresignado, João recorreu ao STJ alegando que a decisão violou o CDC e o CPC.

 

O STJ concordou com João?

NÃO.

A competência territorial, em se tratando de relação consumerista, é absoluta, cabendo à parte vulnerável escolher o local em que melhor possa deduzir sua defesa:

• no foro do seu domicílio;

• no de domicílio do réu;

• no foro de eleição; ou

• no local de cumprimento da obrigação.

 

Vale ressaltar, contudo, que a escolha do foro não pode ser aleatória sem justificativa plausível e pormenorizadamente demonstrada.

No caso concreto, João escolheu ajuizar a ação em Brasília, mesmo residindo em Bonópolis (GO), sendo representado por advogado que atua em Goiânia (GO) e sem apresentar qualquer justificativa concreta que justificasse essa escolha.

O fato de a empresa ré (Alfa S/A.) ter uma das suas sedes em Brasília não pode ser considerado suficiente, especialmente porque a empresa pertence a um conglomerado com atuação nacional, ou seja, se esse argumento fosse aceito, todas as ações contra esse grupo poderiam ser levadas para Brasília, o que deturparia a regra de competência e esvaziaria o princípio do juiz natural.

Além disso, o STJ ressaltou que o art. 53 do CPC prevê regras específicas para ações contra pessoas jurídicas, determinando que o foro competente deve ser o local onde está situada a agência ou filial responsável pela relação jurídica discutida, o que, no caso, indicaria também a comarca de Bonópolis ou, ao menos, uma cidade goiana.

Art. 53. É competente o foro:

I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;

d) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);

II - de domicílio ou residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;

III - do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;

b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;

c) onde exerce suas atividades, para a ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica;

d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;

e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto;

f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;

IV - do lugar do ato ou fato para a ação:

a) de reparação de dano;

b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;

V - de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

 

Em suma:

A competência territorial em relações de consumo é absoluta, permitindo ao consumidor escolher o foro, mas não se admite escolha aleatória sem justificativa plausível. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.173.132-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/9/2025 (Info 865).


quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Plano de saúde deve cobrir PET CT e PET SCAN quando houver expressa indicação médica para diagnóstico, estadiamento e acompanhamento de doenças cobertas contratualmente, não podendo recusar sob o argumento de falta de previsão no rol da ANS

Imagine a seguinte situação adaptada:

O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou uma ação civil pública contra uma operadora de plano de saúde alegando que ela vinha negando, de forma abusiva, a cobertura do exame PET-CT (ou PET-SCAN), essencial para o diagnóstico, estadiamento e acompanhamento de câncer e outras doenças cobertas pelos contratos de plano de saúde.

O MP identificou um padrão de conduta da operadora: ela negava sistematicamente a cobertura para exames PET-CT e PET SCAN justificando que tais exames não estariam previstos no rol de procedimentos obrigatórios da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para todas as hipóteses em que os médicos os solicitavam.

 

O que é o PET SCAN (ou PET)?

PET significa Tomografia por Emissão de Pósitrons (Positron Emission Tomography).

Esse exame identifica alterações metabólicas nas células, ou seja, mostra como os tecidos e órgãos estão funcionando.

É muito sensível e consegue detectar tumores ainda em estágio inicial, que muitas vezes não aparecem em outros exames.

 

O que é o PET CT?

É a junção do PET com a tomografia computadorizada (CT) em um único exame.

Enquanto o PET mostra a atividade celular/metabólica, o CT mostra detalhes anatômicos (forma, tamanho e localização dos órgãos).

Juntos, eles fornecem uma imagem muito mais completa e precisa, ajudando médicos a localizar tumores com exatidão, avaliar se o câncer se espalhou (metástase), ver se o tratamento está funcionando e planejar cirurgias ou radioterapias.

 

Voltando ao caso concreto:

O MP pediu que a operadora do plano de saúde fosse obrigada a:

• abster-se de aplicar nos contratos existentes ou inserir em novos contratos cláusulas que excluíssem a cobertura dos exames PET CT ou PET SCAN, quando houvesse expressa indicação médica para diagnóstico, estadiamento e acompanhamento de câncer e outras enfermidades cobertas;

• parar de negar cobertura desses exames quando houvesse indicação médica expressa;

• pagar indenização por danos materiais e morais causados aos consumidores.

 

A controvérsia chegou até o STJ. O Tribunal concordou com os pedidos do Ministério Público?

SIM.

Tanto a nova redação da Lei dos Planos de Saúde quanto a jurisprudência do STJ admitem a cobertura de procedimentos ou medicamentos não previstos no rol da ANS, desde que amparada em critérios técnicos, devendo a necessidade ser analisada caso a caso.

Os exames PET-SCAN ou PET-CT estão expressamente incluídos no rol de procedimentos da ANS, sendo sua cobertura obrigatória quando destinado ao diagnóstico, estadiamento ou acompanhamento de neoplasias malignas (câncer), bem como de outras doenças abrangidas pelo contrato, nos casos em que os métodos diagnósticos convencionais não tenham sido conclusivos.

Além disso, mesmo nos casos não expressamente previstos no rol da ANS, a cobertura também se mostra devida quando houver indicação médica justificada, com base nas particularidades do quadro clínico do paciente.

No que tange aos danos morais, o STJ entende que:

A recusa indevida/injustificada, pela operadora de saúde, em autorizar a cobertura financeira para tratamento médico de urgência enseja reparação a título de danos morais, por agravar a situação de aflição psicológica e de angústia do beneficiário.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.816.359/MA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/3/2023.

 

Em suma:

É possível que a operadora de plano de saúde seja obrigada a fornecer cobertura para os exames PET SCAN ou PET-CT, porque expressamente previstos no rol de procedimentos da ANS, quando efetivamente necessários para o adequado diagnóstico, estadiamento e acompanhamento de câncer e outras enfermidades (cobertas contratualmente), que não tenham sido diagnosticadas por exames tradicionais, devendo haver ainda a observância de expressa indicação médica, para hipóteses além daquelas elencadas no rol da ANS. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.060.900-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/9/2025 (Info 865).


terça-feira, 28 de outubro de 2025

INFORMATIVO Comentado 865 (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 865 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

PODERES ADMINISTRATIVOS > PODER DE POLÍCIA

§  A CCEE pode aplicar penalidades contratuais aos seus associados sem se submeter ao limite de 2% previsto na Lei 9.427/1996, por não exercer poder de polícia.

 

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

§  O acordo de leniência não afasta o dever de integral reparação do dano, a teor do art. 16, § 3º, da Lei n. 12.846/2013, podendo a reparação ser postulada em ação própria ou na própria ação por improbidade administrativa.

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO

§  O art. 1º, § 1º da Lei 9.873/1999, que trata da prescrição intercorrente, aplica-se apenas à administração pública federal, sendo inaplicável a entes estaduais e municipais.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

CONCEITO DE CONSUMIDOR

§  O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos interempresariais celebrados entre os sujeitos integrantes do arranjo de pagamentos com cartões.

 

PLANO DE SAÚDE

§  Plano de saúde deve cobrir PET CT e PET SCAN quando houver expressa indicação médica para diagnóstico, estadiamento e acompanhamento de doenças cobertas contratualmente, não podendo recusar sob o argumento de falta de previsão no rol da ANS.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA

§  A competência territorial em relações de consumo é absoluta, permitindo ao consumidor escolher o foro; vale ressaltar, contudo, que não se admite escolha aleatória sem justificativa plausível.

 

RECURSOS

§  Para se aplicar a teses fixadas pelo STF em repercussão geral não é necessário aguarda o trânsito em julgado do acórdão do Supremo; no entanto, algumas vezes é mais prudente aguardá-lo quando houver possibilidade de embargos que possam modificar ou modular a tese.

 

RECURSOS > TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO (ART. 942 DO CPC)

§  A divergência sobre o valor da indenização por danos morais em apelação demanda a aplicação da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC.

   

EXECUÇÃO

§  O credor pode ajuizar execução mesmo que o contrato contenha cláusula arbitral, pois a arbitragem não pode promover atos executivos; a suspensão da execução não é automática e só se justifica se o devedor instaurar procedimento arbitral e requerer formalmente ao juízo.

 

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

§  A denúncia pelo crime do art. 20 da Lei 7.492/86 deve descrever de forma clara onde e em que finalidade os recursos foram aplicados, não bastando afirmar que foram desviados ou deixaram de ser usados.

 

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

§  A Súmula Vinculante 24 do STF não se aplica ao crime do art. 1º, V, da Lei 8.137/1990, por se tratar de crime formal.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS

§  O mau estado de conservação do veículo não constitui fundada suspeita para justificar a busca veicular e pessoal.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

OUTROS TEMAS

§  Decisão favorável à matriz pode alcançar filiais mesmo que não listadas na petição inicial considerando que integrarem a mesma pessoa jurídica.


segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Revisão para o concurso de Procurador do Estado do Tocantins

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Revisão para o concurso de Procurador do Estado do Espírito Santo

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domingo, 26 de outubro de 2025

INFORMATIVO Comentado 1191 STF (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1191 DO STF


Direito Constitucional

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

§  Lei estadual pode estabelecer período para realização de provas de concursos e vestibulares respeitando a guarda sabática, sem violar competências ou autonomia universitária.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS

§  A fixação e o reajuste de parcela remuneratória de servidor público dependem de lei formal, sendo inconstitucional a delegação dessa competência ao Poder Executivo.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANOS DE SAÚDE

§  Desde que observados os parâmetros jurídicos e técnicos fixados pelo STF, a lei pode determinar cobertura de tratamentos ou procedimentos não previstos pela ANS.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO FISCAL

§  A Resolução CNJ 547/2024, que exige providências da Fazenda Pública antes do ajuizamento da execução fiscal, é constitucional.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

REGIMES ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO

§  Lei estadual pode exigir que empresas de telecomunicação mantenham preços equivalentes entre serviços isolados e pacotes como condição para benefício fiscal de ICMS.


O corréu que atua em concurso com o comerciante na receptação pode responder também por receptação qualificada, mesmo sem exercer habitualidade comercial

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina era proprietária de uma loja.

Ela comprava mercadorias sabidamente furtadas para revender em seu estabelecimento comercial.

Pedro e Luiz, que não eram proprietários da loja nem exerciam atividade comercial própria, passaram a ajudar Regina ocasionalmente nesse esquema. Eles transportavam as mercadorias furtadas até o estabelecimento de Regina.

Durante uma investigação policial, foram apreendidos diversos materiais de origem criminosa na loja de Regina. Todos os três foram denunciados pelo Ministério Público.

O juiz condenou Regina por receptação qualificada (art. 180, §1º do Código Penal), reconhecendo que ela exercia atividade comercial de forma habitual:

Receptação

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Receptação qualificada

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

(...)

 

Quanto a Pedro e Luiz, porém, o magistrado os condenou apenas por receptação simples (art. 180, caput), argumentando que eles não eram proprietários do estabelecimento comercial nem exerciam atividade comercial própria.

O Ministério Público recorreu pedindo que a qualificadora do § 1º do art. 180 também fosse aplicada aos corréus. No entanto, o Tribunal de Justiça manteve a sentença, entendendo que a qualificadora do exercício de atividade comercial não poderia ser aplicada a Pedro e Luiz, já que não eram proprietários do estabelecimento nem exerciam atividade comercial. 

Ainda irresignado, o Ministério Público recorreu ao STJ, argumentando que, pelo princípio da teoria monista adotada pelo Código Penal brasileiro, todos que concorrem para o mesmo crime devem responder pelo delito em sua forma qualificada, independentemente de serem ou não proprietários do estabelecimento.

 

O STJ concordou com os argumentos do MP?

SIM.

 

Teoria monista

O Brasil adota a teoria monista em matéria de concurso de pessoas. Isso significa que, quando várias pessoas participam de um crime, todas elas respondem pelo mesmo delito, ainda que tenham praticado condutas diferentes ou em momentos distintos.

Não importa se uma pessoa foi a autora principal e as outras apenas ajudaram: todos concorreram para o mesmo resultado criminoso e, portanto, todos respondem pelo mesmo crime.

No caso concreto, Regina, Pedro e Luiz participaram da receptação dos produtos roubados, cada um com sua conduta específica, mas todos contribuindo para o mesmo delito.

 

Comunicabilidade das elementares do tipo penal

A receptação qualificada não é apenas uma forma mais grave da receptação simples, mas sim um tipo penal autônomo. A qualificadora existe justamente porque o crime foi praticado no exercício de atividade comercial ou industrial. Essa circunstância (o exercício de atividade comercial) é uma elementar do tipo penal, ou seja, é um elemento essencial que caracteriza o crime de receptação qualificada.

Logo, deve-se aplicar o art. 30 do Código Penal, que prevê que as circunstâncias de caráter pessoal que são elementares do crime comunicam-se a todos os que participaram da infração, desde que tenham conhecimento delas:

Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

 

No caso, o exercício de atividade comercial é uma circunstância de caráter pessoal (relacionada à condição de Regina como comerciante), mas é também uma elementar do tipo qualificado. Portanto, essa circunstância deve se comunicar aos demais participantes do crime.

 

Corréus podem responder por receptação qualificada mesmo sem serem proprietários

Pedro e Luiz deveriam responder por receptação qualificada mesmo não sendo proprietários do estabelecimento comercial. Se todos concorrem para o mesmo crime, e se esse crime foi praticado no exercício de atividade comercial, então todos devem responder pelo crime qualificado, independentemente de serem ou não os donos do estabelecimento.

Não é necessário que cada participante do crime tenha praticado todos os elementos do tipo qualificado. Basta que tenham concorrido, de alguma forma, para a prática do delito que possui esses elementos. Pedro e Luiz sabiam que estavam ajudando Regina a receptar mercadorias roubadas em seu estabelecimento comercial. Eles tinham conhecimento de que a receptação estava sendo praticada no contexto de uma atividade comercial habitual. Portanto, ainda que sua participação tenha sido ocasional e ainda que não fossem comerciantes, eles concorreram para um crime de receptação qualificada e devem responder por esse delito.

 

Não se exige habitualidade nem que eles exercessem pessoalmente a atividade comercial

Não seria necessário provar que Pedro e Luiz agiam com habitualidade ou que exerciam pessoalmente atividade comercial. Essas características estavam presentes na conduta de Regina, e isso é suficiente para qualificar o crime. Uma vez comprovado que Regina praticava receptação de forma habitual e no exercício de sua atividade comercial, e que Pedro e Luiz concorreram conscientemente para esse crime, a qualificadora se estende a todos os participantes.

Esse entendimento não viola o princípio da individualização da pena ou da responsabilidade penal pessoal. Cada réu continua respondendo apenas por sua própria conduta e na medida de sua culpabilidade. O que muda é apenas a tipificação do crime: em vez de responderem por receptação simples, Pedro e Luiz respondem por receptação qualificada, pois concorreram para um crime que tinha essa natureza qualificada desde o início.

 

Em suma:

Os elementos típicos da receptação qualificada comunicam-se por força de lei aos corréus, independentemente de serem proprietários do estabelecimento ou de exercerem atividade comercial. 

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.712.504-MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 9/9/2025 (Info 863).

 

Como o assunto já foi cobrado em prova:

Ano: 2025 Banca: Centro de Seleção e de Promoção de Eventos UnB - CESPE CEBRASPE

Prova: CESPE/CEBRASPE - STM - Técnico Judiciário - Área: Agente da Polícia Judicial - 2025

Um comerciante que adquire maquinário proveniente de crime de roubo, estando ciente da origem ilícita do objeto, e o utiliza em seu próprio negócio incorre no crime de receptação qualificada, ainda que a atividade comercial por ele desenvolvida seja lícita e legalmente regulamentada. (Correto)

 

DOD Plus: informações complementares

A 5ª Turma do STJ possuía julgado em sentido contrário:

A receptação, em sua forma qualificada, demanda especial qualidade do sujeito ativo, que deve ser comerciante ou industrial

Caso adaptado: a polícia encontrou, em um sítio, três veículos furtados desmontados com diversas peças espalhadas. Foram presas quatro pessoas no local, que atuavam da seguinte forma:

• Alessandro, Lucas e Vinícius faziam o trabalho manual de desmanche das peças.

• Túlio, por sua vez, ficava incumbido de transportar as peças desmanchadas em um caminhão até o comércio de sua propriedade, onde os objetos eram comercializados.

Túlio praticou receptação qualificada (§ 1º do art. 180 do CP) enquanto os três corréus incorreram em receptação simples (caput do art. 180).

Para que se configure a modalidade qualificada da receptação, a lei exige que a prática de um dos verbos previstos no § 1º do art. 180 ocorra no exercício de atividade comercial ou industrial, exigindo habitualidade no exercício do comércio ou da indústria.

No presente caso, ficou demonstrado que as peças retiradas dos carros furtados iriam ser vendidas no estabelecimento comercial do acusado Túlio. Porém, com relação aos outros réus, não se comprovou o exercício da atividade comercial prestado de forma habitual.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.259.297-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/4/2023 (Info 771).

 

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sábado, 25 de outubro de 2025

O pedido de celebração de ANPP deve ser formulado na primeira oportunidade de intervenção nos autos após a vigência do art. 28-A do CPP, sob pena de preclusão consumativa

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado pelo Ministério Público pela prática de crime.

A denúncia foi recebida e o processo seguiu seu curso normal: houve instrução processual, alegações finais e a prolação de sentença condenatória.

João interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação.

Ainda inconformado, o réu interpôs recurso especial, mas o STJ negou provimento ao recurso.

O condenado opôs embargos de declaração.

Vale ressaltar que até esse momento João ou sua defesa não mencionaram o interesse de celebrar Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

Foi então que, antes que os embargos fossem apreciados, João pediu ao Ministro do STJ que remetesse os autos ao Ministério Público porque ele tinha interesse de celebrar ANPP e preenchia os requisitos legais. Argumentou que, apesar da redação do art. 28-A, do CP, prever o oferecimento do ANPP antes da denúncia, há julgados do STJ admitindo a aplicação do ANPP até o trânsito em julgado.

O relator, por decisão monocrática, indeferiu o pedido. De acordo com a decisão do Ministro:

- o ANPP realmente pode ser celebrado até o trânsito em julgado;

- no entanto, para isso, é necessário que o acusado tenha formulado o pedido de análise do ANPP na primeira oportunidade de intervenção nos autos após a data de vigência do art. 28-A do CPP, sob pena de estabilização da controvérsia por meio dos efeitos preclusivos do comportamento omisso, em observância da boa-fé objetiva e do princípio da cooperação processual;

- no caso dos autos, João poderia ter formulado o pedido de ANPP nos recursos anteriores, mas não o fez.

- logo, a questão estaria preclusa, pois “não se coaduna com os princípios da boa-fé objetiva e da lealdade processual a apresentação de pedido de celebração de ANPP na última oportunidade que antecede o trânsito em julgado da condenação”.

 

João interpôs agravo regimental contra essa decisão que indeferiu o pedido de ANPP.

 

O que decidiu o órgão colegiado do STJ?

A 6ª Turma do STJ negou provimento ao agravo regimental.

Segundo a jurisprudência consolidada tanto no STJ quanto no STF, o pedido de ANPP deve ser feito na primeira oportunidade de manifestação do réu nos autos, após a entrada em vigor do art. 28-A do CPP.

No caso concreto, o réu teve diversas oportunidades anteriores para solicitar o acordo, mas só o fez quando o processo já se aproximava do trânsito em julgado, ou seja, quando a condenação já estava prestes a se tornar definitiva. Essa conduta foi considerada pelo STJ como contrária aos princípios da boa-fé e da lealdade processual, pois demonstraria um comportamento oportunista, tentando se beneficiar do acordo apenas quando todas as outras tentativas de defesa já haviam fracassado.

Além disso, o STJ aplicou o instituto da preclusão consumativa, que ocorre quando uma parte deixa de exercer uma faculdade processual no momento apropriado, perdendo o direito de fazê-lo posteriormente.

Como o réu não apresentou o pedido de ANPP no primeiro momento possível, houve a preclusão do seu direito de requerer o acordo.

 

Tese de julgamento:

O pedido de celebração de acordo de não persecução penal (ANPP) deve ser formulado na primeira oportunidade de intervenção nos autos após a vigência do art. 28-A do Código de Processo Penal, sob pena de preclusão consumativa.

A apresentação tardia do pedido de ANPP contraria os princípios da boa-fé objetiva e da cooperação processual, violando a própria essência do instituto.

STJ. 6ª Turma. AgRg no Acordo no AREsp 2.600.503-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 16/9/2025 (Info 863).


sexta-feira, 24 de outubro de 2025

INFORMATIVO Comentado 864 (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 864 DO STJ


DIREITO CONSTITUCIONAL

SEGURANÇA PÚBLICA

§  O tempo que a pessoa exerceu como Guarda Municipal e Agente de Trânsito deve ser considerado como atividade de segurança pública e, portanto, considerado para fins de promoção por antiguidade na carreira de Agente Penitenciário.

 

DIREITO CIVIL

CONTRATOS > TRANSPORTE

§  A Lei 10.209/2001 tornou obrigatório o pagamento do vale-pedágio de forma antecipada e separada do frete, sendo que o descumprimento dessa obrigação impõe ao embarcador a penalidade da dobra do frete, equivalente ao dobro do valor do frete contratado.

 

CASAMENTO > DIVÓRCIO

§  Cônjuge não sócio tem direito a lucros e dividendos até a apuração dos haveres; método de avaliação deve seguir balanço de determinação, excluindo fluxo de caixa descontado.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANOS DE SAÚDE

§  Planos de saúde devem custear glotoplastia para feminilização vocal em mulheres trans com disforia vocal severa, mesmo sem previsão no rol da ANS; a recusa injustificada gera dano moral.

§  O plano de saúde não é obrigado a fornecer medicamento de uso domiciliar, não incluído no rol da ANS, para gestante com trombofilia (ex: Clexane).

 

PRÁTICAS COMERCIAIS > COMPRA DE IMÓVEIS

§  A administradora da rede hoteleira não possui legitimidade para responder solidariamente por descumprimento contratual relacionado à construção ou comercialização de imóveis.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA

§  Compete à Justiça do Trabalho o julgamento de ação de indenização proposta pelo funcionário que teve seu veículo furtado no estacionamento da empresa durante o horário de trabalho.

 

GRATUIDADE DA JUSTIÇA

§  A gratuidade judiciária pedida por pessoa natural deve ser analisada conforme a situação concreta, não podendo ser automaticamente indeferida por critérios objetivos preestabelecidos.

 

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

§  A tabela de honorários da OAB, prevista no § 8º-A do art. 85 do CPC, não tem força obrigatória; serve apenas como referência para o arbitramento dos honorários advocatícios.

§  Os honorários podem ser fixados por equidade quando a ação é extinta sem impacto no direito discutido; além disso, se o trabalho do advogado foi desinfluente para a extinção, os honorários por equidade não devem ter como base a tabela da OAB.

 

COISA JULGADA

§  Acordo judicial com cláusula de quitação ampla impede nova indenização por desvalorização de imóvel previsível à época do pacto.

 

EXECUÇÃO

§  Ministério Público pode consultar o CNIB para localizar bens já indisponibilizados, visando à penhora em cumprimento de sentença, sem necessidade de esgotamento prévio de meios típicos de execução.

 

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

§  O delito de uso de documento falso consuma-se com a simples apresentação do documento, independentemente de verificação de autenticidade ou de prejuízo efetivo.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

AÇÃO PENAL > DENÚNCIA

§  A simples condição de sócio-administrador não é suficiente para justificar a responsabilização penal por crime tributário, sendo imprescindível a descrição de conduta individual que vincule o acusado ao fato típico.

 

MEDIDAS CAUTELARES

§  A proibição de uso de redes sociais pode ser imposta para prevenir a prática de delitos virtuais, sem violar direitos fundamentais, desde que fundamentada adequadamente.

 

PROVAS

§  O nervosismo ao avistar a guarnição policial pode caracterizar fundadas razões para a busca pessoal.

 

TRIBUNAL DO JÚRI

§  A disponibilização tardia de depoimentos essenciais configura cerceamento de defesa e nulidade processual.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

CRÉDITO TRIBUTÁRIO

§  Consulta administrativa não suspende nem interrompe o prazo prescricional para restituição ou compensação tributária.


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